Para agências de risco, nem Dilma nem Temer evitarão estagnação da economia
No início de uma semana crucial para o Brasil, com a decisão dos deputados sobre validar ou não o pedido de impeachment da presidente, o foco está voltado à Brasília e aos rumos que o país pode tomar.
Com o iminente desfecho de mais uma etapa da crise política, as três maiores agências de risco do mundo, Moody’s, Fitch e Standard & Poor’s, indicaram à BBC Brasil que as profundas dificuldades amargadas pela economia brasileira não devem sofrer grande melhora tanto se o poder ficar com Dilma Rousseff como se for repassado ao vice, Michel Temer.
As três agências acreditam que as perspectivas serão negativas no mínimo até 2018.
Com índice de desemprego em 9,5% no trimestre encerrado em janeiro (ante 6,8% no mesmo período no ano anterior), e contração do PIB em 3,8% em 2015, a maior retração registrada desde 1996 (em dados do IBGE), a economia brasileira deve permanecer negativa, na visão dos analistas, seja qual for o resultado do processo de impeachment.
De acordo com os executivos das agências de risco encarregados das notas de investimento do Brasil, há uma clara preferência dos mercados pela saída de Dilma, mas eles ressaltam que importantes complicadores em um possível governo Temer não estão sendo contabilizados.
Entre eles estão o papel do PT como oposição, com grande chance de protestos e paralisações sindicais, difícil governabilidade num país polarizado e com grande volatilidade no Congresso, além da proximidade das eleições de 2018, o que deixa uma janela curta de tempo para quaisquer tentativas de reformas antes que a agenda política seja dominada pela campanha.
Mais do que um governo Dilma ou Temer, na visão dos analistas, é crucial que o país empreenda reformas, sobretudo fiscais, para sanar o deficit e retomar qualquer chance de crescimento, do consumo, e do retorno dos investidores estrangeiros. Diante das dificuldades de empreender tais mudanças num cenário complexo, seja com o PT ou o PMDB à frente do país, a previsão das três maiores agências de risco é de manutenção da crise econômica no mínimo pelos próximos dois anos.
Atualmente as três agências mantêm notas negativas para o Brasil, o que na prática significa a retirada do selo de "bom pagador" e reduz o grau de investimento ao grau especulativo, e todas continuam a sinalizar perspectiva negativa.
Veja as avaliações dos analistas da Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch concedidas em entrevista à BBC Brasil:
Lisa Schneller, da Standard & Poor's
A dinâmica no Brasil hoje é extremamente complicada, com a combinação da instabilidade e incerteza na política, as mudanças constantes em Brasília e a paralisação e contração da economia. Estes aspectos levaram às mudanças negativas no grau de investimento e risco do país recentemente.
Desde a última redução da nota de investimento do Brasil não vimos mudanças positivas concretas. Pelo contrário, o processo de impeachment e o impasse político só nos fizeram esperar ainda mais pelo momento em que o Brasil conseguirá virar o jogo. O tipo de crise no país faz com que decisões políticas difíceis sejam adiadas.
Um agravante da crise atual é o fato de atingir importantes políticos de vários partidos, e em diferentes níveis do governo. Não só no Executivo, mas também no Congresso, com tantas figuras cruciais sendo alvo de acusações de corrupção.
Após o impeachment, tanto se a presidente sobreviver ou não ao processo, não vejo habilidade para fazer as reformas necessárias. E isso em parte é por conta da operação Lava Jato colocando muita incerteza sobre a dinâmica da política.
Claramente os mercados não apoiam o atual governo, e acho que precisamos ver como eles vão reagir ao desfecho da crise, seja ele qual for. Muitos pensam que as coisas melhorariam com um governo Temer, mas há uma série de fatores que não estão sendo contabilizados, como protestos, paralisações sindicais e o comportamento do PT como oposição, e nós fizemos menções a isso em nossas avaliações, já que o PT é muito eficiente como opositor.
A recuperação do Brasil será mais longa do que as agências de risco esperavam e o que acontece no país tende a comprovar isso. O setor privado pensa diferente nesse respeito, mas claramente isso ocorre por não apoiarem o governo atual.
Nós estamos mantendo uma perspectiva negativa nas notas para o Brasil, e isso reflete a incerteza e a instabilidade das dinâmicas que vemos atualmente no país. Mas se enxergarmos estabilização nas dinâmicas poderíamos repensar a avaliação.
