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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Taxar compra online de produtos baratos veio fora de hora e na forma errada

18/04/2023 16h01

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O desfecho da trapalhada da tributação das compras online de pequeno valor era previsível. Depois de tomar tiro de todo lado, o governo recuou da decisão de taxar todas as compras de valor até US$ 50, inclusive as feitas de pessoa física para pessoa física, que sempre foram isentas de tributação.

Foi mais um erro político não forçado, voluntário. Uma ironia para um governo presidido por Lula, reconhecidamente o político brasileiro mais habilidoso na ativa.

Dois foram os principais erros do ministro Fernando Haddad e de sua equipe na condução dessa questão.

Começar o necessário combate à sonegação e à evasão fiscal pela base da pirâmide e não pelo topo.

Decidir atacar pelo facilitário de taxar todo mundo, até mesmo os poucos que viessem a fazer operações legais, em lugar de aprimorar a fiscalização, sem punir quem cumpre a lei.

Em vez de fechar torneiras da sonegação e de sonegadores de grosso calibre, Haddad escolheu pequenos participantes de um esquema fraudulento praticado por plataformas estrangeiras de comércio online de roupas baratas e eletroeletrônicos "chingling".

Embora o volume de importações online de baixo valor seja gigantesco — chegaram ao país, em 2022, mais de 180 milhões de pacotes de compras internacionais pela internet, média de quase 500 mil por dia. As perdas estimadas não chegam a R$ 10 bilhões por ano. Mas, de fato, apenas uma ínfima fração dessa montanha de operações — 3,5 milhões, ou menos de 2% do total — chega com a devida declaração de importação.

A ação correta não era retirar a isenção para transações pessoa física a pessoa física, punindo operações legais e enfiando todo mundo no mesmo balaio dos fraudadores. Detectadas as fraudes e a evasão fiscal, o correto era apertar a fiscalização, forçando as plataformas a instalarem escritório no Brasil e obter um CNPJ. Com isso, o governo também protegeria melhor o consumidor brasileiro, que não tem a quem recorrer quando a encomenda não chega ou chega diferente do que foi comprado.

O esquema ilegal é simples e composto por duas manobras:

Na primeira, o vendedor estrangeiro, em grande maioria empresas de e-commerce com sede em países asiáticos e sem representação no Brasil, enviava a encomenda registrando na etiqueta de remessa um destinatário fictício pessoa física;

Na outra, fracionava a compra em pacotes dentro dos limites de isenção de US$ 50.

É provável que o ataque às fraudes do comércio online de importados de baixo valor tivesse como motivação um efeito demonstração para os casos de elisão e evasão fiscais de grande porte. Mas não se pode deixar de suspeitar de que a ideia desastrada tenha avançado porque Haddad parece não dispor de um bom filtro de sensibilidade política.

Não há outra justificativa para declarações elitistas e arrogantes do ministro em reação ao bombardeio de críticas disparado pelo anúncio da taxação de todas as importações online de baixo valor. Indagado se conhecida a plataforma de comércio eletrônico chinesa Shein, uma das mais ativas entre os consumidores brasileiros, Haddad respondeu:

"Vocês falam da Shein como se eu conhecesse. Eu não conheço a Shein. Único portal que eu conheço é o da Amazon, eu compro um livro todo dia, pelo menos". Fernando Haddad, ministro da Fazenda

Em 30 palavras, sem ser forçado, o ministro, que, aliás, estava na China com o presidente Lula, em visita oficial ao país, depreciou a plataforma de e-commerce e a escolha de milhares de pessoas, foi elitista e, não satisfeito, ainda fez propaganda de um gigante global do e-commerce, em detrimento das livrarias brasileiras. Impossível não classificar a fala de Haddad e todo o episódio como trapalhada política desnecessária.