Opinião

Alexandre Moraes, Elon Musk e a regulação de mídias sociais

O confronto entre Alexandre de Moraes e Elon Musk, embora carregado de nuances políticas, ocorre em um cenário onde ainda não existe legislação específica para plataformas digitais. O problema é anunciado desde 2016 e se agrava no silêncio do Legislativo.

No centro do debate, temos três mecanismos essenciais à manutenção jurídica e econômica das mídias sociais: a moderação de conteúdo, a suspensão de contas e o compartilhamento de dados dos usuários. Atualmente, essas decisões muitas vezes se baseiam em legislações esparsas e políticas internas das empresas de tecnologia, que podem variar amplamente e não necessariamente alinham-se com os direitos e expectativas dos usuários, ou mesmo com o interesse público.

Essa discussão amadurece desde a década de 90, sem lei que pensasse as redes sociais como serviços com impactos importantes no exercício da democracia. Empresas criaram políticas que se aplicam a todos os usuários, mecanismos de prestação de contas independentes, como o Oversight Board, da Meta, e relatórios periódicos de transparência.

O que temos hoje, que é um regime privado, é muito pouco para solucionar os problemas que as redes sociais impõem à sociedade, variando desde conteúdo ilegal como ameaças e incitação à violência, até movimentos contrários à vacinação ou à democracia.

Nos últimos anos, as críticas sobre a adequação dessas regras ao interesse público aumentaram. Elas dizem respeito ao acesso à informação e a liberdade de expressão, que só podem ser solucionados com amparo legal exaustivo, que estabeleça hipóteses de derrubadas de contas, de conteúdos e entregas de informações, dando também aos usuários garantias e proteções.

A sociedade questiona legitimamente se as mídias sociais deveriam ter o poder de interferir na capacidade de participar da vida pública, sobretudo de grandes atores políticos. Essa ausência de hoje se dá principalmente por uma inércia do Legislativo que vem pelo menos desde 2016, quando os escândalos da Cambridge Analytica suscitaram o debate mundialmente.

Desde 2020, há um projeto em debate no congresso, mas a atenção dos parlamentares só vem em momentos de crise: eleições conturbadas, ataques aos três poderes e massacres em escolas. A regulação pressionava em solavancos, movida por escândalos, e depois represada pelas vontades da presidência da câmara.

Nesse cenário, a sociedade civil brasileira tem pressionado principalmente por transparência, prestação de contas, e regras claras e balanceadas de moderação de conteúdo que ofereçam garantias procedimentais e de revisão, respeitando a liberdade de expressão e os direitos coletivos. Ao invés de se trazer uma regulação técnica, com um projeto de internet para o desenvolvimento da sociedade, optamos por uma regulação pautada por picos de pânico.

Musk e Moraes se movimentam nesse tabuleiro. A falta de leis no setor abre brechas para iniciativas autoritárias, como a medida provisória de Bolsonaro que restringia a moderação de conteúdo. Se na superfície a MP era para proteger a liberdade de expressão, na realidade dava à Secretaria de Cultura o poder irrestrito de derrubar conteúdo sem revisão judicial sob o pretexto de proteção à propriedade intelectual - que, aliás, tem sido o principal direito no mundo desvirtuado para praticar a censura.

Continua após a publicidade

Sem lei específica, Musk promoveu o maior retrocesso do setor em décadas: tornou uma rede social de centenas de milhões de pessoas seu espaço de moderação privada, desconstruindo a frágil institucionalização da moderação de conteúdo em um espaço que serve ao debate público, que permite o acesso à informação e onde milhões de pessoas exercem liberdades fundamentais. O empresário censurou críticos como diversos jornalistas que o acompanhavam, bloqueou concorrentes, como o Mastodon, e pessoas que cometeram crimes. Agora, em última análise, descumpre ordem da justiça brasileira, que tem legitimidade para aplicar leis. A opinião é livre, mas o respeito à democracia - e os seus instrumentos do Estado brasileiro - não são opcionais.

Moraes por outro lado, tem trabalhado com respostas rápidas e monocráticas que deixam margens a questionamentos: dosimetria de sentenças, prazo de suspensões, inquéritos intermináveis. Vale lembrar que essas não são apenas decisões de Moraes, mas referendadas por todo o Supremo Tribunal Federal. A Corte está agindo em respostas aos inúmeros e cada vez mais graves conflitos que se apresentam.

Como país, mais uma vez, nós saímos perdendo. Pois a regulação da internet não se faz a partir de um projeto de país proposto por pessoas eleitas no Legislativo, mas de uma coletânea de respostas às crises promovidas pelo judiciário. Somos reativos, ao invés de propositivos sobre o futuro.

Por fim, diante da perspectiva de bloqueio do Twitter, é crucial diferenciar entre o cenário atual e os bloqueios do WhatsApp que ocorreram no passado. No incidente do WhatsApp, a suspensão se baseou em uma demanda considerada tecnicamente inviável, levando posteriormente à revogação da ordem de bloqueio.

Atualmente, o Twitter pode cumprir com uma ordem judicial e uma investigação e decide desobedecer e obstruir, o que é crime. Se todas as demandas foram amparadas pelo direito, nós vamos averiguar na medida que esses documentos do Twitter sejam apurados.

A solução para essa tensão política não é trivial e a regulação de plataformas não é bala de prata para as profundas disputas que vivemos no país. Mas, eles balizam movimentos que hoje são usados para cercear liberdades para fins políticos, como a moderação da liberdade de expressão deixada à vontade de um empresário ou juiz.

Continua após a publicidade

Esse marco deveria equilibrar a proteção à liberdade de expressão com a imposição de regras claras e justas para todos os envolvidos, incluindo as próprias plataformas, usuários e o governo. Um regime legal bem estruturado pode oferecer as salvaguardas necessárias para garantir que a liberdade de expressão seja protegida, ao mesmo tempo em que se proporciona um mecanismo eficaz para lidar com conteúdos prejudiciais, a gestão de dados pessoais e a responsabilidade das plataformas em cumprir as leis nacionais.

*Caio Machado atua como diretor-executivo do Instituto Vero e como research fellow na Harvard School of Engineering and Applied Sciences (SEAS). Doutorando em direito na Universidade de Oxford e na Universidade de São Paulo (USP). Possui mestrado em ciências sociais, também por Oxford, e um mestrado em direito digital pela Sorbonne. Formado em Direito pela USP, especializou-se na regulação das tecnologias da Internet, com foco na ética da inteligência artificial (IA), desinformação e na influência das plataformas digitais na sociedade.

**Felipe Neto é comunicador digital e cofundador do Instituto Vero.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Deixe seu comentário

Só para assinantes