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Como a Teoria dos Leilões pode ajudar o Estado a obter melhores resultados

Em coautoria com Klenio Barbosa, SKEMA Business School

30/10/2020 04h00

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Neste mês foram divulgados os vencedores do Prêmio Nobel em Ciências Econômicas de 2020. Com todo o merecimento, os agraciados deste ano foram Paul R. Milgrom e Robert B. Wilson, ambos da Universidade de Stanford (EUA), por contribuírem com o desenvolvimento da "Teoria dos Leilões" e por criarem novos e mais eficientes modelos desse mecanismo tão importante para a sociedade. Os dois economistas foram a fundo em um tema nada trivial e procuraram entender o comportamento dos participantes de leilões para formatar modelos de acordo com objetivos pré-definidos.

Um leilão nada mais é do que uma forma de negociação econômica, cujas regras são previamente definidas. Sob o ponto de vista de que leiloa algo, um leilão pode ser de venda ou de compra. No caso específico do governo, os leilões de venda podem ser entendidos como a negociação de um determinado direito ao setor privado e visam obter a maior receita possível. São exemplos os títulos da dívida pública, as licenças para emissões de CO2 e as concessões dos serviços de telefonia ou de aeroportos.

Já no caso dos leilões de compra, o objetivo do Estado é pagar o menor valor pelo bem negociado. E isso pode envolver o preço dos bens e serviços adquiridos em processos de compras governamentais (como materiais escolares, medicamentos, obras de estatais, etc.) ou mesmo o valor do pedágio a ser praticado em uma dada rodovia concedida à iniciativa privada (neste último caso o beneficiário direto é o usuário da rodovia).

Em última instância, leilões são muito úteis quando o "ofertante" não conhece todos os potenciais concorrentes e suas respectivas disposições a dar lances pelo objeto leiloado. Isto porque leilões podem reduzir os custos de transação com a negociação e, a depender do modelo utilizado, permitir extrair o máximo de retorno possível neste processo. Por essa razão, se o Estado for eficiente na definição do modelo de leilão adotado, poderá arrecadar mais em algumas situações e reduzir gastos em outras. Ou seja, de uma maneira ou de outra, a sociedade ganha neste processo. A grande questão é definir com clareza o que será leiloado e o objetivo do leilão para, assim, escolher o modelo adequado.

Por exemplo, se a meta for o de evitar a formação de cartel, o ideal é que o modelo seja constituído de maneira a impedir que os participantes tenham acesso aos lances dos concorrentes e, se possível, que saibam, inclusive, que são seus oponentes. A ideia é não permitir que um eventual acordo entre concorrentes possa ter seu cumprimento posteriormente monitorado, o que cria a priori uma instabilidade entre o grupo que desejar se cartelizar. Neste sentido, licitações em que os participantes ofertem seus respectivos lances de maneira fechada (por envelopes fechados, por exemplo) e sem prévio conhecimento dos demais concorrentes são preferíveis a modelos cujos lances são abertos e ascendentes (como aqueles observados no mercado de arte, por exemplo).

Em outras situações, quando não se tem uma ideia clara do valor do objeto a ser leiloado (como por exemplo, o valor de uma área petrolífera), é possível que o vencedor sobrestime o real valor do bem adquirido e acabe incorrendo no que se denomina "maldição do vencedor". Ou seja, vença o certame, mas incorra em prejuízo não obtendo, por exemplo, uma rentabilidade mínima na exploração de uma área petrolífera que cubra seus custos (inclusive o de oportunidade da alocação do dinheiro). Sendo isso verdade, a tendência é que os concorrentes experientes passem a oferecer lances de maneira conservativa, com um valor menor do que o real valor do objeto em questão para minimizar as chances de sofrer as perdas oriundas de tal "maldição". Neste caso, a prescrição é que o Estado procure estabelecer um leilão com o máximo de informações possíveis a todos os concorrentes e corrija eventuais assimetrias informacionais entre eles. Assim, um leilão com lances públicos e abertos facilitará a que todos os participantes corrijam suas expectativas sobre o real valor do que está sendo leiloado.

Em casos de leilões de compras governamentais, nos quais a assimetria entre concorrentes é muito elevada (por exemplo, quando um concorrente apresenta custos bem mais baixa do que a dos demais), estabelecer uma margem de preferência em favor dos menos eficientes pode ser uma maneira de fazer com que o concorrente mais eficiente apresente lances com menores preços para o Estado. Este resultado, aparentemente contraintuitivo, apenas indica que naquelas situações em que a empresa mais eficiente tem real conhecimento de sua vantagem, ela perceberá isso como um incentivo a não reduzir seus lances para níveis próximos ao seu custo. Nesses casos, definir uma margem de preferência que garanta ao menos eficiente vencer o certame, pode equilibrar a concorrência no leilão e fazer com que os preços pagos pelo Estado se reduzam. Note-se que este modelo não deve ser confundido com adoção de uma política de proteção à indústria nacional, mas sim como um mecanismo de elevar a concorrência.

Já a prescrição para que o Estado arrecade mais (por exemplo, em um modelo de outorga) dependerá de uma série de circunstâncias específicas. Por exemplo, se assumirmos que os participantes são avessos ao risco (no caso, que o medo de não vencer o leilão fale mais alto), modelos denominados de envelope fechado de primeiro preço o ou o Oral Holandês acabam gerando melhores resultados do que os de envelope fechado de segundo preço e o Oral Inglês ascendente. A lógica neste caso é que os dois primeiros modelos não permitem, respectivamente, "uma segunda chance" na escolha do lance ou do momento de fazer a oferta. Já o oral inglês permite refazer o lance inicial e o de segundo preço garante que o concorrente, mesmo dando o lance igual àquele que estaria disposto a pagar, se vencer, desembolse apenas o segundo lance mais elevado.

Finalmente, há que se destacar uma das maiores evoluções recentes na modelagem de leilões, o de múltiplas rodadas simultâneas, apresentado pela primeira vez por Milgrom e Wilson na venda de frequências de espectro de telefonia em 1994 nos EUA. O ponto de partida deste modelo tomou por base o fato de que o valor atribuído a cada frequência dependia não só dela próprio, mas da combinação que poderia ser feita com outras. Assim, todas as frequências passaram a ser leiloadas ao mesmo tempo em cada rodada, sendo que os potenciais compradores poderiam oferecer lances para todas que quisessem. Após cada rodada, o resultado era divulgado, com os valores dos lances mais elevados. Visando ainda estimular que todos os interessados sempre estivessem participando do certame, estabeleceu-se que cada concorrente não poderia pular uma rodada da frequência interessada, o que fez com que os valores subissem ainda mais. Sem nos estendermos sobre maiores detalhes, o fato é que o resultado final foi um recorde de arrecadação da ordem de U$ 8 bilhões de dólares já naquela época.

Apesar deste não ser um assunto trivial, a utilização de novos e melhores modelos de leilões tem gerado excelente frutos para os governos de vários países. No caso brasileiro, ainda temos muito a aprender e colocar em prática, principalmente porque nosso governo pretende realizar vários leilões nos próximos anos em setores chaves da nossa economia.