'Mais uma roubalheira do trio?', reagiu investidor a fusão Americanas-B2W
"Mais uma roubalheira do trio?". Segundo o ex-presidente das Americanas Miguel Gutierrez, essa foi a resposta do investidor que "reagiu menos" à operação de "combinação" das operações das Americanas com a B2W, antigo braço da varejista para comércio eletrônico.
"O trio" é Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, os acionistas de referência das Americanas. A operação não tem nada a ver com a fraude contábil, tornada pública este ano, mas também foi um incinerador de valor da companhia.
A fusão entre as empresas foi anunciada ao mercado em fevereiro de 2021 e concretizada em junho do mesmo ano. Foi essa combinação que acabou com as ações LAME3 e LAME4, que se referiam à Lojas Americanas, e BTOW3, da B2W, na bolsa, e criou a ação AMER3. Entre o anúncio da operação e o fim do ano, o valor da empresa derreteu no mercado.
Gutierrez contou detalhes da operação em depoimento sigiloso de três horas à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), ao qual o UOL teve acesso com exclusividade. O depoimento aconteceu em 16 de março.
A combinação se deu por meio da compra das ações das Americanas pela B2W, e cada ação da B2W valia 0,18 a ação das Americanas - ou seja, as ações da empresa de comércio eletrônico valiam quase 20% das ações da varejista.
Gutierrez explicou no depoimento que as Americanas eram controladas pelas ações ON ? ações que dão direito a voto em empresas de capital aberto, em oposição às ações PN, que têm preferência na distribuição de lucros e dividendos.
Os controladores das Americanas tinham 64% das ações ON. "Nesse primeiro momento, Americanas tinham 61% da B2W e a B2W comprou as operações de loja física, e para isso deu a ação a 0,18. Então, o controle da companhia estaria dentro das Lojas Americanas", explicou Gutierrez.
"É complexo mesmo", reconheceu o executivo, e por isso a "reação tão ruim" do mercado.
Depois da fusão, a divisão de comércio eletrônico passou a responder por 76% das operações da companhia.
VALOR DE MERCADO
A combinação das operações das duas empresas em uma veio numa esteira de decisões em busca de aumentar o valor de mercado das Americanas, segundo Gutierrez.
Começou em 2018, quando a varejista passou por uma reestruturação para se tornar algo parecido com uma holding que tratava suas unidades de negócio como se fossem empresas separadas.
As Americanas chamaram esse modelo de "Universo", composto por três horizontes, um para operações físicas; um, para digitais; e outro, para inovação e novos negócios. Cada horizonte tinha o próprio diretor, que era chamado internamente de CEO, e seu próprio diretor financeiro.
"Quando chegamos em 2019, tínhamos um problema: a ação não evoluía como gostaríamos. A gente achava que a companhia valia muito mais do que o mercado estava dizendo que valia", revelou Gutierrez à CVM. Até que, em dezembro de 2019, Gutierrez foi comunicado por Beto Sicupira, então presidente do conselho de administração, que seria substituído. E que teria de organizar sua sucessão para dali três anos, antes que completasse 60 anos, porque a empresa queria uma "visão jovem" - Sicupira tinha 71 anos na época e já se preparava para deixar a presidência do conselho.
Inicialmente, contou Gutierrez em depoimento à PF (Polícia Federal) em junho deste ano, o favorito à sua vaga era Timótheo Barros, diretor de operações físicas. Mas o favoritismo não se confirmou, já que Sergio Rial, ex-CEO do banco Santander, acabou ficando com a vaga.
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"Mas aí, qual foi o problema? O mercado não reagiu bem. Reagiu num primeiro momento, mas começou a história de 'desconto de holding' [diferença entre o valor de mercado da holding e a soma dos valores de mercado das empresas controladas]", contou o executivo.
Com 2020, veio a pandemia do coronavírus. E também o aumento exponencial das vendas pela internet: o setor de comércio eletrônico cresceu 75% no Brasil naquele ano, segundo pesquisa da operadora de cartões MasterCard. A B2W surfou a tendência e viu suas vendas crescerem quase 40% e atingirem R$ 9,2 bilhões no ano.
