Consignado privado tem mais de 40,1 milhões de consultas até o momento
Ler resumo da notícia
O aplicativo da Carteira Digital de Trabalho recebeu mais de 40,1 milhões de simulações de empréstimos na estreia do consignado privado com garantia do FGTS, até ontem à noite. O volume demonstra a relevância do programa para a população e, de quebra, dá uma forcinha para a valorização da imagem dos contratos CLT em um momento em que o discurso do empreendedorismo vem prevalecendo na narrativa das redes sociais.
A expectativa do governo é estimular a economia pelo consumo — ao mesmo tempo tentar segurar o superendividamento da população com a troca de um crédito pessoal com juros nas alturas pelo consignado privado, que terá taxas bem mais em conta pelo formato de desconto na folha de pagamentos com a garantia do FGTS.
Em um país em que um terço da população está negativada, a possibilidade de poder trocar uma dívida cara por uma mais em conta é um grande alívio. O programa Desenrola, mutirão criado pelo governo com os bancos para ajudar os endividados a sair do Serasa, praticamente enxuga gelo.
Segundo levantamento do Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV, entre 2020 e janeiro de 2025, o número de negativados saltou de 63,5 milhões para 72 milhões. — Sem o Desenrola, esse número poderia ser maior — diz Lauro Gonzalez, coordenador do FGVcemif e professor da FGV EAESP. Gonzalez teme, contudo, que mesmo com o limite de 35% no comprometimento da renda, o programa possa contribuir para o superendividamento devido à falta de educação financeira e a facilidade do acesso ao crédito nas plataformas digitais.
O programa do consignado privado, batizado de Crédito do Trabalhador, vem sendo discutido há mais de um ano pelo governo e instituições financeiras. Neste primeiro mês, os bancos vão ofertar propostas pelo app da Carteira de Trabalho, o que vai permitir deixar claro se tratar de um programa do governo. A partir de 25 de abril, os bancos vão poder ofertar diretamente, sem precisar passar pelo app. Pelas contas da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), o programa deverá elevar a carteira do consignado privado para R$ 120 bilhões. Hoje essa carteira está em R$ 40 bilhões, alcançando 3,8 milhões de trabalhadores.
Acessar taxas mais baratas via desconto em folha era um privilégio do funcionalismo público, de aposentados e de funcionários de grandes empresas. Agora, esse privilégio se estende a mais 43 milhões de celetistas, que se somam aos quase 4 milhões já contemplados.
O programa vai tirar uma fonte de receita das grandes empresas, que hoje ganham um dinheiro nada desprezível vendendo o acesso aos seus colaboradores, geralmente para o banco que processa a folha de pagamentos. O novo programa é um mar aberto — acaba a exclusividade dos bancos que já atuam nas grandes empresas e dá acesso a trabalhadores de pequenas, micro e até empregadas domésticas, a partir da integração pelo e-social.
Em conversa com a coluna, Alexandre Riccio, CEO do Banco Inter no Brasil, avalia que a taxa no novo consignado privado dificilmente ficará abaixo daquelas oferecidas para trabalhadores de grandes empresas, hoje em torno de 2,8%. Mesmo com a garantia do FGTS, o programa oferece mais riscos para os bancos justamente porque vão lidar com um mar aberto de empresas, de todo e qualquer tamanho, e de perfil de trabalhador.
"Este é um crédito que não é a prova de bala de inadimplência. Não é um crédito de fácil cobrança se o cliente sai do emprego", diz Riccio. Por falta de educação financeira, muitos trabalhadores associam a dívida ao emprego e, quando são demitidos, acham que não precisam mais pagar.
Pelo programa, o trabalhador poderá usar o equivalente a 10% do saldo do FGTS como garantia. Em caso de demissão, poderá usar 100% da rescisão para pagar a dívida.
Questão de timing
Ninguém discute a pertinência do programa ao oferecer taxas mais acessíveis para um contingente de 47 milhões de trabalhadores celetistas. Há quem questione, contudo, o timing da implementação, pelo potencial de estímulo da economia em um momento em que a autoridade monetária tenta debelar a inflação.
Se confirmada a substituição de dívidas, contudo, o impacto não deve afetar a demanda, avalia o economista José Francisco Lima Gonçalves, professor da FEA/USP. "Diante do nível absurdo dos juros, eu imagino que o comportamento de substituição de dívida vai ser relevante. E isso vai melhorar as condições financeiras em geral. De quem emprestou e de quem está tomando emprestado, uma vez que a inadimplência está aumentando e o endividamento está muito alto."
Segundo Gonçalves, é muito difícil estimar o efeito que a medida terá no estímulo da economia. "Vai depender da situação de cada um. Se está faltando dinheiro e a mudança permite tapar o buraco ou se está sobrando e você abre espaço para gastar mais. Mas não vejo isso como uma calamidade que vai expandir a demanda gerando impacto inflacionário. Certamente isso foi assunto do Conselho Monetário Nacional e o Banco Central participou do desenho do programa."
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.