Diletto: O que aconteceu com marca que criou história falsa de seu sorvete
Famosa pelos sorvetes com cara de artesanais, a Diletto sumiu das prateleiras de supermercados de rede nacional. Os sócios originais saíram da companhia, os quiosques de venda foram todos fechados, e a empresa não responde a clientes nem atualiza redes.
História da Diletto
A marca paulistana de sorvetes artesanais Diletto foi fundada em 2009 pelos sócios Leandro Scabin, Fábio Meneghini e Fábio Pinheiro. As embalagens da marca eram caracterizadas pela imagem de um urso polar. O produto costumava ser vendido em geladeiras verdes com estética vintage.
Inicialmente, a produção era com um fabricante terceirizado. Em 2011, a marca inaugurou sua fábrica própria em Cotia, na região metropolitana de São Paulo.
A venda em supermercados correspondia a cerca de metade do total. A marca estava presente em mais de 3.000 pontos de venda em 15 estados do país, incluindo também restaurantes e shoppings, além de quiosques próprios.
O perfil do consumidor era das faixas A e B. Os sorvetes e picolés concorriam com marcas como Häagen-Dazs e Bacio di Latte. Os sabores incluíam limão siciliano, macadâmia, pistache e coco da malásia, entre outros.
Recebeu investimento de bilionário. Em 2013, Jorge Paulo Lemann, um dos sócios de referência das Americanas (AMER3), comprou 20% da Diletto por um valor estimado em R$ 100 milhões. O faturamento declarado da Diletto em 2012 havia sido de R$ 30 milhões. O objetivo de Scabin na época era aumentar o faturamento da Diletto para R$ 1 bilhão até 2022.
História da receita do avô era falsa
A receita do sorvete seria de família. A Diletto anunciava em seu site e nos produtos da marca que a receita dos sorvetes artesanais havia sido criada por Vittorio Scabin, avô de um dos fundadores.
Segundo o storytelling, o "nonno" produzia sorvetes feitos de neve. Ele era da região de Vêneto, no extremo norte da Itália, próximo aos Alpes, e fazia sorvetes desde 1922. O avô então precisou abandonar o negócio na Segunda Guerra Mundial, quando a família migrou para São Paulo.
A Diletto virou alvo de investigação. O Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar) descobriu em 2014 que a história sobre a sua origem era falsa. O Conar determinou então que a marca teria que deixar claro em seu material publicitário que a história do nonno Vittorio não era real.
"Todos na Diletto ficaram em choque"
Até sócio teria sido enganado. Fábio Meneghini disse ao UOL que, quando foi convidado para ser sócio na Diletto, Scabin lhe contou a mesma história que era divulgada pela marca, sobre a receita do avô italiano.
O publicitário soube que a história não era real por meio de uma jornalista, que mostrou a certidão de nascimento do avô de Scabin. Ele realmente havia nascido no Vêneto, mas veio para o Brasil com três anos de idade. Segundo Meneghini, todos na Diletto ficaram em choque.
Uma história linda dessas eu não poderia deixar de ter apresentado. É através de fábulas que as pessoas aprendem os valores. E eu achava a nossa fábula do Nonno perfeita para passar nossos valores, que eram exatamente o capricho artesanal ancestral italiano.
Fábio Meneghini
A falha, segundo o publicitário, é que o público deveria ter sido avisado de que a fábula era uma ficção. "Se eu soubesse na época que o avô dele não tinha feito ele mesmo sorvetes na Itália, eu teria escrito de outra forma", disse Meneghini. A mentira gerou uma quebra de confiança dele e dos demais sócios com Scabin, e a imagem da Diletto, que "era cristalina, sofreu uma rachadura".
Negociação foi por água abaixo. Na época, havia uma negociação praticamente concluída de compra da Diletto por uma gigante multinacional no Brasil, que também produzia sorvetes e picolés. Depois disso, a multinacional retirou a oferta, diz um ex-funcionário próximo à direção da empresa, que trabalhou na Diletto até 2020.
Ingredientes eram italianos. Meneghini ressaltou, porém, que nunca houve informações falsas a respeito do produto em si, seus ingredientes e insumos.
