Graciliano Rocha

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Reportagem

Faria Lima: falha jurídica permitiu movimento da Vibra que irritou gestores

O saldo da polêmica mais rocambolesca da Faria Lima deste ano - envolvendo a Vibra Energia (ex-BR Distribuidora) e investidores em ativos imobiliários - é de muita mágoa e pouca consequência jurídica até agora.

No mês passado, a Vibra arrematou em leilão judicial, por R$ 127 milhões, o edifício-sede, que vinha ocupando há mais de uma década como locatária. A empresa pagava mensalmente R$ 5,5 milhões de aluguel. O contrato atípico, firmado em 2012, venceria somente em 2030.

O problema é que o contrato de locação da Vibra com a Confidere, empresa que construiu o prédio no modelo BTS (build to suit, sob medida para a locatária), é o lastro de algumas centenas de milhões de reais em três séries de certificados de recebíveis imobiliários (CRIs), distribuídos no mercado na década passada.

Depois que a Vibra notificou a Confidere em um processo de arbitragem que deixaria de pagar os aluguéis porque arrematou o imóvel em leilão, CRIs do prédio viraram mico. Na ponta do lápis, a empresa de energia teria que pagar até 2030 ao menos R$ 363 milhões (sem considerar os reajustes anuais). A rigor, esse dinheiro saiu da mesa.

Pagando R$ 127 milhões (mais R$ 6 milhões em comissão para o leiloeiro) agora, a Vibra teria conseguido uma pechincha, certo? O vice-presidente jurídico da companhia, Henry Hadid, diz que não.

Segundo ele, a empresa só arrematou o prédio em leilão porque ficou sem saída.

"Ninguém queria gastar R$ 130 milhões agora com um prédio, a gente preferia estar fazendo postos [de combustível, core do negócio], mas a situação de ter a própria sede leiloada era muito vexatória", disse Hadid ao UOL.

"Vínhamos pedindo providência desde 2021, quando começaram as primeiras penhoras contra a Confidere. Não só não fizeram nada, como deixaram o prédio ir a leilão. Você já imaginou que situação se um concorrente arrematasse a nossa sede?", afirmou.

Na arbitragem, a Vibra anunciou que interromperia o pagamento do aluguel do prédio em virtude de confusão patrimonial - termo técnico do Código Civil para designar uma situação jurídica na qual credor e devedor são a mesma pessoa (natural ou jurídica).

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Gestores que têm os CRIs micados em portfólio correram aos seus advogados para ver o que poderia ser feito. A resposta encontrada foi frustrante. Havia uma falha muito importante na estruturação jurídica dos ativos.

Em nenhum dos termos de securitização, etapa que antecede o lançamento dos títulos no mercado, havia cláusula de alienação fiduciária. Traduzindo, ninguém se preocupou em tornar o prédio a garantia real daqueles CRIs, protegendo-o no futuro contra ações judiciais. Como a Confidere afundou-se em dívidas, o prédio foi primeiro à penhora e depois a leilão.

A bem da verdade, existem CRIs que são estruturados sem cláusula de alienação fiduciária, mas só quando o emissor é uma grande companhia, com excelente rating (baixo risco de calote). Não era o caso da Confidere, uma pequena construtora fundada antes de executar justamente a obra da sede da BR Distribuidora.

Quem assinou o contrato com a Confidere pelo lado da então estatal foi Nestor Cerveró, àquela altura reacomodado como dirigente da BR Distribuidora no final do segundo governo Lula depois de deixar a diretoria internacional da Petrobras.

Cerveró foi um dos principais delatores do esquema de corrupção revelado pela operação Lava Jato.

"LÁGRIMAS DE CROCODILO"

A maior parte dos CRIs estão na tesouraria de gestores que operam títulos de dívida privada, só uma minoria está dentro dos fundos de investimento imobiliário (FII), muito populares entre pessoas físicas que investem diretamente no mercado. O Iridium, um dos maiores FIIs do mercado, por exemplo, tem somente 0,07% de seu patrimônio em CRIs do prédio da Vibra.

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A versão da Vibra não comove quem tem os CRIs. Um dos gestores ouvidos pelo UOL, que tem o papel, acha que a Vibra não tenha cometido ilegalidade, mas teria agido de maneira oportunista.

Outro gestor chamou de "lágrimas de crocodilo" a versão de que a ex-estatal teria sido impelida a comprar o prédio em leilão.

Em comum, além da raiva, os dois dizem que não pretendem comprar debêntures ou qualquer título da Vibra até que a empresa negocie alguma saída para os CRIs.

Hadid, da Vibra, diz que as debêntures da empresa foram distribuídas no mercado sem sobressalto.

O APOCALIPSE FICA PARA OUTRO MOMENTO

O risco sistêmico para o mercado de CRIs no Brasil - muito alardeado logo que a decisão da Vibra veio a público - tem pouca chance de se materializar, de acordo com vários gestores ouvidos pelo UOL nos últimos dias.

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No geral, a interpretação do mercado é que a estruturação mal feita não é a regra na maioria dos ativos que circulam no mercado. E mesmo os que não têm cláusula de alienação fiduciária estão ancorados em empresas com boas avaliações de crédito.

Marcos Baroni, especialista em fundos imobiliários da Suno, uma casa de análise, comparou o efeito do episódio no mercado de CRI às investigações que sucedem qualquer acidente de avião.

"Quando um avião cai, a perícia vai apurar todas as circunstâncias, até falhas de projeto. A falta de uma cláusula de garantia real aqui parece ter sido a origem do problema, ainda na estruturação. É um problema isolado de um ativo, não vai contaminar a indústria", opina Baroni.

"Os CRIs lançados hoje são diferentes dos lançados no passado. Talvez o efeito seja que os gestores vão prestar mais atenção na questão da garantia, mas os CRIs não vão desaparecer", continua.

O UOL não conseguiu falar com a Confidere e com a Opea, empresa securitizadora da operação, pelos telefones disponíveis no site, mas não teve resposta.

Na seção de seu site destinada a informar investidores, a Opea afirma que "está se defendendo no processo arbitral e apresentou reconvenção com pedido de tutela cautelar para que a Vibra continue pagando os aluguéis até o final da arbitragem. A Opea também está tomando medidas para garantir que os investidores sejam informados sobre o andamento do processo."

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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