'Emprestei conta bancária para uma amiga e fui indiciada por estelionato'

Ceder seus dados do banco para um parente ou uma amiga depositar um dinheiro pode parecer algo inofensivo, mas, fazendo isso, você pode acabar respondendo por crimes como estelionato, apropriação indébita, organização e associação criminosa.

Ao UOL, uma mulher paulistana que diz ter sido vítima do golpe conta que cedeu seus dados bancários a uma amiga de confiança, para que ela fizesse um depósito de R$ 1.600. Como agradecimento, ela daria parte do valor para a dona da conta.

Tempos depois, a vítima recebeu uma notificação e foi indiciada por estelionato.

Como foi o golpe

A mulher, de 29 anos, conta que a amiga era de confiança e dizia estar trabalhando em um telemarketing. A vítima, que preferiu não se identificar, descobriu só depois que a amiga trabalhava com bandidos. Os criminosos faziam ligações oferecendo empréstimos —para receber o dinheiro, porém, as vítimas tinham de depositar uma quantia.

Éramos amigas próximas e, na época, eu ganhava muito pouco. Ela falou que precisava de uma conta para fazer um depósito e perguntou se eu poderia emprestar. Eu perguntei para que seria e ela disse que seria algo tranquilo, que eu não correria nenhum risco e que era confiável. Também falou que me daria um valor por deixar usar a conta. Por sermos próximas, achei que ela jamais faria algo que pudesse me prejudicar. Foi então que concordei e emprestei a conta. Não sabia que ela estava envolvida em crimes.
Vítima do golpe

A mulher emprestou, além dos dados da conta, o cartão e a senha para a amiga. O "empréstimo" ocorreu em 2013.

Anos depois, em 2019, recebeu uma intimação da Polícia Civil. Ela teve de se apresentar na delegacia e prestar esclarecimentos.

A mulher foi indiciada por estelionato, mas firmou um acordo de não persecução penal, e teve de pagar o valor de dois salários mínimos para a Justiça Federal.

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Já havíamos nos distanciado, mas eu ainda tinha o contato dela. Avisei sobre o que aconteceu e a mensagem dela dizia 'pode contar comigo para o que precisar. Vai dar tudo certo'. Quando saiu o resultado da audiência e eu soube que teria de pagar esse valor, a contatei novamente, mas a resposta foi 'não te obriguei a emprestar a conta, você emprestou porque quis'.
Vítima do golpe

O caso só não seria caracterizado como um crime se a vítima não soubesse que a conta estava sendo usada, diz Alexandre Viegas, advogado da vítima.

Para que ela fosse considerada coautora do crime, a mulher teria de saber que os valores eram provenientes de atividades ilícitas, o que não era o caso, segundo o advogado.

Essa forma de atuação é muito comum entre os criminosos, principalmente quando a vítima é jovem, tem pouca experiência e acaba não tendo noção dos riscos.
Alexandre Viegas, advogado

Proteja seus dados

Golpes como esse acontecem desde a época em que as pessoas usavam cheques. Quando alguém recebia um valor, mas estava devendo ao banco, era comum pedir a um parente ou a algum amigo próximo para que compensasse o cheque, de modo que o dinheiro não fosse tomado pela instituição bancária.

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Os dados bancários são sigilosos, de uso exclusivo e pessoal, explica o advogado Bruno Souza, professor de direito penal da Universidade Metodista de São Paulo.

Na maioria dos casos envolvendo crimes cibernéticos, os criminosos utilizam contas de titularidades divergentes. O objetivo é desviar a atenção do real culpado e dificultar a identificação do responsável pelo delito. Por isso, é preciso ter muito cuidado na cessão de informações bancárias a terceiros. Se os dados chegarem a pessoas mal-intencionadas, a responsabilidade criminal poderá recair sobre o titular da conta.
Bruno Souza, advogado e professor

Quem cede os dados bancários corre o risco de responder por crimes mais graves do que o de estelionato, como organização e associação criminosa ou apropriação indébita.

Em casos em que os criminosos realizam roubos (subtração de bens, como valores em conta bancária, mediante o emprego de violência ou grave ameaça), o titular da conta poderá, também, responder como partícipe da conduta, que prevê pena máxima de dez anos de reclusão.
Bruno Souza

Devolva valores desconhecidos

É fundamental utilizar os mecanismos de segurança fornecidos pelos próprios bancos, além de não disponibilizar dados bancários para outras pessoas, sejam elas conhecidas ou não.

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Se a pessoa receber um depósito desconhecido, o ideal é entrar imediatamente em contato com o remetente para devolver o valor. Também é importante comunicar ao banco que a operação não é reconhecida pelo titular da conta.

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