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Governo federal quer autorização do Congresso para rombo fiscal de R$ 96,65 bi em 2016

Marcela Ayres

24/03/2016 08h59

BRASÍLIA (Reuters) - O governo federal vai pedir ao Congresso Nacional autorização para fechar o ano com um déficit primário de quase 100 bilhões de reais, em meio à intensa frustração de receitas com a recessão econômica, em uma medida que deve elevar ainda mais a dívida pública brasileira.

O novo alvo anunciado pelo Ministério da Fazenda nesta quarta-feira será enviado ao Congresso até o início da próxima semana. Ele consiste, a princípio, em um superávit primário de 2,8 bilhões de reais para o governo central --Tesouro, Previdência e Banco Central--, ante meta na lei orçamentária de um saldo positivo de 24 bilhões de reais.

Mas o texto admite deduções expressivas que, na prática, podem gerar um déficit primário do governo central de até 96,65 bilhões de reais, equivalente a 1,55 por cento do Produto Interno Bruto.

"Ninguém está confortável com um déficit desses. Agora esse é um déficit que reflete uma economia que deve enfrentar o segundo ano de retração", afirmou o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, a jornalistas.

O governo busca tornar passíveis de desconto no cálculo da meta 40,3 bilhões de reais com frustração de receitas administradas, além de outros 41,7 bilhões de reais com frustração de receitas não administradas (dividendos, concessões e operações com ativos).

Diante de pressões políticas para o governo injetar recursos na economia, entram no grupo de abatimentos outros 9 bilhões de reais com restos a pagar de investimentos prioritários, 3,5 bilhões de reais com gastos com defesa, 3 bilhões de reais com despesas com saúde e 1,95 bilhão de reais com regularização do Fundo de Apoio à Exportação.

Apesar da crise política e de uma Câmara dos Deputados praticamente paralisada com o andamento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, a proposta da Fazenda ainda prevê a aprovação da recriação da CPMF este ano. Ou seja, caso o Congresso não aprove a volta do chamado imposto sobre o cheque, o déficit pode ser ainda maior.

A meta de superávit primário dos Estados e municípios segue inalterada em 6,6 bilhões de reais. Mas o projeto também vai propor que possa ser reduzida em até 6 bilhões de reais por efeito do alongamento da dívida dos Estados.

Segundo Barbosa, esse impacto considera que todos os Estados optem pela adesão a todos os mecanismos previstos na lei, o que ele não considera que irá ocorrer.

De qualquer forma, o projeto abre as portas para o setor público consolidado --governo central, Estados, municípios e empresas estatais-- registrar um déficit de 96,05 bilhões de reais. Se confirmado, este será o terceiro rombo consecutivo nas contas públicas, ressaltando as dificuldades que o governo vem tendo para gastar apenas o que arrecada.

Sem superávit primário, que é a economia para o pagamento dos juros da dívida pública, a dívida bruta deve continuar aumentando em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). O nível de endividamento do setor público é um dos principais indicadores de solvência do país, e o aumento da dívida levou as agências de classificação de risco a retirarem o selo de bom pagador do país.

Atualmente, essa relação dívida/PIB está em 67 por cento, conforme dados mais recentes do BC, mas alguns economistas já veem a dívida bruta caminhando para perto de 80 por cento do PIB nos próximos três anos. 

Questionado sobre o tema, Barbosa se limitou a dizer que as previsões para o endividamento público estarão presentes no texto enviado ao Legislativo.

Em diversos momentos, Barbosa repetiu que governo tem que para ajudar na recuperação da economia e para preservar o emprego.

Histórico

O anúncio da nova meta foi feito um dia após os Ministérios da Fazenda e do Planejamento anunciaram o contingenciamento adicional de 21,2 bilhões de reais no orçamento da União para adequação à lei orçamentária que segue em vigor. Segundo Barbosa, com a mudança da meta fiscal, o governo poderá reverter esse contingenciamento. 

A nova meta fiscal proposta pelo governo também mostra uma deterioração das expectativas do governo. Em fevereiro, o Executivo elaborou uma proposta abrindo espaço para que o governo central pudesse ter um déficit de até 60,2 bilhões de reais, ou 0,97 por cento do PIB, neste ano, principalmente por frustração de receitas. À época, não falou sobre o alvo de economia para Estados e municípios. 

Em outra frente de flexibilização fiscal, o governo anunciou na segunda-feira proposta de criação de um regime especial que, na prática, permitirá que não tenha que obedecer à meta fiscal num ambiente de atividade fraca. 

Com o chamado Regime Especial de Contigenciamento (REC), que ainda precisa de aval do Congresso, ganhará carta branca para preservar de cortes orçamentários as despesas discricionárias consideradas essenciais quando a economia estiver crescendo menos que 1 por cento ao ano.

De acordo com Barbosa, entretanto, o governo não trabalha com a utilização do REC este ano. "Nós achamos que essa adequação proposta na meta de 2016 já é o suficiente para administrar os desafios e as dificuldades deste ano", afirmou.

(Com reportagem de Cesar Raizer)