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Gabriela Chaves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

É urgente que mulheres negras aprendam sobre economia para evitar ciladas

Madalena Gordiano passou 38 anos em condições análogas à escravidão - Joel Silva/UOL
Madalena Gordiano passou 38 anos em condições análogas à escravidão Imagem: Joel Silva/UOL

23/07/2021 04h00

Às vésperas do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, me deparei com as notícias sobre o desfecho do processo trabalhista do caso da Madalena Gordiano. A maior parte das notícias às quais tive acesso noticiaram o acontecido em tom de celebração. Eu, enquanto mulher negra e economista, fiquei bastante preocupada.

Madalena tinha oito anos quando foi capturada pela família Milagres Rigueira. Madalena, na época, pedia comida, quando foi convidada para entrar. Valdirene Lopes Rigueira prometeu adotar a criança, mas a história não ocorreu dessa forma. Foram 38 anos de exploração. Sem salário, sem férias, sem direitos.

Madalena Gordiano foi resgatada em 28 de novembro de 2020 em situação análoga à escravidão. No dia 13 de julho firmou-se o acordo, no valor de R$ 690.100, apesar de Madalena ter requerido inicialmente o valor de R$ 2.244.078,81 em direitos trabalhistas.

Outro absurdo neste acordo, além dos valores, foi a forma de pagamento: um imóvel avaliado, com incertezas, no valor de R$ 600 mil, com uma dívida de R$ 180 mil em financiamento; um carro Hyundai, de R$ 70 mil; e o pagamento de R$ 20 mil. O acordo levou em conta apenas a relação trabalhista e tinha como réus o professor universitário Dalton Milagres Rigueira, Valdirene Lopes Rigueira, Bianca Lopes Milagres Rigueira e Raíssa Lopes Fialho Rigueira.

Primeiramente, é inadmissível que em 2021 estejamos lidando com a escravização de um ser humano nesses termos. Não há dinheiro que desfaça os danos objetivos e subjetivos de um processo como esse. Mas o dinheiro neste momento seria crucial para a reorganização dessa vida.

Minha preocupação, ao ver esse acordo, se deve a um princípio muito importante na economia: a liquidez. A liquidez é basicamente o tempo que um ativo ou investimento leva para ser convertido em dinheiro. Um imóvel, por exemplo, é um ativo de baixíssima liquidez, porque vender uma casa pode levar meses ou anos.

No caso em questão, o imóvel ainda possui R$ 180 mil em dívidas! Como o Ministério Público do Trabalho espera que uma pessoa que viveu por 38 anos em situação análoga à escravidão assuma um financiamento de quase R$ 200 mil?

Madalena já afirmou em entrevistas que pretende vender o imóvel. Torço muito para que ela consiga fazer isso da forma mais rápida possível, sem sofrer com desvalorizações financeiras no processo e sem cair no endividamento. Toda essa situação, além de evidenciar ineficiências na negociação da Justiça do Trabalho, trouxe à tona a urgência de letramento econômico por parte das pessoas negras, principalmente das mulheres negras. Precisamos de letramento econômico para escapar de ciladas financeiras, para enxergar uma luz no fim do túnel do endividamento e para falar sobre reparação econômica em casos como esse. Somente quando avançarmos coletiva e massivamente no letramento econômico seremos capazes de demandar a reparação necessária para casos como o de Madalena.

No dia 25 de julho, celebra-se o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, data que nos convida a refletir não apenas sobre esse caso, mas sobre a situação das mulheres negras na sociedade de modo geral, e da necessária reparação histórica para essa população, principalmente no contexto econômico. Se 'a liberdade é uma luta constante', como aponta Angela Davis, é necessário um esforço coletivo pela libertação de todas as pessoas, e particularmente das mulheres negras, de toda e qualquer forma de exploração.

*Com contribuição de Gustavo Lemos, educador popular, mestrando em economia política mundial pela UFABC (Universidade Federal do ABC) e coordenador pedagógico da NoFront - Empoderamento Financeiro