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Entenda por que a produtividade no Brasil não cresce

27/05/2014 06h04

Nos últimos anos, as empresas brasileiras aumentaram sua produção contratando mais gente. Agora que os índices de desemprego estão em patamares historicamente baixos, há certo consenso entre especialistas, empresários e integrantes do governo de que, para a economia voltar a crescer em ritmo acelerado, é preciso aumentar a produtividade do trabalhador brasileiro.

"Pela primeira vez na nossa história falta mão de obra - o que nos obriga a aproveitar nossos trabalhadores de forma mais eficiente", diz Hélio Zylberstajn, professor de economia da Universidade de São Paulo (USP), explicando por que a "produtividade" virou a bola da vez do debate econômico.

"Até os anos 80, os índices de produtividade brasileiros cresceram relativamente rápido em função de uma mudança estrutural da economia", diz Fernanda de Negri, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA). A população migrou para as cidades e começou a engrossar as fileiras de trabalhadores da indústria e serviços - setores cuja produtividade costuma ser maior que a do setor rural.

"A China está vivendo um processo semelhante, por isso, para eles é mais fácil aumentar a produtividade de sua economia enquanto para nós, que precisamos melhorar a performance dentro de cada setor, é mais difícil", acredita.

Dados da entidade americana de pesquisas Conference Board mostram que os funcionários de empresas brasileiras produziram em 2013 uma média de US$ 10,8 por hora trabalhada.

Trata-se da menor média entre países latino-americanos. A chilena foi de US$ 20,8, a mexicana, de US$ 16,8, e a argentina, de US$ 13,9.

Além disso, a mesma entidade registrou um crescimento no índice de produtividade brasileiro de apenas 0,8% no ano passado, após uma queda de 0,4% em 2012.

Para se ter uma base de comparação, o índice chinês teve alta de 7,1%.

Produtividade do trabalho é um indicador que dá a medida da eficiência do trabalho em cada lugar.

Simplificando bastante, poderíamos dizer, por exemplo, que se no Brasil cada trabalhador produz 100 sapatos por mês e nos Estados Unidos, cada um produz 200, a produtividade no setor calçadista americano é o dobro da brasileira - embora na prática a questão seja muito mais complexa.

Então porque um trabalhador no Brasil produz menos que um nos Estados Unidos, no Chile, Coreia do Sul ou Espanha?

Estamos tomando cafezinho demais, ignorando prazos para entrega de resultados e trocando muita figurinha da Copa do Mundo na hora do trabalho?

A verdade é que as causas do baixo crescimento da produtividade no Brasil ainda são tema de um amplo debate.

A revista britânica Economist, por exemplo, causou polêmica no mês passado ao sugerir que o problema poderia ser atribuído também a fatores culturais.

"Poucas culturas oferecem uma receita melhor para curtir a vida", afirmou a publicação, citando um empresário estrangeiro que teria tido dificuldade para contratar profissionais comprometidos com o trabalho no Brasil.

Para o economista da Unicamp, Célio Hiratuka, a tese é "simplista e talvez até um pouco preconceituosa".

"Em termos de cultura gerencial, o Brasil não é tão diferente de outros países que têm produtividade mais elevada", opina.

De Negri concorda que as causas do problema são muito mais complexas. "A produtividade do trabalho não depende só da capacidade ou empenho do trabalhador", diz.

"Uma empresa que adquire máquinas mais modernas produzirá mais com o mesmo número de funcionários. Outra que precisa alocar muitos empregados para pagar impostos ou resolver questões burocráticas, será menos produtiva."

Para entender o que existe de relativo consenso sobre as causas do baixo crescimento da produtividade no Brasil a BBC entrevistou especialistas de diversas linhas teóricas. O resultado dessa enquete são os quatro fatores, listados abaixo. Confira:

Educação

É consenso que trabalhadores mais qualificados têm condições de produzir mais e melhor. E que investir em qualificação ajuda a garantir profissionais para uma produção de maior valor agregado.

Até aí, nenhuma novidade.

A questão é que, nos últimos anos, o Brasil avançou no que diz respeito a escolaridade da população sem que isso se refletisse em seus índices de produtividade.

"Na última década tivemos um aumento de dois anos na média de estudo dos trabalhadores formais, segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados)", diz De Negri.

"Trata-se de um aumento importante no estoque de conhecimento - por isso, é uma surpresa que os índices de produtividade não tenham respondido a isso."

Especialistas explicam tal descompasso com duas hipóteses.

A primeira estaria ligada à questão da qualidade da educação no país. O fato de quase 40% dos universitários brasileiros serem analfabetos funcionais (segundo o Instituto Paulo Montenegro) dá a medida do desafio que o Brasil tem pela frente nessa área.

