MPs de Haddad: Tributaristas veem inconstitucionalidade e judicialização
As medidas provisórias anunciadas pelo ministro Fernando Haddad ontem (28), com o objetivo de melhorar as contas públicas, não são unanimidade entre os especialistas. Setores afetados já se manifestaram contra e tributaristas também destacam que as medidas podem ser judicializadas por inconstitucionalidade.
Reoneração desagrada setores afetados
O governo anunciou três medidas ontem. São elas: a reoneração gradual da folha de pagamentos, o fim do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), medida criada na pandemia que deu isenção de impostos para o setor de eventos, e um limite de compensação de prejuízos para empresas.
A batalha pela reoneração da folha de pagamento não é nova. No dia 23 de novembro, o presidente Lula (PT) vetou o PL do deputado Efraim Filho (União Brasil-PB), que previa a prorrogação do benefício para 17 diferentes setores da economia. A desoneração, que tem caráter temporário, terminaria em 31 de dezembro deste ano, mas o Congresso derrubou o veto no último dia 14 e a medida foi prorrogada até 2027.
A MP anunciada ontem apresentou a reoneração gradual da folha de pagamento. Na prática, a desoneração substituiu a contribuição previdenciária patronal (CPP), de 20% sobre a folha de salários, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. A ideia é de que não haja a cobrança de 20% de CPP de uma vez. O ministro Fernando Haddad diz que há casos em que a cobrança será menor.
Os setores afetados já se manifestaram. A Fiesp (Federação da Indústria do Estado de São Paulo) diz que a medida é um erro. "Baixar uma MP reformando decisão promulgada pelo Congresso, e sem o prévio diálogo prometido pelo Ministério da Fazenda com os setores produtivos, é um equívoco. Este caminho para buscar o equilíbrio das contas públicas é absolutamente inapropriado tanto pela forma quanto pelo desrespeito à autonomia legislativa", disse a federação em nota.
A Feninfra (Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática) diz que a MP fechará 330 mil empregos em dois anos. "Decisão absolutamente equivocada e prejudicial, principalmente para mulheres e jovens em primeiro emprego", classificou Vivien Mello Suruagy, presidente da entidade.
O setor têxtil e de confecção também se diz contrário à medida. A Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil) diz que o setor foi "completamente excluído do escopo da MP, que, na prática, atropelou decisão soberana do Congresso Nacional". "Perante este inegável retrocesso, a Abit lamenta a decisão e alerta para seus severos impactos sobre a produção e consequentemente sobre empregabilidade do setor", declarou a associação em nota.
Possível inconstitucionalidade na regra para compensação
Outra medida que causou incômodo foi a mudança na regra para compensação de empresas. Agora, elas vão ter novas regras para compensar seus prejuízos na hora de abater imposto de renda de um ano para o outro. O governo limitou a 30% o valor que uma empresa pode compensar seus prejuízos.
A compensação é usada por empresas que pagaram impostos errados no passado. A compensação (que é reconhecida pela justiça) acontece quando uma empresa deixa de pagar impostos nos anos seguintes para compensar o pagamento indevido de impostos ou mesmo sobre prejuízos anteriormente.
A medida proposta por Haddad vale para compensações acima de R$ 10 milhões. Segundo o ministro, a medida não irá aumentar a arrecadação, mas sim impedir que o orçamento do ano seguinte seja prejudicado por essas compensações de impostos.
Fernando Zilveti, advogado tributarista da Zilveti Advogados, diz que a medida é inconstitucional e fere o direito do contribuinte. "Limitar a compensação cheira mal, já rendeu derrotas judiciais ao Fisco. Os tribunais superiores já se manifestaram para afastar a restrição ao direito de compensar créditos obtidos judicialmente, mediante decisão transitada em julgado", explica o especialista.
De nada adianta demonstrar avanço na reforma tributária, se o Brasil não respeitar a coisa julgada e o direito líquido e certo do contribuinte. Vai sinalizar ao mercado como uma republiqueta. Voltaremos à década de oitenta.
Fernando Zilveti, advogado tributarista da Zilveti Advogados
Maria Andréia dos Santos, sócia do Machado Associados, afirma que a medida não faz sentido, nem do ponto de vista tributário, nem do ponto de vista constitucional. "As compensações decorrem de pagamentos feitos a maior que eles contribuíram. Então, os contribuintes do passado recolheram imposto a mais, recolheram contribuições a mais. Procuraram o Judiciário, e depois de uma discussão muito longa, de quase 20 anos, o Judiciário definiu a questão (...) Quando o governo agora busca estabelecer essa limitação para essa compensação, o que ele está fazendo é restringindo o direito que foi assegurado pelo Poder Judiciário".
A advogada diz que com a nova regra, o que estão querendo fazer com as compensações é muito semelhante ao que se fez com os precatórios. "Eu diria a você com muita tranquilidade que, apesar de ter toda uma questão aí de teto de gastos envolvendo os precatórios, o que o governo está querendo fazer com as compensações é muito semelhante ao que se fez com os precatórios. É literalmente estabelecer um calote para o contribuinte que já pagou um imposto maior há muito tempo".
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Quero receberO advogado Leonardo Battilana, sócio da área tributária do Veirano Advogados, também acredita que a medida vai jogar o contribuinte para os precatórios. Os precatórios trazem mais previsibilidade para o Orçamento do governo, avalia o especialista. No entanto, a medida deve gerar contencioso a partir do início do ano.
O que eu estou vendo, é que todo mundo está buscando alternativas de como afastar a MP, principalmente essa parte da compensação. Vai ser editado um ato da Receita que vai trazer mais detalhes e que pode restringir [a compensação] ainda mais. É uma medida preocupante, acho que vai impactar o caixa das empresas que já estavam prevendo o que iam pagar de tributos no que vem. Como elas ficam nessa situação? Agora vem a lei que muda toda regra, e ela vai ter que desembolsar um dinheiro que não estava prevendo. Isso vai bater na porta do judiciário. [A medida] tem vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade.
Leonardo Battilana, sócio da área tributária do Veirano Advogados
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