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Perseguição por caças nos EUA: avião seria abatido se fosse no Brasil?

Avião Super Tucano da FAB realiza interceptação de aeronave - FAB
Avião Super Tucano da FAB realiza interceptação de aeronave Imagem: FAB

Alexandre Saconi

Colaboração para o UOL, em São Paulo

11/06/2023 04h00

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No dia 4, um avião violou o espaço aéreo de Washington (EUA) e depois caiu em um terreno montanhoso. Ele foi interceptado por caças F-16, mas Informações preliminares apontam que a perseguição não foi a causa do acidente. Esse procedimento é comum em várias partes do mundo em caso de aeronaves suspeitas. Se fosse no Brasil, o jato poderia ser abatido?

Lei do abate

O Código Brasileiro de Aeronáutica foi alterado em 1998 para prever a derrubada de aeronaves hostis. Em 2004, um decreto presidencial regulamentou como isso deve ocorrer.

Apenas aeronaves consideradas hostis (que representam uma ameaça direta à segurança) ou suspeitas de tráfico de drogas podem ser abatidas. Para que isso ocorra, é preciso seguir uma série de etapas em sequência:

  • Averiguação: A aeronave é interceptada para ter sua identidade e atitude confirmada. Nessa etapa, os pilotos da FAB (Força Aérea Brasileira) podem usar sinais de rádio, visuais, entre outros, para se comunicarem com o alvo.
  • Intervenção: São feitas tentativas para que a aeronave suspeita mude sua rota para que pouse e seja verificada no solo pelas autoridades.
  • Persuasão: Se, ainda assim, a aeronave interceptada não cooperar, serão utilizadas medidas mais intensas para que ela obedeça às ordens dadas pelos pilotos da FAB. Para isso, são disparados tiros de aviso com munição traçante, que é mais perceptível a olho nu, mostrando o poder de fogo da aeronave que está fazendo a interceptação.
  • Destruição: Se nenhuma das medidas anteriores der resultado, as aeronaves passam a ser consideradas hostis, cabendo seu abate. Nesse momento, serão disparados tiros com a finalidade de provocar danos e impedir o prosseguimento daquele voo.

Todos os pilotos devem ter conhecimento das regras para o caso de serem interceptados. Elas constam em normativas que são cobradas para a obtenção de licenças de voo.

interceptação - Suboficial Johnson/FAB - Suboficial Johnson/FAB
Avião com a inscrição 121,5, que se refere à frequência de rádio para aeronaves interceptadas se comunicarem
Imagem: Suboficial Johnson/FAB

Requisitos para o abate

Uma vez autorizada, a derrubada da aeronave hostil só pode ocorrer se seguir alguns parâmetros. Entre eles:

  • Gravação das comunicações ou das imagens dos procedimentos realizados
  • Ser executada por pilotos e controladores de defesa aérea qualificados
  • Execução sobre áreas que não sejam densamente povoadas

O abate só ocorre com autorização do presidente da República ou de alguma autoridade à qual ele delegue esse poder. Atualmente, o comandante da Aeronáutica foi autorizado a comandar a destruição das aeronaves hostis.

De 2019 até julho de 2022, a FAB realizou 652 interceptações de aeronaves apenas no âmbito da operação Ostium, que patrulha regiões de fronteira do país. Ao todo, 16 aeronaves e 5,5 toneladas de drogas foram apreendidas.

Embora ocorram com menor frequência, abates também são realizados no Brasil. Em 2018, ao menos sete aeronaves com drogas foram derrubadas em Mato Grosso após não cooperarem e desobedecerem a ordens dos pilotos da FAB.

Em julho de 2022, outra aeronave foi abatida com 500 kg de pasta base de cocaína enquanto sobrevoava o estado de São Paulo. Ela havia ingressado em território brasileiro pelo Mato Grosso do Sul, e foi acompanhada pelos aviões da Aeronáutica até o momento em que foi alvejada. Questionada, a FAB não informou a quantidade de aeronaves derrubadas nos últimos anos.

interceptação - Suboficial Johnson/FAB - Suboficial Johnson/FAB
Procedimento de interceptação de trafego ilícito de aeronave por uma aeronave AH-2 Sabre em 2023
Imagem: Suboficial Johnson/FAB

Seria abatido no Brasil?

Por enquanto, o que pode ter ocorrido nos EUA trata-se apenas de um conjunto de hipóteses. Deve-se aguardar a investigação do acidente e uma manifestação do governo norte-americano sobre o episódio.

No Brasil, o abate, como a própria lei prevê, só ocorreria em último caso. É possível que os pilotos brasileiros observassem que a aeronave não deveria ser considerada hostil, ou que abatê-la sobre área povoada representaria um grande risco.

No caso dos EUA, uma das hipóteses é que o avião invadiu o espaço aéreo restrito após o piloto perder a consciência. Isso teria acontecido devido a um quadro de hipóxia. Essa situação ocorre quando há falta de oxigênio no sangue. Para isso acontecer, é possível que o avião tenha sofrido uma despressurização, levando ao desmaio do piloto.

Nessa circunstância, o avião não representaria um risco imediato. Como ele estava sem comando, supostamente voando pelo piloto automático, seria necessário avaliar qual o perigo ele oferecia naquele momento. No caso, os caças norte-americanos apenas acompanharam ele até sua queda em um local afastado. Assim, não foi necessário o abate.

Consultada, a FAB não respondeu à reportagem do UOL até a publicação. O texto será atualizado em caso de resposta.

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Caça A-29 Super Tucano durante interceptação
Imagem: Suboficial Johnson/FAB

Como é nos EUA?

Há uma série de fases para realizar a interceptação, bem similares às do Brasil. As informações são da FAA (Administração Federal de Aviação, órgão que regulamenta o setor aéreo nos EUA). Uma aeronave pode ser interceptada como no domingo para, entre outros motivos:

  • Ser identificada
  • Ser rastreada
  • Ser inspecionada
  • Ser desviada da rota
  • Ter comunicação estabelecida

As fases da interceptação em si, quando feita por caças, são as seguintes:

  • Aproximação: Geralmente, é feita por trás, e pode ser realizada individualmente ou em duplas. Sempre é mantida uma distância segura para evitar que a operação coloque em risco o voo.
  • Identificação: A aeronave suspeita passa a ser observada mais de perto, e são buscadas informações capazes de identificá-la, como matrícula, quem está no comando, modelo entre outras.
  • Pós-interceptação: Nesse momento, são feitas tentativas de comunicação, tanto via rádio quanto em sinais feitos com os caças. Estes sinais podem incluir balançar as asas, realizar algum movimento específico e acender e apagar as luzes.

Ainda podem ser feitas manobras especiais para desviar o avião da rota considerada proibida. Apenas em casos extremos é realizado o abate de uma aeronave, quando ela é considerada hostil e oferece risco à segurança.

f-16 - Kevin GRUENWALD / US AIR FORCE / AFP - Kevin GRUENWALD / US AIR FORCE / AFP
O F-16 Fighting Falcon foi o modelo que acompanhou o voo que caiu domingo (4) nos EUA
Imagem: Kevin GRUENWALD / US AIR FORCE / AFP