Gol em recuperação: por que companhias aéreas têm tantos problemas no país?
O setor da aviação no Brasil enfrenta diversos problemas há décadas. Constantemente, ouve-se sobre o preço das passagens, empresas passando por processos de recuperação judicial ou até mesmo companhias que deixaram de voar.
Essa preocupação volta à tona com a adesão da Gol ao Chapter 11 nos Estados Unidos, procedimento similar à recuperação judicial no Brasil. Por que o setor aéreo é tão problemático no país? O que é preciso fazer para mudar isso?
O que dizem os especialistas
O Brasil tem peculiaridades não encontradas em outros países mundo afora. Para Ricardo Fenelon, ex-diretor da Anac e sócio do escritório Fenelon Barretto Rost, "a resposta é simples apesar de o problema ser complexo".
"Entre 2014 e 2022, o resultado financeiro das empresas aéreas foi um prejuízo de aproximadamente R$ 50 bilhões. Só houve lucro em dois anos, 2017 e 2019", diz o advogado. O motivo para isso seria um problema estrutural do país quanto aos custos, principalmente referentes à judicialização excessiva, tributação, acesso a crédito, entre outras. Essas questões são vistas como específicas e exclusivas do Brasil, e, por isso, chamadas de "jaboticabas".
Os tomadores de decisão (governo, Congresso, Judiciário) têm muitas dificuldades de entender o setor. Muitas vezes analisam do ponto de vista de consumidores que utilizam o serviço. Esse é um setor intensivo em capital, tecnologia e pessoal. As margens são muito apertadas em todo o mundo. Com a quantidade de 'jaboticabas' que existem ou que são criadas no Brasil, é difícil a conta fechar no médio prazo. Os números da última década não deixam dúvidas
Ricardo Fenelon, advogado
Abaixo estão reunidos os principais entraves apontados por executivos de companhias aéreas, Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) e outros especialistas do setor:
- Combustível caro: O combustível teve uma forte alta nos últimos anos, subindo 86% entre 2019 e o fim de 2023, segundo a Abear. Ao mesmo tempo, cerca de 30% do valor da passagem é referente ao combustível que será usado no voo.
- Dólar alto: O setor aéreo é fortemente dolarizado, ou seja, grande parte de seus custos oscilam de acordo com a variação do dólar. Cerca de metade dos custos de uma passagem dependem diretamente de itens que encarecem caso o dólar suba, como combustível, lubrificantes, arrendamento (espécie de aluguel), depreciação, seguro e itens de manutenção.
- Judicialização: O país é apontado pelas aéreas como um dos com maior índice de judicialização no mundo. O CEO de uma empresa chegou a discriminar que a cada passagem vendida, R$ 10 serão destinados com custos de processos judiciais.
- Falta de linhas de crédito: No Brasil, faltam linhas de crédito direcionadas para o setor aéreo. Hoje, estuda-se o uso de parte do Fundo Nacional da Aviação Civil como garantia para linhas de crédito das empresas.
- Política tributária desfavorável: O setor aéreo foi excluído do regime especial de tributação durante os debates da reforma tributária no Congresso em 2023. Segundo estudo feito pela LCA Consultoria Econômica divulgado pela Abear, a exclusão da aviação comercial desse regime pode aumentar em até 270% a carga tributária do setor. Isso equivale a uma despesa extra de R$ 11,1 bilhões por ano, segundo a consultoria.
Qual a solução?
Os problemas não são fatos isolados de uma empresa ou outra, mas de todo o setor, que é crucial para o crescimento econômico do Brasil. "Uma das soluções é criar uma agenda para igualar os custos do Brasil com o resto do mundo. [...] No curto prazo, é importante aliviar o caixa das empresas, por meio, por exemplo de linhas de financiamento", diz Ricardo Fenelon. O advogado ainda lembra que, excluindo o período da pandemia de Covid-19, as companhias aéreas americanas tiveram lucros significativos nos últimos anos.
Posição de destaque
O Brasil está entre os dez países que mais transportam passageiros no mundo. Segundo dados do Banco Mundial, foram quase 62 milhões de pessoas transportadas em 2021 (último período disponibilizado pelo órgão), colocando o país em sétimo lugar.
Em 2023, foram 112,6 milhões de passageiros transportados, o melhor número desde o começo da pandemia. Ainda assim, está abaixo dos 118,7 milhões registrados em 2019.
Já deu certo
No passado, as empresas Pantanal e Voepass também enfrentaram por um processo de recuperação judicial. A primeira acabou sendo comprada pela TAM (atual Latam) pelo valor de R$ 13 milhões em 2009.
A Voepass (anteriormente, Passaredo) enfrentou a recuperação judicial entre os anos de 2012 e 2017 e conseguiu cumprir os pontos definidos no plano aprovado pelos credores. A empresa quitou suas dívidas, reestruturou-se e atualmente voa para mais de 30 destinos no Brasil.
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