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Gabriela Chaves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Periferia luta para fugir de fome, desemprego, covid e violência policial

Manifestação da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio na periferia de São Paulo - Divulgação
Manifestação da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio na periferia de São Paulo Imagem: Divulgação

14/05/2021 04h00

Que a pandemia aprofundou problemas já existentes, entre eles a desigualdade, não é novidade para ninguém. O que mais se ouviu nos últimos tempos foram análises e comentários com a constatação de que, definitivamente, nós, brasileiros, não estamos todos no "mesmo barco". Em uma realidade em que muitos vendem o almoço para comer a janta, se manter com auxílio emergencial, salário reduzido ou empreendedorismo tem se tornado um desafio maior a cada dia.

E já que contra fatos não há argumentos, vamos analisar então os dados divulgados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). De acordo com a instituição, o preço médio mais caro da cesta básica no mês de abril deste ano foi observado em Florianópolis, onde chegou a R$ 634,53, valor que corresponde a 57,68% do salário mínimo vigente, de R$ 1.100. Se só a cesta básica está a esse custo, como equilibrar gastos como aluguel, luz, água e gás, com pouco mais de R$ 400?

No Brasil, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - Tecnologia da Informação e Comunicação (PNAD Contínua TIC), de 2018, mostrou que 25,3% da população não tem acesso à internet. Isso corresponde a 45,9 milhões de brasileiros à margem da sociedade, que não podem, por exemplo, vender seus produtos virtualmente para se manter durante a pandemia nas fases em que o comércio fica obrigatoriamente fechado.

Neste contexto, ainda que o empreendedorismo seja colocado socialmente como uma forma de garantir a sobrevivência, é importante ter ciência de que as pessoas precisam ter ferramentas para obter um letramento digital e financeiro. É cruel simplesmente lançar as pessoas no empreendedorismo por uma necessidade de sobrevivência, desconsiderando as habilidades que a condução de um negócio exige. E é este o cenário em que a população periférica se encontra.

O livro "Os Impactos Sociais da Covid-19 no Brasil: populações vulnerabilizadas e respostas à pandemia", lançado no último dia 28 de abril, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mostra que o avanço do vírus nas favelas está intrinsecamente vinculado à sua histórica precarização e à manutenção de políticas públicas não efetivas, incapazes de fornecer, no contexto da pandemia, ações de proteção social.

A estimativa é que a acentuação da crise econômica pela pandemia tenha levado a um aumento expressivo da população em situação de rua nos últimos 12 meses. Em março de 2020, no início da pandemia, esse número chegou a quase 222 mil pessoas. Os dados preliminares denotam um cenário extremamente preocupante para a população em vulnerabilidade social.

Ao cenário de fragilidade econômica, somam-se os abusos policiais, como o caso da Chacina do Jacarezinho, o desemprego e a insegurança alimentar. A verdade é que para termos uma noção mais precisa do futuro econômico das periferias no pós-pandemia, seria crucial possuirmos um diagnóstico mais preciso do presente. O fundamental seria termos informações mais completas sobre o impacto da pandemia, mas o Censo do IBGE, realizado a cada 10 anos, foi suspenso pela segunda vez. O Orçamento de 2021, sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, não prevê recursos para a sua realização. A nova suspensão é extremamente preocupante, pois impacta diretamente no rumo e efetividade das políticas públicas do país. Trata-se de um impacto imensurável que certamente custará muito caro aos cofres públicos, na medida em que as políticas públicas serão baseadas em dados defasados.

O mapeamento de dados é de suma importância para entendermos os efeitos da pandemia sobre a desigualdade. São diversas pontas soltas e estamos completamente no escuro. E, enquanto isso, a população periférica continua lutando para sobreviver e fugir da fome, da covid-19 e da violência policial. Ou, como costumo dizer, vendendo o almoço para comer a janta.