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Entenda o que pode acontecer na economia da Grécia com a esquerda no poder

Louisa Gouliamaki/AFP
Imagem: Louisa Gouliamaki/AFP

Maxime Vaudano

Do "Le Monde"

27/01/2015 06h00

O partido da esquerda radical grega Syriza, venceu as eleições legislativas com ampla vantagem no domingo (25), e deverá ficar a somente dois deputados de distância da maioria absoluta no Parlamento (151 representantes). Sendo partidário do fim da austeridade e de uma reestruturação da dívida, surge a dúvida de que seu líder Alexis Tsipras possa ameaçar a permanência da Grécia na zona do euro.

1. Em que pé está a Grécia?

Seu deficit está se reduzindo. Os números oficiais das finanças públicas gregas à primeira vista não são muito animadores: a dívida ainda atinge mais de 170% do PIB, enquanto o deficit voltou a subir em 2013, para mais de 12% da riqueza nacional.

No entanto, eles mascaram uma realidade mais complexa: fora “gastos excepcionais”, e o apoio ao setor bancário, o deficit grego se estabeleceu em 2013 em 2,1%. Melhor ainda, Atenas ao mesmo tempo obteve um superavit primário de 0,8% do PIB –ou seja, ao abrir uma exceção no serviço da dívida, a administração grega arrecadou mais dinheiro do que gastou.

Esses resultados não foram suficientes para a troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia), que pediu à Grécia que ela provasse sua estabilidade orçamentária para 2015-2016 antes de afrouxar o regime de austeridade.

Entre os diferentes planos de ajuda europeus e internacionais, a reestruturação de parte de sua dívida e o financiamento clássico da União Europeia, a Grécia recebeu menos de 380 bilhões de euros desde 2007.

Pouco mais de 10 bilhões de euros ainda devem ser emprestados à Grécia: 7 bilhões de euros pelo FMI e 3,6 bilhões de euros pelos europeus, para a última parcela de seu segundo plano de salvamento.

2. Sair da zona do euro é legalmente possível?

Os tratados europeus não preveem a possibilidade para um Estado de deixar a zona do euro. A Comissão Europeia lembrou, no dia 5 de janeiro, para tentar dissipar os rumores, que a adesão de um país à zona do euro é “irrevogável”.

Sendo assim, duas possibilidades se apresentariam à Grécia caso ela queira fazê-lo, como já explicava em 2011 o economista Eric Dor:

Via legal: ela sai da União Europeia (graças ao artigo 50 do Tratado de Lisboa), depois volta a aderir negociando uma exceção que lhe permita não ter de entrar na zona do euro (como o Reino Unido, a Suécia e a Dinamarca fizeram nos anos 1990).

Via excepcional: os 28 Estados-membros emendam os tratados europeus para ali introduzir uma cláusula de saída da zona do euro, para permitir que a Grécia abandone a moeda única sem ter que deixar a UE. Seria até possível, segundo alguns observadores, contornar a legislação europeia caso todos (Comissão e Estados-membros) estejam de acordo.

3. É plausível a hipótese da saída da Grécia?

O partido da esquerda radical Syriza, favorito nas pesquisas para as próximas eleições na Grécia, não defende a saída de Atenas da zona do euro, diferentemente do partido neonazista Aurora Dourada, por exemplo. São mais as consequências indiretas de seu programa que trazem novamente à tona os temores de uma possibilidade de “Grexit” (“Greece Exit”, saída da Grécia).

O partido de Alexis Tsipras exige na verdade uma revisão das políticas de austeridade e de reforma impostas pela troika de seus credores e propõe uma política de incentivo para a economia grega (criação de empregos públicos, volta do salário mínimo, investimentos). Mas, acima de tudo, ele quer renegociar a dívida restante da Grécia com seus credores.

São perspectivas que assustam os mercados financeiros e irritam seus vizinhos europeus. Caso seja abandonada pelos investidores, a Grécia poderá voltar a se afundar na situação catastrófica que quase a levou à saída do euro em 2011-2012.

Sem que tal extremo aconteça, o “Grexit” também poderá ser brandido como ameaça pela Comissão Europeia e pelos Estados europeus, principalmente pela Alemanha. Ainda mais que sem a ajuda europeia, Atenas é incapaz de se financiar sozinha nos mercados, com taxas de empréstimos que hoje giram em torno de 9%.

Então tudo leva a crer que o Syriza e Bruxelas vão buscar um acordo. Ao desistir da moratória sobre o pagamento da dívida que ele defendia até recentemente, o partido de esquerda radical poderá renegociar uma reestruturação para ter um pouco de fôlego. Isso poderá assumir a forma de um reescalonamento ou mesmo de perdão de parte das dívidas.