O que esperamos é que nos próximos anos as políticas sejam alteradas ao longo do tempo, com importantes reformas, sobretudo a reforma fiscal. Mas não há chance de mudanças imediatas e nem nos próximos dois anos. Haverá uma eleição em 2018, e no melhor cenário haverá avanços com este novo governo, desde que conte com apoio do Congresso.
Samar Mazid, da Moody's
A situação no Brasil será complicada e difícil por algum tempo, tanto no aspecto político quanto econômico. A dinâmica da política não demonstra apoio às reformas fiscais no último ano, e isso foi importante para as perspectivas de crescimento e de situação fiscal, impactando nas notas das agências e na avaliação dos investidores.
É difícil que um governo seja capaz de aprovar as reformas anunciadas no ano passado e até mesmo no começo deste. Quanto ao crescimento, esperamos uma nova contração em 2016, mantendo uma perspectiva muito difícil.
Mais do que o resultado por um novo governo Dilma ou por um governo Temer, o que interessa às agências de risco é a dinâmica política do país e a capacidade de empreender reformas para aumentar a arrecadação, sanar o deficit e retomar o crescimento.
A reforma estrutural fiscal é a mais importante e urgente de todas. A estrutura dos gastos públicos é muito rígida no Brasil, com quase 90% da receita do governo comprometida. São coisas que não acontecem rapidamente, e muito menos num ambiente político volátil e extremamente polarizado.
Nenhuma reforma será feita sem muita discussão e sem consenso político, e muitos estão subestimando o tempo que isso levará. O mercado está subestimando as complexidades de um governo Temer. A posição do PT como oposição, protestos e a dificuldade em governar não estão sendo consideradas seriamente.
Nos próximos dois ou três anos a perspectiva e a tendência continuam sendo negativas. Pode haver uma lenta estabilização em 2017 e um início de crescimento em 2018, mas isso terá que ser acompanhado por uma melhora da visão dos investidores sobre o Brasil e um retorno da atividade econômica.
Agora o consumo é fraco e em declínio, e há desemprego e endividamento, e é crucial que o Brasil não tenha um crescimento guiado pelo consumo ou por uma bolha de crédito, como aconteceu de certa maneira entre 2010 e 2014.
Peter Shaw, da Fitch
A perspectiva a respeito da situação atual do Brasil é nebulosa, e a saída de Dilma retiraria algumas das nuvens, mas o cenário continuaria nebuloso para o país. A direção das notas de investimento tem sido negativa, e a tendência segue negativa.
Para o mercado, qualquer coisa que aponte que a saída de Dilma está mais próxima significa uma mudança positiva, e qualquer coisa que aponte que Dilma fique traz um efeito negativo. Mas se Dilma for impedida, o governo que se seguirá terá grandes desafios em termos de governabilidade.
Haverá eleição presidencial de novo em 2018, e mesmo no melhor cenário, se Temer entrar e montar um gabinete com bons ministros e de alguma forma construir um bloco de relativo apoio no Congresso, a janela de oportunidade antes de a eleição de 2018 começar a dominar todo o cenário político no país é muito curta. É difícil imaginar que um número muito grande de coisas boas seja feito em tão pouco tempo.
A reação positiva imediata do mercado no caso de um impeachment poderia se aliar a um período de lua de mel de um governo Temer, em que eles talvez consigam fazer algumas coisas na área fiscal, talvez trazendo de volta a CMPF, mas há fatores complicadores.
O PT vem construindo um bloco de apoio no Congresso que, embora possa não ser grande o suficiente para barrar o impeachment, certamente tem tamanho para impactar um governo Temer.
Sobre um novo governo Dilma, eu acho que ela perdeu qualquer tipo de confiança dos mercados, e é praticamente impossível imaginar que ela tenha qualquer governabilidade ou apoio do Congresso. Muitos dos problemas de governabilidade ficariam ainda mais nebulosos, abrindo chances para uma reação ainda mais negativa do mercado.
Alguns industriais ou líderes do varejo no Brasil parecem acreditar que suas lojas estarão lotadas e seus produtos voltarão a ser vendidos no dia seguinte à queda de Dilma. Mas diante de altos níveis de desemprego e endividamento dos consumidores, fica claro que é necessário muito mais para retomar o crescimento econômico do Brasil do que simplesmente resolver a situação da presidente.
Apesar do cenário negativo, acho que o Brasil tem capacidade de fazer reformas significativas em tempos de alto estresse. No meio da hiperinflação saiu o Plano Real. Então, talvez no longo prazo possa sair algo mais positivo e verdadeiro desse momento tão turbulento no país.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.