Após 14 anos de fracassos, acordo Mercosul-UE ganha novos impulsos
Técnicos de Brasil, Uruguai e Argentina estão trabalhando neste mês em uma proposta para tentar destravar uma negociação que vem fracassando há 14 anos: um tratado de livre comércio entre Mercosul e União Europeia (UE).
Até o dia 20, o Brasil pretende reunir ofertas feitas individualmente de quanto cada país do Mercosul está disposto a abrir seus mercados.
No final do mês, políticos do bloco sul-americano e da União Europeia devem se reunir para trocar as ofertas e começar a negociar um acordo cujo objetivo é reduzir em, no mínimo, 90% as barreiras de comércio entre os dois blocos ao longo de dez anos.
Paraguai e Venezuela não participam oficialmente das discussões, mas estão acompanhando o processo - o Paraguai por ainda estar suspenso dentro do bloco e a Venezuela por ter ingressado no Mercosul após a retomada, em 2010, das negociações.
As duas principais partes que lideram a negociação - o ministério brasileiro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e o Comissariado Europeu de Comércio - falaram à BBC Brasil sobre os fracassos do passado e os motivos pelos quais acreditam que desta vez um acordo poderá ser bem-sucedido.
Fim de privilégios
No passado, as negociações fracassaram por falta de disposição dos dois blocos de abrir partes de seus mercados consideradas estratégicas. A União Europeia não ofereceu extinção de alíquotas e subsídios no setor de agricultura, e o Mercosul não esteve disposto a facilitar o acesso a produtos industriais.
As propostas atualmente em estudo são mantidas em sigilo, e ainda não se sabe o que e quanto cada bloco oferecerá de seus mercados ao outro. Muitos dos obstáculos das negociações passadas permanecem os mesmos. Mas ambos os lados dizem ver novos impulsos agora para destravar as negociações que não existiam antes.
"Há um interesse maior da nossa parte, da parte dos demais países do Mercosul e acredito que vá haver também uma disposição maior da União Europeia de fechar um acordo comercial", diz o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior , Fernando Pimentel.
"Recebemos sinais ao longo deste ano e do ano passado de diversos ministros da União Europeia no sentido de que haveria uma oferta interessante e flexível [por parte deles]."
Do lado do Mercosul, dois fatores deram peso à necessidade por um acordo com a UE. Argentina, Brasil e Uruguai estão prestes a perder uma série de preferências tarifárias das quais gozavam historicamente no bloco europeu.
A partir do dia 1º do próximo mês, os três países deixam o Sistema Geral de Preferências da Europa e passam a ser classificados como países de média ou alta renda, perdendo o direito a vantagens oferecidas a nações em desenvolvimento.
O outro fator é a atual conjuntura de crescimento baixo, que realça a importância do comércio. Para o porta-voz do Comissário Europeu de Comércio, John Clancy, o Mercosul estaria mais disposto a negociar agora por causa da decepção com o ritmo de crescimento econômico recente.
"Nos últimos anos no Brasil, o crescimento não foi tão grande quanto o país esperava. Então eles têm esse mesmo incentivo para usar a política comercial para incrementar o crescimento, e isso se traduz em sinais de apoio em setores brasileiros - como indústria, agricultura e também serviços - para negociar com a União Europeia, e não depender exclusivamente no mercado interno do Mercosul", disse o porta-voz à BBC Brasil.
Crise europeia e novos acordos
A decepção com o crescimento econômico é o mesmo motivo que estimula os negociadores europeus. Desde 2008, a União Europeia atravessa turbulências econômicas. Para os políticos europeus, a saída para voltar a crescer é o comércio com o resto do mundo. A lista de novos acordos em negociação é grande e de peso: Japão, Estados Unidos, Asean (bloco de países do sudeste asiático), Índia e Canadá.
Com o Canadá - que como o Mercosul, é um grande exportador agrícola - a União Europeia anunciou em outubro que houve concordância de ambas partes de reduzir em 99% as barreiras tarifárias ao longo da próxima década. Com os Estados Unidos, as negociações foram abertas em fevereiro deste ano, e o bloco europeu acredita que é possível chegar a ganhos de US$ 161 bilhões no incremento do comércio.
A União Europeia vê no comércio a salvação para os problemas econômicos. Um estudo do bloco afirma que se a Europa completar todos os acordos atualmente em negociação, o PIB da região pode crescer 2,2% - o equivalente a toda a economia de um país como Áustria ou Dinamarca.
Mesmo sem um acordo de livre comércio, as transações entre Mercosul e União Europeia continuam crescendo em um ritmo forte. De 2002 a 2012, houve um incremento de 124% nas transações comerciais entre os blocos. A União Europeia é o maior importador de produtos do Mercosul e maior exportador para a região, com 110 milhões de euros em transações (19,9% do volume de comércio do Mercosul com o resto do mundo).
No ranking de parceiros, a situação continua inalterada - a União Europeia é o maior parceiro comercial do Mercosul, e o bloco sul-americano segue como oitavo maior parceiro dos europeus.
Mas como os blocos vêm negociando tratados de livre comércio com outras partes do mundo, essa relevância pode cair caso um acordo não seja firmado.
Além disso, desde 1999, quando Mercosul e União Europeia começaram a negociar, houve uma mudança no cenário internacional: uma descrença geral em grandes acordos multilaterais de comércio, como a Rodada Doha, que busca reduzir simultaneamente as barreiras em todos os países do mundo.
"A falta de progresso no nível multilateral na Organização Mundial do Comércio deixou claro para o Mercosul que caso eles queiram ganhar novos mercados, eles terão que buscar o caminho bilateral, além do multilateral. Isso é uma coincidência de como nós vemos o cenário", diz Clancy.
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