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Três grandes equívocos de Piketty na análise da desigualdade: Noah Smith

Noah Smith

27/03/2015 14h11

(Bloomberg View) -- Matt Rognlie é um cara muito divertido e inteligente. Doutorando em Economia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Rognlie tinha um blog, mas o largou para escrever longos comentários e e-mails a blogueiros (inclusive a esse que vos fala). Como prova de que os blogs podem ser uma parte importante do processo de pesquisa, Rognlie transformou um comentário de blog na crítica mais mordaz jamais feita a Thomas Piketty.

Piketty, lembre-se, é o economista francês que virou celebridade com seu trabalho sobre a desigualdade. Em seu best-seller "O Capital no Século XXI", ele afirma que a taxa de aumento da riqueza dos donos do capital é quase sempre maior do que a taxa de crescimento econômico. Se isso for verdade, significa que o rico fica mais rico e que a desigualdade de riqueza nunca para de crescer.

Mas o jovem Rognlie tem três observações que lançam dúvidas sobre a grande tese de Piketty.

A primeira é que Piketty não leva em conta a depreciação. Como os capitalistas acumulam cada vez mais máquinas, edifícios e outros ativos tangíveis, eles têm que pagar cada vez mais para manter esse capital físico. Caminhões precisam de pneus novos. Escritórios precisam ser reformados. O que Rognlie pontua é que esse custo de manutenção vem aumentando ao longo do tempo. Hoje em dia, mais do que no passado, os bens de capital estão muitas vezes na forma de computadores, softwares e outros produtos de alta tecnologia que se tornam obsoletos muito rapidamente. Isso força os capitalistas a gastarem mais dinheiro substituindo essas coisas. Boa parte do dinheiro que aparentemente vai para o bolso dos proprietários equivale apenas, na verdade, a um custo maior para se fazer negócio.

Rognlie não é o primeiro a fazer essa afirmação -- a mesma coisa foi dita por James Hamilton, da Universidade da Califórnia em San Diego, e por Benjamin Bridgman, do Escritório de Análise Econômica dos EUA.

Mas Rognlie acrescenta outros dois pontos importantes. O segundo ponto é que boa parte da renda que foi para os donos do capital nas últimas seis décadas veio dos ganhos de capital -- com o aumento dos preços das ações, e não de um aumento do valor contábil (valor líquido total dos ativos mantidos pelas empresas) --. Quando você olha o valor contábil, o aumento foi muito mais modesto. É possível que o que parece ser o início de uma explosão permanente da riqueza dos acionistas seja, na realidade, apenas o final do "prêmio das ações" que fascinou os economistas financeiros por décadas.

Mas o terceiro ponto de Rognlie é, talvez, o mais interessante. Os economistas englobam uma série de coisas diferentes no "capital", como máquinas, edifícios e terrenos. Rognlie ressalta que quase todo o aumento no valor do capital na cronologia de Piketty vem dos terrenos e não de outras formas de capital. Em outras palavras, são os proprietários de terras, e não os líderes corporativos, que estão sugando a riqueza na economia. Trata-se de uma visão dramática e surpreendente que de alguma forma havia sido ignorada antes do surgimento de Rognlie.

Essa é uma história muito diferente daquela em que normalmente pensamos. Nós não relegamos os todo-poderosos donos de terras à lata de lixo da história quando nos livramos do feudalismo? As corporações produtivas não substituíram os donos de terras coletores de aluguéis como classe abastada das sociedades avançadas?

Talvez não. Os economistas urbanos acreditam que à medida que a densidade aumenta, a produtividade aumenta. Trata-se de algo conhecido como "economia da aglomeração". Mas à medida que se torna mais valioso para as pessoas terem o trabalho e a casa perto um do outro, o valor dos endereços centrais -- dos terrenos -- sobe. Os donos de terrenos, que não estão produzindo mais do que antes, mas são proprietários de endereços vantajosos, colhem benefícios enormes.

De uma forma geral, isso implicará que as cidades tenderão a ser muito pequenas -- o incentivo de se agrupar para ter uma produtividade maior é sufocado pelo alto preço do terreno --. A fuga da renda urbana para os donos dos terrenos tenderá a aumentar à medida que a economia crescer e a vantagem da produtividade das cidades aumentar. Para ver isso em ação atualmente, basta olhar para São Francisco, onde o preço cada vez maior dos terrenos e o subsequente aumento dos aluguéis absorveram boa parte da riqueza criada pelo novo boom tecnológico. É claro, isso foi fortemente exacerbado pela recusa da cidade em permitir a construção de mais moradias, o que pode ser um reflexo do poder político dos donos de terrenos.

Os resultados de Rognlie, e a teoria das economias da aglomeração, sugerem que para combater a desigualdade de riqueza o que nós realmente precisamos fazer não é redistribuir a renda das corporações, mas redistribuir a renda da terra. Como fazemos isso? Bem, a permissão de um maior desenvolvimento em áreas urbanas é um bom começo. Mas a verdadeira arma aqui é o imposto Henry George, ou o imposto sobre valor da terra (LVT, na sigla em inglês). Trata-se de uma espécie de imposto sobre a propriedade, mas que tributa apenas o valor da terra, e não o valor das estruturas construídas na terra. Isso incentiva o uso eficiente da terra e ao mesmo tempo oferece o método mais eficiente de redistribuição de riqueza. Milton Friedman o chamou de "o imposto menos ruim".

Rognlie mostra que se quisermos realmente combater a desigualdade sobre a qual Piketty alerta, nós provavelmente precisaremos de ferramentas como o LVT. Mais importante do que isso, nossas cidades precisarão encontrar maneiras de lutar contra o poder político dos donos de terras. A política mais importante de redistribuição pode ser agora a política de uso dos terrenos urbanos.

Título em inglês: Piketty's Three Big Mistakes in Inequality Analysis: Noah Smith

Para entrar em contato com o autor: Noah Smith, nsmith150@bloomberg.net.