A segunda hipótese se refere à suposta falta de alinhamento entre os conhecimentos que as escolas e universidades transmitem e o que as empresas precisam para produzir mais - problema que os economista definem como "brecha de habilidades".

Nessa linha, são muitos os que apontam a necessidade de mais cursos técnicos no país.

"No Brasil e em outros países da América Latina há um estigma em relação ao ensino técnico que precisa ser quebrado", diz Carmen Pagés, especialista em mercado de trabalho do Banco Inter-Americano de Desenvolvimento (BID).

"O governo até está se esforçando para expandir as vagas no ensino técnico por meio do Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), mas mais uma vez precisamos de uma avaliação séria desse programa para entender se o que é ensinado corresponde ao que as empresas precisam", diz Zylberstajn, que também defende a criação de esquemas de treinamento nas empresas.

Tecnologia e inovação

A produtividade não depende apenas da capacidade e empenho dos trabalhadores, como ressalta De Negri.

"Um trabalhador com um computador potente pode ser mais produtivo que um com computador ruim ou sem computador", exemplifica Marcelo Moura, professor do Insper.

Um país pode adquirir tecnologia ou produzir tecnologia - e no caso do Brasil parecem haver dificuldades nas duas frentes.

"Para começar, muitas vezes é caro importar máquinas e equipamentos em função de proteções a indústria nacional", diz Moura.

Além disso, o país também parece estar na lanterna do grupo dos emergentes quando o tema é a produção de inovações.

Segundo um estudo do escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello, especializado em propriedade intelectual, o Brasil fez 215 pedidos de registro ao escritório americano de patentes (USPTO) em 2011, contra 3.174 da China, 1.234 da Índia e 298 da Rússia.

"Em todos os países asiáticos o estímulo à inovação e adoção de novas tecnologias foi um dos pilares dos avanços em índices de produtividade,", diz Hiratuka, da Unicamp, mencionando o caso da Coreia do Sul, que já está investindo na instalação da internet 5G.

"Já no Brasil, os níveis de investimento nessa área são relativamente baixos e ainda falta uma certa coordenação das políticas públicas de estímulo à inovação - como as linhas de financiamento do BNDES - para que elas produzam os resultados desejados."

Burocracia e infraestrutura

A complexa burocracia brasileira e as deficiências de infraestrutura também têm um efeito importante sobre a produtividade das empresas.

"É só notarmos a quantidade de pessoas que as empresas precisam empregar para conseguir pagar (processar) seus impostos - chegam a centenas de funcionários em grandes companhias como a Petrobrás", afirma De Negri.

"São pessoas que não trabalham na atividade-fim da empresa e, portanto, não ajudam a aumentar a produção."

O excesso de burocracia também favorece a manutenção das taxas altas de informalidade da economia - que pressionam o PIB e os índices de produtividade do país no geral.

No caso da infraestrutura, um exemplo extremo de como a produtividade pode ser afetada é o risco de falta de energia: se há um apagão, não adianta os trabalhadores estarem a postos, bem treinados e munidos de máquinas novas, de tecnologia de ponta.

No dia a dia das empresas, dificuldades no escoamento da produção, transporte de insumos e deslocamento dos trabalhadores também acabam consumindo recursos que poderiam ser investidos em atividades que trouxessem incrementos de produtividade.

Competição externa

O Brasil protege demais suas empresas?

Tradicionalmente, um economista liberal atacaria tais proteções enquanto um desenvolvimentista defenderia que o governo deve proteger a indústria nacional durante um tempo até que ela tenha musculatura para aguentar a competição externa.

Cada vez mais, porém, economistas brasileiros dos dois grupos questionam proteções dadas a alguns setores sob a forma de subsídios e barreiras tarifárias - relacionando tais proteções ao problema de baixa produtividade no país.

"A falta de competição faz com que as empresas se acomodem. É mais fácil ir para Brasília pedir incentivo do que fazer mudanças para ganhar competitividade e produtividade", opina Marcelo Moura, do Insper.

"Temos uma indústria automobilística que diz precisar de ajuda há 50 anos - alguma hora isso tem de acabar."

"Um pouco mais de abertura de fato poderia funcionar como um incentivo para as empresas correrem atrás de um aumento de produtividade", concorda De Negri, do IPEA.

"Mas não basta abrir para os produtos importados, é preciso também estimular as companhias brasileiras a exportarem e investir no exterior - porque ao fazer isso elas tomam contato com novos mercados consumidores e novas técnicas de produção, o que facilita os ganhos de competitividade."

Para Célio Hiratuka, da Unicamp, as proteções à indústria nacional podem ajudar a desenvolver determinados setores, "mas não devem ser incondicionais".

"Precisamos de mais pensamento estratégico e uma política que funcione na base do incentivo e do chicote - ou seja, que não só proteja as empresas, mas também lhes cobre o avanço em determinadas metas (produtividade, inovação, exportação)."