Funcionários e passageiros abandonados: os dois anos do fim da Itapemirim
Há exatos dois anos, em 17 de dezembro de 2021, a Itapemirim Transportes Aéreos deixava de voar. O dia foi marcado por choro, revolta de clientes e abandono em diversos aeroportos pelo país.
Pegos de surpresa
Durante aquele dia, os tripulantes que desembarcavam já ouviam que a empresa iria parar de voar. A empresa não chegou a completar seis meses operando, e tinha um projeto ousado.
Ao sair do aeroporto, os funcionários precisavam esconder os uniformes. A medida era necessária para evitar agressões de passageiros insatisfeitos com o abandono da aérea.
Antes disso, a empresa já acumulava atrasos de salários e de pagamento de direitos trabalhistas. Semanas antes, o plano de saúde havia sido cortado.
Mesmo com os problemas acumulados, muitos funcionários diziam não acreditar que isso pudesse acontecer naquele momento. A empresa devia a fornecedores e a ex-funcionários, que se queixavam anonimamente ao UOL que não recebiam seus salários.
Durante o fim da tarde e noite daquele dia, aeroportos estavam sob um clima tenso. Falta de informações, voos que não aconteceriam mais, ausência de profissionais, entre outros fatores, levaram à situação caótica.
'AeroITA, adeus!'
O penúltimo voo da Itapemirim a pousar foi marcado por um adeus do piloto à torre de controle. O voo 5339 partiu de Brasília (DF) com destino ao aeroporto de Guarulhos (SP), chegando por volta das 21h.
Após o pouso, os pilotos receberam as instruções para onde deveriam levar o avião para desembarcar os passageiros. Após repetir emocionado no rádio o comando da torre de controle (procedimento que serve para constatar que tudo o que foi dito foi compreendido adequadamente), o piloto diz: "AeroITA 5339, adeus!".
Na frequência de rádio, ainda é possível ouvir os pilotos pedindo que uma escada pudesse ser providenciada para que os passageiros fossem retirados da aeronave. Horas antes, a empresa que prestava os serviços especializados em solo para a Itapemirim havia cessado suas atividades no local devido à falta de pagamento.
Sindicato fez operação de resgate
Após a Itapemirim deixar tripulantes espalhados pelo Brasil, sindicalistas realizaram uma operação para ajudar os funcionários da empresa. O SNA (Sindicato Nacional dos Aeronautas) promoveu uma força-tarefa para resgatar os profissionais abandonados pelo país e que não teriam como voltar para casa.
Deslocamentos foram pagos para que os tripulantes pudessem chegar aos aeroportos. O SNA também conversou com as empresas aéreas para que quem estivesse longe de sua base ou de casa pudesse voar de graça, já que haviam sido deixados na mão pela Itapemirim.
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Quero receberClauver Castilho, secretário-geral do SNA, lembra de outras medidas para conseguir realocar os profissionais no mercado de trabalho. Entre elas, foi feito um banco de currículos e encaminhado as empresas.
O Sindicato hoje mantém uma série de ações coletivas contra a empresa aérea. São pretensões de receber verbas alimentares, os direitos trabalhistas negligenciados pela empresa.
"O SNA aguarda os julgamentos e os repasses dos valores deixados em aberto, como salários, diárias, vale-alimentação, entre outros pontos que a Itapemirim não cumpriu. Nesse momento, buscam-se valores da empresa que possam ser usados para quitar esses débitos"
Clauver Castilho, do SNA
Sidnei Piva
O criador da Ita Transportes Aéreos, Sidnei Piva de Jesus, enfrenta hoje uma série de processos judiciais. Em diversos, ele é considerado revel, ou seja, não se manifestou sobre as acusações, em sua maioria, sobre reembolso de passagens não cumpridas e danos morais.
O UOL vem tentando contato com ele há dois meses, mas não conseguiu encontra-lo via telefone ou em um de seus endereços.
Processos ficam sem advogado. O UOL encontrou dois advogados que ainda constam nas dezenas de processos envolvendo Piva. Um não retornou os contatos da reportagem e outra disse que não representava mais o empresário apesar de constar como ativa em processos cadastrados no Tribunal de Justiça de São Paulo.
Em setembro, a Justiça autorizou que o imóvel onde Piva mora fosse arrombado para buscar dinheiro para quitar dividas com credores. A informação é do colunista do UOL Rogério Gentile.
Anteriormente, Justiça afastou o empresário da gestão do Grupo Itapemirim, dono da empresa aérea. Ao mesmo tempo, foi determinado que ele utilizasse tornozeleira eletrônica.
A criação da empresa
A empresa, pertencente ao Grupo Itapemirim, começou a voar em meados de 2021. Sua decolagem aconteceu pouco tempo após a empresa dar entrada nos pedidos junto aos órgãos públicos para ter sua operação regularizada.
Muito se falava sobre como o grupo, que se encontrava em recuperação judicial, poderia abrir uma empresa, ainda mais, aérea. Ao mesmo tempo, existia uma dívida tributária superior a R$ 2 bilhões em nome do grupo.
A empresa aérea chegou a ter sua falência decretada pela Justiça em julho deste ano. Entretanto, a medida foi revertida em segunda instância e a falência está suspensa desde agosto.
Até hoje, a maior parte dos funcionários e dos clientes afetados não receberam os valores reconhecidos na Justiça. A empresa não pode voltar a voar, já que teve seu certificado de operador aéreo suspenso pena Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).
Curiosidades
- As matrículas das aeronaves homenageavam pessoas ligadas à companhia. Uma delas, um A320 registrado como PP-SPJ tinha as iniciais do fundador da empresa, Sidnei Piva de Jesus.
- A empresa prometia despacho gratuito de bagagem em seus voos, indo contra a corrente do mercado, que cobra para enviar malas.
- O voo inaugural contou com um show a bordo do humorista Diogo Portugal.
- Os preços praticados no começo da operação eram mais vantajosos que os das concorrentes, e oscilavam menos com o passar do tempo.
- As aeronaves da empresa foram utilizadas para um fretamento de torcedores para a final da Libertadores da América de 2021, que aconteceu em Montevidéu (Uruguai). Ao mesmo tempo, voos programados dentro do Brasil foram cancelados para que os voos fretados pudessem ser realizados, o que levantou queixa de passageiros não puderam voar.
- Todos os aviões da companhia já foram devolvidos e hoje estão sob responsabilidade de outras empresas mundo afora.
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