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À medida que amadurece, Qatar Air relaxa controle sobre a tripulação

Deena Kamel Yousef e Mohammed Aly Sergie

26/08/2015 16h53

(Bloomberg) - São 10h em Doha e mais de 200 comissários de bordo da Qatar Airways estão reunidos no salão de baile de um hotel no aeroporto. Uma mulher pega o microfone e dispara uma pergunta sobre a política que proíbe a tripulação da cabine de usar celulares em público se estiver trajando o uniforme, colhendo um murmurinho de aprovação. Outra pergunta por que aqueles que moram nos apartamentos da empresa devem estar no quarto das 4h às 7h recebe uma rodada de aplausos.

Lidando com as perguntas está Rossen Dimitrov, o vice-presidente sênior que supervisiona os 9.500 comissários de bordo da operadora, 80% dos quais são mulheres, vindos de lugares tão distantes quanto o Peru e a Índia. Afável, e às vezes até engraçado, Dimitrov explica um relaxamento recente das políticas sobre casamento e gravidez, e se compromete a revisar o toque de recolher e outras preocupações.

A rápida expansão da Qatar Air, que está deixando de ser uma empresa aérea regional para se tornar numa potência no segmento de longa distância, trouxe um conflito entre os valores conservadores do seu Estado natal e a visão ocidental sobre os direitos da mulher. Com uma frota de aviões encomendada que precisará de milhares de novos comissários de bordo, a operadora planejou realizar cerca de duas dezenas de reuniões neste ano para explicar a mudança nas políticas e entender melhor as necessidades dos funcionários.

"À medida que a empresa aérea amadurece, a força de trabalho amadurece", disse Dimitrov depois (a Qatar Air permitiu o acesso à reunião interna da empresa com a condição de que os comentários não fossem citados diretamente). "Você não pode dizer para uma pessoa de 35 anos: 'Não, você não pode ter uma família, espere'. Queremos reter as pessoas".

Opção de calça

A Qatar Air não é a única operadora do Golfo Pérsico com dificuldades para manter relações tranquilas com sua tripulação. A Etihad Airways PJSC, de Abu Dhabi, foi criticada por excluir a opção de calça para as mulheres quando apresentou seus últimos uniformes, embora a empresa aérea diga que tomou a decisão porque as aeromoças não queriam usar calça comprida. A Emirates, com sede em Dubai, enfrentou certa discórdia entre os membros da tripulação e, em fevereiro, começou a organizar reuniões similares para escutar as preocupações.

Contudo, a Qatar Air tem sido o principal alvo das críticas. Em um relatório publicado em junho, a Organização Internacional do Trabalho disse que o governo qatariano tinha permitido que sua companhia aérea de bandeira "institucionalizasse a discriminação". A agência da ONU reconheceu que as coisas estão melhorando, mas disse que estava esperando para ver se as regras menos estritas para casamento e gravidez serão implementadas plenamente e questionou restrições vigentes, como a proibição de que as aeromoças sejam levadas para o trabalho por homens sem parentesco com elas.

Normas culturais

Uma das principais preocupações é a norma de descanso obrigatório de doze horas antes dos turnos, que a Qatar Airways faz cumprir monitorando os funcionários nas casas da companhia. A operadora alugou cerca de 90 edifícios de apartamentos em Doha, onde a maioria dos membros da tripulação mora sem pagar aluguel. Ainda que a compensação seja generosa para os padrões do setor - a partir de US$ 33.000 por ano -, a maioria escolhe as casas da empresa porque uma acomodação similar poderia custar US$ 2.000 por mês.

Dimitrov insiste em que a operadora sempre é transparente no processo de recrutamento em relação às normas culturais a que os membros da tripulação devem aderir. O Qatar é um lugar conservador, diz ele, e quem vier para trabalhar na empresa aérea ou para outra companhia deve aceitar isso e se ajustar.

"Para quem nunca esteve nesta parte do mundo, às vezes é difícil de entender", disse ele. "Não se trata de dizer o que é bom ou ruim, mas as crenças são diferentes e precisamos nos acostumar com como as coisas são".