Governo só deve regular relações privadas quando houver falhas no mercado
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No final do mês de junho, o governo federal editou o Decreto nº 10.411/2020, regulamentando a forma de realização de Análise de Impacto Regulatório (AIR), obrigação definida na lei das Agências Reguladoras (Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019). Apesar da pouca atenção dada pela imprensa, este movimento pode auxiliar a dar mais racionalidade ao ambiente regulatório no país.
Para entender a relevância deste Decreto, devemos ter em mente que a regulação de mercado implica a intervenção no domínio econômico, alterando incentivos de empresas e consumidores. Se mal elaborada, a regulação pode muitas vezes criar distorções no mercado e perda da capacidade da economia de gerar renda e emprego. Sendo assim, a regulação deve ser a exceção, e não a regra, e ser utilizada com parcimônia apenas como instrumento de correção de falhas de mercado.
Ao contrário do que alguns pensam, o processo regulatório muitas vezes envolve custos não desprezíveis para o Estado e para o setor privado. Assim, há que se ter clareza de quais sãos os objetivos específicos a serem perseguidos e as características que conformam uma boa governança regulatória, para não criarmos falhas de Estado que sejam superiores às falhas de mercado que se pretenda corrigir. Sem que se tenha isso em mente, estaremos sempre suscetíveis a decisões regulatórias que podem apenas atender ao interesse de determinados grupos específicos, mas não ao interesse público. Já tive oportunidade de escrever de maneira mais detalhada sobre este tema e não pretendo me estender aqui (ver: A Relevância das Agências Reguladoras e a Criação de um Modelo Regulatório Eficiente).
É exatamente neste contexto que se encaixa a bem-vinda regulamentação da Análise de Impacto Regulatório, cujas diretrizes acompanham a melhor prática internacional e já estavam compiladas em um Guia detalhado elaborado na Casa Civil em 2018. A vantagem é que agora, com a edição do Decreto que regulamentou a Lei das Agências, este instrumento ganha força, tornando obrigatório seu uso para toda a Administração Pública Federal.
Em sua essência, a AIR nada mais é do que uma ferramenta que fornece subsídios para identificar os potenciais efeitos de decisões normativas com impacto relevante, além de exigir acompanhamento posterior. Na sua elaboração devem ser identificados com clareza o problema que se retende solucionar, os agentes econômicos afetados com a mudança normativa e os objetivos a serem alcançados. Também devem descritas as alternativas disponíveis, os custos regulatórios envolvidos, dentre outras coisas.
Sob o ponto de vista técnico, também em linha com o que há de melhor na experiência internacional, são sugeridas a utilização de metodologias que permitem comparar custo-benefício de cada alternativa (análise custo-benefício), avaliar alternativas de menor custo, dado o objetivo a ser perseguido (análise de custo-efetividade), análise de risco e até mesmo a combinação de todas elas.
Com uma visão correta de que os mercados são dinâmicos, a nova regulamentação da AIR também incorpora duas obrigações fundamentais. A primeira é o acompanhamento de resultado regulatório (ARR), que envolve a verificação dos efeitos decorrentes de novas regras normativas criadas. A segunda é a exigência de se empreender a atualização do estoque regulatório (AER), que nada mais é do que o exame periódico das normas vigentes, e tem o objetivo de verificar a necessidade de sua manutenção, alterações ou mesmo revogações.
Apesar de não ser uma panaceia e exigir um tempo de adaptação e de aprendizado, a regulamentação da Análise de Impacto Regulatório foi um grande passo para dar mais racionalidade ao processo de elaboração de normas por parte de nossas agências. Este processo será fundamental para dar mais transparência às decisões e restringir o grau de discricionariedade do agente público, limitando a possibilidade de serem cooptados por entes privados ou mesmo pelo universo político. Ao longo do tempo, se bem aplicada, essa ferramenta poderá reduzir custos regulatórios e criar incentivos positivos para investimentos em setores chaves na nossa economia.
Mas para que isso ocorra, teremos que ter o engajamento não só do setor público, mas também do setor privado, que ainda precisa entender melhor qual a finalidade da elaboração do AIR e, principalmente, passar a cobrar com mais coerência o uso desse instrumento por parte do setor público. Se isso for feito, toda a sociedade terá muito a ganhar ao longo do tempo.
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