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'Doutrina Trump' em relação à Europa derruba aliança histórica

Nick Wadhams e Margaret Talev

20/01/2017 10h53

(Bloomberg) -- Durante a maior parte das últimas sete décadas, as relações dos EUA com a Europa giraram em torno de um conjunto de crenças comuns: a Rússia era o adversário mútuo, a potência industrial da Alemanha seria o centro da economia do continente e uma Europa unificada era do interesse de todos. Com Donald Trump, não tem nada disso.

Nas semanas que passaram desde que ele venceu a eleição presidencial dos EUA, as características de uma "Doutrina Trump" em relação à Europa parecem estar se definindo. Elas incluem uma crença de que o Reino Unido está melhor por conta própria, que a Alemanha tropeçou como líder da Europa e que a Rússia pode ser um parceiro legítimo.

Juntando os comentários de Trump no Twitter e em entrevistas, autoridades de Paris à Kiev ficam com a preocupação de que pouca coisa da agenda de política externa tradicional dos EUA é sagrada para o futuro presidente.

"Tudo se resume a romper as regras e regulamentações atuais", disse Piotr Wilczek, embaixador da Polônia nos EUA, em uma entrevista. "Trump tem uma espécie de abordagem pós-política muito particular. Especialmente para diplomatas experientes, é um choque. Todos nós estamos pensando sobre como lidar com esse governo."

A dúvida se tornou mais urgente porque a França e a Alemanha, os dois maiores membros que continuam comprometidos com a União Europeia, enfrentarão eleições neste ano, e um sucesso dos partidos nacionalistas poderia abalar ainda mais as décadas de trabalho dedicadas a unificar o continente. Os líderes estarão observando para ver se Trump dará mais dicas sobre a perspectiva de sua política externa em seu discurso ao tomar posse nesta sexta-feira.

'Profundamente perturbador'

"Isso é profundamente perturbador para o povo da Europa", disse Dennis Ross, que atuou como assessor de política externa para os últimos três presidentes dos EUA. "Ele tem uma visão de mundo, e acho que é justo afirmar que essa visão de mundo não valoriza as alianças, mas as transações e o que pode ser útil em transações."

A abordagem do futuro presidente é particularmente inquietante para os países menores, que se veem fortalecidos política e economicamente por alianças históricas como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a UE, duas instituições que foram criticadas por Trump. Se essa estrutura ruir, esses países poderiam ficar indefesos contra uma Rússia cada vez mais expansionista e enfrentar um novo regime de obstáculos comerciais após décadas de integração econômica.

Tanto aliados quanto adversários tiveram que reagir aos comentários muitas vezes contraditórios de Trump sobre aonde ele pretende levar as relações dos EUA com o mundo.

"Eu não saio dizendo 'vou fazer isso, vou fazer aquilo', eu tenho de fazer o que tenho de fazer", disse Trump, de acordo com o Times de Londres. "Mas eu não quero jogar. Quem joga cartas mostrando para todo mundo o que tem na mão antes de jogar?"