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Odebrecht leva imprensa a Angola às vésperas de audiência sobre escravidão

Armando Pereira Filho

Do UOL, em Cacuso (Angola)

29/08/2014 06h00

A construção da primeira usina de açúcar de Angola, da Biocom (da brasileira Odebrecht, em sociedade com angolanos), teve problemas trabalhistas e enfrenta uma ação civil pública por suposta promoção de trabalho escravo e tráfico internacional de pessoas. A ação pede indenização de R$ 500 milhões e proibição de financiamentos públicos por até cinco anos.

Segundo a denúncia, os trabalhadores teriam sido levados de maneira irregular para Angola (o que caracterizaria o tráfico) e com direito de locomoção cerceado (o que seria similar a escravidão).

A ação foi proposta em junho pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em Araraquara (SP), que também instaurou inquérito civil para apurar o que chama de "condições degradantes" de cerca de 500 trabalhadores brasileiros.

Teria havido problemas com alimentos e instalações sanitárias. A empresa nega tudo.

A investigaçao começou depois de reportagens publicadas pela BBC Brasil em dezembro do ano passado.

Na próxima sexta-feira (5/9), haverá uma audiência inicial na Justiça do Trabalho. Segundo o MPT, serão apenas recebidos documentos da defesa, sem a escuta de testemunhas.

Nesta semana, a Odebrecht levou a imprensa pela primeira vez à usina em Angola. Foram nove jornalistas de seis veículos de comunicação, incluindo o UOL, para mostrar suas instalações e negar irregularidades.

Foram mostrados para os jornalistas os dormitórios, os banheiros e os refeitórios. A empresa apresentou áreas de lazer, internet, lavanderia e academia de ginástica. Todos os serviços e a alimentação são de uso gratuito pelos empregados.

O diretor-geral da Biocom, Carlos Mathias, diz que o procurador do Trabalho Rafael de Araújo Gomes fez denúncia sem ouvir a Biocom e a Odebrecht e sem nunca ter ido ao local.

"O Ministério do Trabalho diz que denúncias desse tipo têm de ser precedidas de investigação", afirma.

Segundo Mathias, as fotos e os vídeos apresentados na denúncia, com banheiros entupidos, podiam ser de qualquer lugar.

Também afirma que o advogado é o mesmo em várias ações (cerca de 40), sugerindo que poderia ter havido estímulo externo para os funcionários moverem as ações. "Há muita influência de advogados, criam-se fatos, inflam-se os fatos", declara.

"Nós não somos perfeitos, mas nenhuma empresa se mantém com 2.000, 3.000 pessoas numa obra nessas condições. Se tivéssemos essa situação, alguém estaria aqui?", questiona Mathias.

Promotor diz que Justiça confirma más condições

O promotor do trabalho Rafael de Araújo Gomes diz que não há um só advogado defendendo as causas e que, em ações trabalhistas individuais (sobre condições de trabalho), a Justiça tem dado ganho de causa aos ex-funcionários.

"Diversas condenações têm sido confirmadas. Dezenas de desembargadores estão confirmando as sentenças e aumentando as indenizações. Então parece absurdo dizer que é um advogado mal-intencionado. Todo o Judicionário está confirmando os fatos ocorridos."

Essas indenizações se referem a processos individuais, não à ação civil pública sobre escravidão e tráfico de pessoas. Esses julgamentos individuais ainda são passíveis de recurso da empresa.

Sobre a alegada falta de investigação, o procurador afirma que ocorreu o contrário. "Esta é provavelmente hoje uma das maiores ações em tramitação na 15ª região [do Ministério Público do Trabalho, com sede em Campinas, SP]. Ela foi instruída com 1 gigabyte de provas documentais. É uma ação extraordinariamente subsidiada de provas, muito além do comum."

(O jornalista viajou a convite da Odebrecht)