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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

BC não dá brecha para corte nos juros e se mostra mais realista que seu rei

04/05/2023 09h13

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De onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo. O conhecido aforismo do Barão de Itararé poderia resumir o significado da decisão do Copom (Comitê de Política Monetária), nesta quarta-feira (3). O colegiado que reúne os diretores do Banco Central manteve a taxa básica de juros (taxa Selic) em 13,75% ao ano e não deu sinais de quando poderia iniciar um ciclo de cortes nos mantidos há dez meses.

Num comunicado com maior quantidade de vaivéns, em relação aos fatores de risco para a inflação, do que de costume, o primeiro desde a apresentação do arcabouço fiscal proposto pelo governo, o Copom não considerou o objetivo formalizado pelo governo de limitar as despesas públicas a uma parcela da receita como suficiente para apontar a possibilidade de corte nos juros.

Enquete subordina decisões

A mensagem transmitida pela unanimidade do colegiado do BC é a de que só será possível começar a reduzir os juros básicos quando as expectativas de inflação estiverem ancoradas e apontarem para o centro da meta. Nas projeções consideradas pelo Copom, essa convergência só ocorreria em 2024 se a taxa básica permanecer no nível em que se encontra até o fim do ano que vem.

O problema é que um dos principais elementos de decisão do Copom, pelo menos como descrito no comunicado, são as projeções de economistas do mercado financeiro, organizadas no Boletim Focus. A pesquisa semanal divulgada no Focus abrange pouco mais de uma centena de analistas e a rigor não passa de uma simples enquete.

Erros nas previsões são recorrentes

O pior é que essa enquete de adivinhação do futuro da inflação, do crescimento da economia, da cotação do dólar e de outras variáveis econômicas costuma errar com frequência. No fim de 2015, por exemplo, o Focus previa inflação de 6,6% em 2016, mas, na realidade, a alta de preços foi a 10,7%. Mais recentemente, no fim de 2020, a previsão era de uma inflação de 3,3% em 2021, mas o ano fechou com alta de 10,06%. O erro foi responsável por um movimento brusco de derrubada da taxa Selic até o recorde de baixa de 2% nominais, seguido por um veloz repique de altas, que levou a taxa básica aos 13,75% atuais em menos de um ano e meio.

Esses erros, não considerados pelo Copom em suas decisões de política de juros, fazem o BC ficar a reboque das expectativas do mercado, o que acaba trazendo consequências danosas para a economia. Em 2008, no segundo mandato de Lula, a atuação do BC, então presidido por Henrique Meirelles, quando a grande crise global dava sinais, mas não havia ainda sido deflagrada, traz outro exemplo a ser lembrado porque pode se repetir daqui a pouco.

Na época, o Copom retomou um ciclo de altas dos juros básicos em abril, subindo a Selic de 11,25% para 11,75%. Escalou para 13,75% até setembro, dias antes da quebra do banco Lehman Brothers. Mesmo com a economia global derretendo, manteve a taxa básica teimosamente neste nível até dezembro.

A partir de janeiro de 2009, contudo, o BC deu início a uma corrida de cortes na taxa de juros. Em sete meses, a Selic foi derrubada em cinco pontos percentuais, baixando a 8,75% ao ano em julho. O resultado foi uma recessão em 2009, apesar dos esforços do governo, que adotou política fiscal frouxa e usou bancos públicos para estimular o crédito.

Expectativas versus expectativas

Não deixa de ser curioso que os mesmos analistas que reportam resistentes expectativas de inflação acima da meta, revelam expectativas de que em setembro tenha início do ciclo de cortes na Selic. A taxa Selic, nas avaliações do Focus, terminaria 2023 em 12,5% — 1,25 ponto percentual abaixo da taxa atual.

Essa dissonância entre o comunicado duro da reunião do Copom de maio, que não abre brecha para a redução da Selic, e a expectativa de início da redução dos juros básicos, é uma indicação de que a diretoria do BC está sendo mais realista do que seu rei, o mercado.