José Paulo Kupfer

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Opinião

Mudança no IR é só uma gambiarra, mas alivia faixas de classe média

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chamou o projeto de lei que isenta do Imposto de Renda rendas até R$ 5 mil mensais e eleva a tributação de rendas acima de R$ 50 mil mensais, enviado nesta terça-feira (18) pelo governo Lula ao Congresso, de "início da reforma do Imposto de Renda". Mas, da forma como foi elaborado, é um exagero chamar o projeto do governo de "reforma".

Mais correto seria classificar a "reforma" de Haddad como uma gambiarra para cumprir a promessa eleitoral de Lula, em que o objetivo principal, com base em diversas contas de chegar, era entregar a um Congresso refratário a aumentos de carga tributária, sobretudo para altas rendas, um projeto mais palatável.

Nem por isso, o projeto do governo deixa de promover justiça fiscal e estimular a economia. Se aprovado como foi enviado, dez milhões de contribuintes ficarão isentos de IR, e assim terão uma folga em seus orçamentos para poupar ou consumir, ajudando a impulsionar a atividade econômica. Ao mesmo tempo, apenas um pequeno aumento na tributação de 140 mil contribuintes será suficiente para compensar a perda de arrecadação. A relação de uma coisa com a outra é a prova mais cabal de que o sistema brasileiro promove uma escandalosa injustiça tributária.

Como "reforma", porém, as medidas anunciadas podem até significar um retrocesso. Para começar, se toda reforma deve começar pela simplificação, esta vai na direção da complicação, tal o número de exceções e critérios sob medida de que lança mão. Depois, o conjunto é qualquer coisa menos integrado e estrutural, o que pode significar a necessidade de correções complexas no futuro.

Em relação às contas de chegar mencionadas, a primeira delas limitou a isenção do IR a faixas mais baixas da tabela progressiva do IR, sem considerar o "progressivo" da tabela. A isenção alcançou integralmente rendas até R$ 5 mil e parcialmente, de R$ 5,001 mil a R$ 7 mil, com rendimentos acima de R$ 7 mil excluídos do benefício.

Com o artifício, incomum no mundo da tributação do IR, foi possível limitar as perdas de arrecadação a R$ 25 bilhões em 2026 e R$ 28 bilhões em 2027. Se, ao determinar isenção para rendas até R$ 5 mil, fosse aplicada normalmente a tabela progressiva, a própria Receita calcula que a perda de receitas chegaria a R$ 120 bilhões em 2026. A diferença de R$ 90 bilhões é o montante de uma dessas contas de chegar. O mesmo ocorreu no lado da taxação compensatória de altas renda.

A taxação de altas rendas, conforme estimativas da Receita, será também próxima a R$ 25 bilhões em 2026. Para isso, vários limites de tributação e abatimentos foram mantidos. Também foram mantidas isenções de IR sobre papéis financeiros — letras imobiliárias e do agronegócio, por exemplo — e outras rendas — ganhos de capital, heranças e doações. Perdeu-se a chance de arrumar um pouco a bagunça tributária do topo da pirâmide. Sobrou mesmo apenas o início, necessário, da tributação de lucros e dividendos.

Não seriam necessárias as voltas ao mundo que o projeto do governo dá para restringir perdas tributárias — restringindo também as compensações —, se não houvessem restrições políticas tão potentes a reformas no injusto e ineficiente sistema tributário brasileiro.

A simples correção monetária da tabela progressiva do IR promoveria a isenção de rendas até R$ 5 mil, mantendo a desejável progressividade da tributação das diversas faixas de rendas. Nem se está falando na criação de mais uma ou duas faixas de renda, com alíquotas acima da de 27,5% hoje máximo, entre 30% e 35%, por exemplo, que talvez já compensasse as perdas de arrecadação.

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Segundo estimativas da Unafisco, a associação dos auditores da Receita Federal, a defasagem das faixas de renda, em relação à inflação, acumulada desde 1996, chega a 140%. Ao longo do tempo, a não correção da tabela pela inflação representou uma tunga inclassificável dos contribuintes. Mesmo sem ganhos efetivos de renda, a mordida do Leão aumentava. Em tempos mais recentes, a tabela ficou congelada de 2016 a 2023, ao longo dos governos Temer e Bolsonaro.

Para se ter uma ideia do tamanho da taxação que a não correção da tabela produz, segundo apuração da Unafisco, em 1996, a isenção do IR alcançava nove salários mínimos, em comparação com os dois mínimos agora isentos.

O problema é que, feito o ajuste das faixas de renda pela inflação, as perdas de arrecadação, de acordo com a Unafisco, alcançariam R$ 270 bilhões em 2026. É um volume imenso de recursos, politicamente impossível de compensar com uma reforma que se preocupasse apenas com a justiça e a eficiência tributária.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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