Esse era um problema para a empresa. Os custos da Diletto eram altos porque, segundo as fontes, a qualidade dos sorvetes de fato era muito alta. As matérias-primas eram importadas da Itália, não eram usados ingredientes artificiais, e os sorvetes continham muitas frutas, dizem as pessoas ouvidas pelo UOL.
Marca perdeu força
Consumo caiu depois da investigação. Segundo um ex-funcionário da Diletto ouvido pelo UOL, foi a partir daí que a marca começou a perder força. Um antigo gerente de quiosques da Diletto comentou que os consumidores perderam confiança na marca e a procura passou a cair, culminando no fechamento dos pontos de venda próprios. Segundo ele, não há mais quiosques da empresa.
Sumiu das prateleiras. A venda em supermercados, o carro-chefe da marca, continuou por mais alguns anos, assim como a participação da Diletto em eventos. Atualmente, porém, o consumidor não encontra mais os produtos da marca nas prateleiras, pelo menos em supermercados de rede nacional.
Também não responde a clientes. A última postagem da Diletto nas redes sociais da marca foi em março de 2022. O UOL tentou contato com a empresa pelo SAC, mas o email foi desativado.
Fez dívidas para crescer, mas não conseguiu. Outro problema foi que a Diletto tinha construído uma fábrica com capacidade gigantesca prevendo um crescimento que nunca aconteceu, tinha adquirido milhares de freezers para abastecer os pontos de venda, e tudo isso alavancado por empréstimos.
Câmbio prejudicou. Entre outros fatores que contribuíram para o desaparecimento da Diletto, segundo Meneghini, estão o aumento do custo para produção dos sorvetes. Boa parte dos insumos vinha da Europa, em especial da Itália, e a cotação do Euro, que era de cerca de R$ 3 nos primeiros anos da Diletto, passou para quase R$ 6 nos últimos três anos.
Matéria-prima ficou mais cara. Houve ainda aumento dos impostos sobre sorvetes e o fato de que o produto da Diletto derrete mais facilmente que o dos concorrentes, aponta Meneghini. De acordo com o ex-sócio, isso foi um problema quando a empresa decidiu começar a enviar seus produtos para o Nordeste.
De 2017 a 2020, houve uma tentativa de reestruturar a empresa. Mas não houve sucesso, e, quando a pandemia estourou em 2020, as vendas caíram em quase 90% em março.
Empresa tem processos em andamento. Processos no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) mostram que a saúde financeira da empresa está comprometida. Há ações de cobranças de dívidas por parte de instituições bancárias, cobranças relativas ao ICMS por parte do governo do estado de São Paulo, e até mesmo despejo por falta de pagamento. O UOL entrou em contato com o advogado Paulo Sergio Uchôa Fagundes Ferraz de Camargo, que representa a empresa nesses processos, mas ele afirmou que não poderia se pronunciar.
Sócios originais deixaram a empresa
Os três sócios da Diletto deixaram a empresa em 2017. Idealizador da marca, Leandro Scabin foi o primeiro a sair. Ele se mudou para Miami e hoje atua como Country Business Manager do clube de futebol português Sport Lisboa e Benfica, segundo seu perfil no LinkedIn. Scabin foi procurado pelo UOL e disse apenas que vendeu a empresa há muitos anos.
Fábio Meneghini contou ao UOL que ainda firmou parcerias importantes para a Diletto após a saída de Scabin. Depois que ele e seus sócios deixaram a empresa, a Diletto foi vendida duas vezes. Atualmente, Meneghini possui uma consultoria de branding.
Fabio Pinheiro hoje atua como membro de conselhos de diversas empresas. O UOL entrou em contato, mas ele não respondeu.
O atual CEO da Diletto é Marcos Cattan. A informação é do LinkedIn. Cattan é ex-vice-presidente financeiro do grupo Carta Fabril, indústria de papéis. O UOL tentou contato com o executivo, que não respondeu.
Marcel Molon consta como atual administrador. A informação foi obtida com base em pesquisas no Tribunal de Justiça de São Paulo. No LinkedIn, Molon diz que deixou a Diletto em 2020. UOL entrou em contato com ele e não obteve resposta.
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