Mas o sucesso não se refletiu no mercado de capitais, conforme o relato de Gutierrez. Segundo ele, o "desconto de holding" jogou a empresa "numa armadilha".
Ele descreveu com uma equação. O desconto de holding entre Americanas e B2W funcionava da seguinte forma: as Americanas valiam R$ 45 bilhões no início da pandemia, e tinha 61% da B2W, que valia R$ 65 bilhões. Essa era a forma de calcular o valor da varejista dentro da empresa de comércio eletrônico.
Portanto, a conta era: se a B2W valia R$ 65 bilhões, as Americanas correspondiam a cerca de R$ 39 bilhões (61%) da empresa. No final, as lojas físicas estavam valendo R$ 7 bilhões dentro da companhia de e-commerce, nas contas de Gutierrez.
"Aí você pegava o múltiplo do Ebitda [indicador da lucratividade da atividade principal da empresa, antes dos gastos com impostos e amortizações], e dá três vezes. Um absurdo", resumiu Gutierrez.
O norte, segundo ele, era a Magazine Luiza, principal concorrente: "Magalu valia R$ 170 bilhões. Como que uma empresa [Americanas] com essa holding, com Universo, com tudo, muito maior, vale R$ 50 bilhões?" O maior valor de mercado que as Americanas já atingiram foi R$ 70 bilhões, segundo o executivo.
Foi nessa época que os diretores das Americanas começaram a falar com Sicupira sobre a necessidade de juntar as operações da varejista com as da B2W numa única empresa.
O que dizem as Americanas:
A Americanas lamentam as informações inverídicas apresentadas pelo senhor Miguel Gutierrez, que tem como único objetivo eximir sua responsabilidade e sua relação direta com a fraude de resultados identificada. Desde a apresentação de provas sólidas e consistentes à Comissão Parlamentar de Inquérito há mais de três meses, que mostram seu envolvimento, Gutierrez não apresentou nenhuma contraprova que invalide as mesmas.
A companhia nega a afirmação de que todas as ações da antiga direção das Americanas eram submetidas para aprovação a qualquer acionista ou membro do Conselho de Administração. Como em qualquer companhia aberta e nos termos da legislação aplicável, decisões operacionais e do dia a dia das Americanas cabiam exclusivamente à diretoria, liderada pelo senhor Miguel por 20 anos. Em relação aos contratos de fornecedores, por exemplo, todas as decisões eram tomadas unicamente pela diretoria.
As Americanas reafirmam que a recuperação judicial em curso está acontecendo com êxito para a preservação da importante atividade econômica que representa e os milhares de empregos diretos e indiretos gerados em todo o país. E reforçam que é a maior interessada no esclarecimento dos fatos pelas autoridades competentes à frente das investigações.
Nota enviada pela atual gestão das Americanas ao UOL, no sábado, 9 de setembro.
O que dizem os acionistas de referência:
A assessoria de Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles reitera que os acionistas de referência estão totalmente engajados na construção de uma solução para pôr fim à recuperação judicial da companhia, de modo a preservar suas dezenas de milhares de empregos e relevante função social.
Ao longo dos últimos 10 anos, os acionistas de referência investiram R$ 2,3 bilhões nas Americanas e receberam em dividendos cerca de R$ 700 milhões, ou seja, perderam R$ 1,6 bilhão. No valor de mercado do ativo, a perda foi de mais de R$ 3 bilhões desde o início da crise. Eles ainda se comprometeram a aportar pelo menos mais R$ 10 bilhões para ajudar na recuperação da companhia.
Os acionistas de referência confiam nas autoridades competentes na investigação e punição dos responsáveis pela fraude que atingiu as Americanas, seus acionistas, empregados e colaboradores.
Nota enviada pela assessoria de Lemann, Telles e Sicupira ao UOL, no sábado, 9 de setembro.
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