Felipe Salto

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Opinião

Dino acerta ao suspender 'emendas Pix'

A Constituição federal prevê a possibilidade de emendas parlamentares ao Orçamento. Não prevê, contudo, que tais despesas passem ao largo da fiscalização e do controle. As chamadas "emendas Pix" são uma aberração justamente por este motivo: o dinheiro voa de Brasília para cada município sem qualquer controle.

Não há programa, projeto, edital, promessa de obra, que seja. Só há o compromisso de envio do recurso. A Lei de Diretrizes Orçamentárias, que é anual e prepara os orçamentos, chegou a introduzir dispositivos obrigando à fiscalização e ao controle. É pouco.

O ministro do STF Flávio Dino foi ao ponto: "Se é o parlamentar que impõe em que o dinheiro será gasto, exige-se, caso mantido o instituto na Constituição, inovações simétricas nos sistemas de controle, a fim de que a Constituição seja cumprida. Se assim não ocorrer, teremos um perigoso e inconstitucional jogo de empurra, em que, ao certo, ninguém se identifica como responsável pela aplicação de parcela relevante do dinheiro público".

Ele está corretíssimo. Não há cabimento na ideia de que nacos bilionários do Orçamento possam ser manejados de forma obscura, sem uma finalidade previamente definida e livres de controle e fiscalização.

Em 2023, foram R$ 8,8 bilhões em emendas do tipo "transferência especial", mais conhecidas como "Pix". Em 2024, foram autorizados R$ 8,2 bilhões. Destes, R$ 7,7 bilhões já foram empenhados, e R$ 4,5 bilhões, pagos. Em 2020, a modalidade representava R$ 0,6 bilhão, passando a R$ 2 bilhões (2021), R$ 1,7 bilhão (2022) e os R$ 8,8 bilhões citados em 2023.

As emendas parlamentares se classificam em: individuais, de bancada estadual, de comissão e de relator-geral do Orçamento. Para 2024, estão autorizados R$ 49,2 bilhões em emendas dos quatro tipos. Os pagamentos já atingiram R$ 29,8 bilhões, segundo o SIGA-Brasil, na coleta feita por este colunista no dia 9 de agosto, com dados informados pelo sistema até o dia 7.

O volume das emendas parlamentares atingiu patamares impraticáveis. O Poder Legislativo não pode se arvorar na função constitucional do Executivo, que é determinar as prioridades de alocação dos recursos públicos. O Legislativo deve fiscalizar e, sim, pode emendar os orçamentos nas hipóteses constitucionais: por meio do cancelamento de despesas, mormente.

O avanço das emendas é mais um sintoma de que o nosso regime fiscal e orçamentário está doente. A Lei n.º 4.320, de 1964, ainda do gogverno João Goulart, segue como a referência em matéria de Finanças Públicas e Direito Financeiro. Avançamos em relação à discussão, fixação e modificação de regras fiscais. Mas deixamos de lado o principal, que é pensar estruturalmente o orçamento público, definir conceitos, regras gerais, normas contábeis, etc.

O Legislativo ocupou o vácuo deixado nessa temática pelo Executivo, desde a promulgação da Constituição de 1988, em prejuízo da qualidade das políticas públicas. É melhor pulverizar meia centena de bilhões de reais em pequenas benesses e pleitos locais ou usar as emendas como um instrumento de reforço das prioridades regionais e nacionais? Para isso é que existe o Plano Plurianual, uma lei que deveria ser tão importante quanto a Lei Orçamentária.

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A decisão do ministro Flávio Dino aborda a parte mais evidente, eu diria, escancarada, no que se refere à prática das emendas parlamentares. Ele suspendeu as emendas Pix obrigando à fiscalização e à transparência. Mas isso deveria ser apenas o começo de um processo de reformulação do processo orçamentário.

Para isso, sim, cabe aos parlamentares o protagonismo de liderar boas discussões, com o Executivo, promovendo uma reforma orçamentária e fiscal digna desse nome.

O senador Tasso Jereissati propôs, há alguns anos, e conseguiu aprovar no Senado federal, um projeto de reforma orçamentária. Infelizmente, ele não avançou na Câmara. Mas já está na hora de retomar esse assunto.

Política fiscal não se resume a discutir qual vai ser o resultado primário (receita menos despesa sem contar os juros da dívida) do próximo mês. Está faltando farol alto, há muito tempo, nessa temática.

A criação da Instituição Fiscal Independente (IFI), no âmbito do Senado, em 2016, foi um passo muito importante para modernizar as instituições de contas públicas. Mérito do então presidente Renan Calheiros e do senador José Serra.
Mas é preciso ir além.

Há uma lista de medidas que precisam ser tomadas. Cito algumas:

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1. Limitar as emendas parlamentares a 1% do Orçamento geral das despesas discricionárias (não obrigatórias), ressalvadas as emendas individuais.
2. Alterar as regras de vinculação e indexação, estabelecendo diretrizes gerais de proteção ao gasto social na Nova Lei n.º 4.320.
3. Promover a realização oficial de avaliações de políticas públicas, com prazo certo para incorporação no processo orçamentário.
4. Estabelecer as diferenças entre gasto obrigatório e discricionário na Nova Lei n.º 4.320.
5. Retomar a ideia de Orçamento impositivo, que, aliás, está na Constituição e nunca foi respeitada.
6. Estabelecer o critério de competência como padrão contábil, e não mais o de caixa.
7. Vincular as emendas parlamentares a projetos estruturantes, por meio da Lei Orçamentária e do Plano Plurianual.
8. Estabelecer um padrão de projeções econômico-fiscais e elaboração de cenários de modo técnico e autônomo, com participação de agentes externos ao próprio governo.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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