José Paulo Kupfer

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Opinião

Conceição Tavares tem lugar garantido no panteão dos grandes economistas

Maria da Conceição Tavares, que morreu neste sábado (8), aos 94 anos, tem lugar garantido no panteão dos maiores economistas brasileiros da segunda metade do século 20 para cá. Será, por enquanto, a única mulher nesse grupo que inclui Celso Furtado, Roberto Campos, Delfim Netto e Mario Henrique Simonsen.

A afirmação não deixa de ter um toque polêmico, até pelas características de polemista da economista. Conceição Tavares não é uma unanimidade, com muitos apontando seus erros de diagnóstico. Entraram para história, por exemplo, seu choro no Plano Cruzado, de 1986 — que deu errado—, e suas críticas ao Plano Real, de 1994 — que deu certo.

Tom apaixonado

Conceição, que nasceu portuguesa, mas viveu no Brasil e adotou a cidadania brasileira, desde o início da vida adulta e profissional era conhecida pelo tom apaixonado com o qual defendia posições quase sempre divergentes das dominantes no debate econômico. É um raro exemplo de profissional que conseguiu combinar rigor acadêmico, defesa embasada de ideias e capacidade de transmitir ensinamentos com militância política.

Sempre com um cigarro entre os dedos, Conceição Tavares desenvolveu um estilo pessoal que mesclou agressividade na defesa de posições, uma linguagem no limite da desbocada, e um sotaque peculiar, com resquícios da origem portuguesa. Muitas das suas declarações na televisão, reproduzidas mais recentemente, viralizaram na internet.

A professora, que formou gerações de economistas, chegou a ser eleita deputada federal, pelo PT do Rio de Janeiro, em 1995. Cumpriu um mandato sem grande destaque e não quis mais seguir carreira na política, mas, voltando ao ensino e ao debate público dos temas econômicos, manteve-se militante.

Heterodoxa e de esquerda

Identificada com o pensamento econômico heterodoxo e de esquerda, Conceição Tavares impôs-se, num mundo dominado por homens, pela qualidade de suas pesquisas e reflexões. Por isso, pode parecer paradoxal que, mesmo com sua agressiva crítica dos modelos teóricos e das políticas liberais, tenha construído amizades no outro espectro das ideias econômicas.

Formada em matemática, ainda em Lisboa, e depois em economia, já no Brasil, Conceição Tavares foi professora assistente do economista Octavio Gouvêa de Bulhões, na então Faculdade de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), hoje IE (Instituto de Economia), num curso de teoria monetária. Bulhões, que foi o primeiro ministro da Fazenda da ditadura instaurada em 1964, manteve com a economista uma relação paternal, ao longo da vida.

Relações pessoais

Conceição Tavares manteve também relação de proximidade pessoal com o ex-ministro Mario Henrique Simonsen, apesar das discordâncias quase absolutas em questões econômicas. Foi Simonsen, que, em 1974, depois de iniciativas de Bulhões e do ex-ministro Severo Gomes, conseguiu do presidente Ernesto Geisel ordem de soltura de Conceição, que tinha sido presa, sem que ela soubesse o motivo.

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Desse típico estilo de relacionamento pessoal de Conceição Tavares, um episódio curioso ocorreu na festa de seus 80 anos, em abril de 2010. Na mesa principal, a economista reuniu a ex-presidente Dilma Rousseff, ex-aluna na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e o economista, ex-governador e senador licenciado José Serra, com quem dividiu textos econômicos. Dilma e Serra eram pré-candidatos concorrentes às eleições presidenciais em outubro daquele ano.

Desenvolvimento econômico

Com influências de sua passagem pela Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), em Santiago, no Chile, que reunia a nata do pensamento estruturalista da região, Conceição se tornou expoente dos estudos sobre desenvolvimento econômico em países na periferia do capitalismo mundial, a partir de 1968. Na sua vasta produção acadêmica, destacam-se justamente os textos sobre esse tema.

Dois de seus artigos, escritos entre a década de 70 e de 80 do século passado, são produções que se tornaram clássicas, na literatura latino-americana sobre desenvolvimento econômico. O primeiro, de 1970, "Além da Estagnação", foi escrito em conjunto com José Serra, quando ambos trabalhavam na Cepal. O segundo, de 1983, abre a coleção de ensaios publicados no livro "Da substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre economia brasileira".

Criticam-se, nos dois trabalhos, a ideia original de Celso Furtado, segundo a qual a economia, na região, tendia à estagnação. O argumento contrário, levantado por Conceição Tavares e Serra, era o de que o modelo de crescimento vigente tenderia não à estagnação, mas a uma expansão caracterizada por concentração de renda.

Preocupações sociais

Preocupações sociais com os modelos econômicos sempre estiveram presentes na trajetória de Conceição Tavares, e são a principal marca de seu legado. Já na década de 70 do século passado, fundou juntamente com alunos, entre os quais o economista e ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, seu primeiro presidente, o IERJ (Instituto de Economistas do Rio de Janeiro). O IERJ foi o responsável por trazer para o debate público a concentração de renda na sociedade brasileira, potencializada pelo "milagre econômico".

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Num programa "Roda Viva", da TV Cultura de São Paulo, assim Conceição Tavares definiu a profissão de economista: ""Se você não se preocupa com a justiça social, com quem paga conta, você não é um economista sério. Você é um tecnocrata"

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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