Setor de eventos tenta última cartada no Congresso para manter o Perse
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Uma audiência pública convocada por 300 parlamentares para a quinta-feira vai discutir o ato declaratório da Receita Federal que esta semana pôs fim ao Perse, o programa de incentivo fiscal criado para compensar o setor de eventos e turismo pelas perdas provocadas pela pandemia.
Criado pelo Congresso para ajudar um setor que foi um dos mais afetados pelas restrições de circulação para conter o vírus da Covid-19, o Perse já concedeu R$ 15 bilhões em incentivos e se transformou em uma verdadeira farra fiscal.
Até mesmo empresas que cresceram fortemente na pandemia, como o iFood, se beneficiaram do programa. A plataforma de entregas foi o CNPJ campeão de isenções: deixou de pagar mais de meio bilhão de impostos federais graças ao Perse (R$ 539 milhões para ser exato). A plataforma chegou a entrar na Justiça para garantir a isenção que havia sido recusada pela Receita Federal.
O vice-campeão de isenções é a multinacional Informa Markets, uma plataforma digital que conecta compradores e vendedores no mundo digital, com R$ 441,7 milhões de renúncia fiscal. O Airbnb também melhorou seus resultados com a ajuda da Receita Federal brasileira: economizou R$ 106,9 milhões em impostos.
A benevolência fiscal não tem ideologia. A G4 Educação, de Tallis Gomes, empresário que ficou conhecido por dizer que mulher CEO não é para casar, deixou de recolher R$ 49,7 milhões. A Play9, do influenciador Felipe Neto, do campo progressista, economizou R$ 9,4 milhões em impostos.
Mesmo restaurantes que sofreram na pandemia e, em tese, podiam se beneficiar do Perse, incluíram na farra fiscal CNPJs de novas filiais que nem existiam na época da pandemia.
As empresas inscritas no programa ficaram isentas de recolher IRPJ, CSLL, PIS, Pasep e Cofins. Quando o programa foi lançado, a renúncia dos impostos federais esperada era da ordem de R$ 2 bilhões ao ano por cinco anos. Este mês, ao completar três anos de vigência do programa, a conta bateu em R$ 15 bilhões. No total, 11.492 empresas obtiveram isenções em algum momento desde março de 2022.
Até venda de jet ski entrou no programa
A farra foi possível por uma brecha na aprovação do programa: além das empresas que atuam diretamente no setor de eventos, a lei assegurou benefícios para empresas com atuação indireta. O lobby correu solto quando da publicação da portaria do Ministério da Economia, ainda no governo Bolsonaro, com a definição dos códigos CNAEs (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) que estariam habilitados pela lei do Perse. Quase 90 atividades econômicas foram incluídas, de segurança privada à comércio de jet ski.
Posteriormente, o programa foi modificado duas vezes pelo Congresso, com redução do número de CNAEs. Na última reforma, em maio de 2024, o número de CNAEs caiu pra 30 e ficou estabelecido que o programa seria encerrado no final de 2026 ou até alcançar a marca de R$ 15 bilhões em renúncias - o que viesse primeiro.
A Fhoresp, federação que representa hoteis, bares e restaurantes de São Paulo, tenta apoio do Congresso para reverter a medida sob o argumento de que as renúncias indevidas não deveriam entrar na conta dos R$ 15 bilhões. Empresas que obtiveram o benefício com base em liminares judiciais poderão ter que devolver os recursos caso sejam derrotadas em segunda instância.
"A lei fala expressamente que não se deve contabilizar os valores de renúncias fiscais de empresas que obtiveram liminares e cujas ações não transitaram em julgado", diz Edson Pinto, diretor do Fhoresp. "Não fiscalizaram no início, saíram liberando a isenção para todo mundo, depois vieram dizer que estavam gastando muito. Isso prejudicou quem tinha direito efetivamente".
A federação estuda caminhos para tentar reverter a decisão da Receita, seja via Congresso ou pela via Judicial.
Em nota enviada à coluna, o iFood afirmou que sua adesão ao Perse "cumpriu todos os critérios estabelecidos pela legislação, que contemplou a atividade de intermediação em seu escopo inicial, e foi confirmada pela Justiça em primeira instância". A empresa diz ainda que parou de usar o benefício "a partir de 2025".
Texto atualizado com posicionamento do iFood.
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