Ela foi a 1ª mulher a comandar o avião presidencial: conheça Carla Borges
Instituições militares são, historicamente, ambientes predominantemente masculinos. No Brasil, nas últimas décadas, as Forças Armadas começaram a aceitar mulheres em seus quadros, mas, prioritariamente, na área da saúde.
Em 2003, a FAB (Força Aérea Brasileira) dava início à formação de sua primeira turma de aviadoras. Essas alunas passaram a desbravar a aviação militar para as mulheres, e diversas delas se tornaram pioneiras.
Uma delas é a major aviadora Carla Alexandre Borges. Ela coleciona vários pioneirismos em seu currículo, entre eles, os de ser a primeira mulher na FAB a:
- Pilotar um caça
- Lançar uma bomba
- Comandar o principal avião presidencial
- Se tornar major aviadora
Desde pequena, esta paulista de Jundiaí adorava ver aviões, e sempre recebeu o apoio da família. Ela estudava para ingressar no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), quando surgiu a oportunidade de realizar o sonho de se tornar aviadora e pilotar um caça.
Hoje, também é mãe de uma menina, recém-nascida. Ela conversou com o UOL ainda no hospital, depois do parto, para contar sobre sua trajetória e falar sobre o papel das mulheres no mundo da aviação militar.
Início na FAB
Carla Alexandre Borges ingressou na FAB na primeira turma que formou mulheres aviadoras. Foi apenas a partir de 2003 que a Aeronáutica ofereceu o curso que permitiu que uma mulher se tornasse piloto de avião.
Sua formação inicial foi na AFA (Academia da Força Aérea), em Pirassununga (SP). A sua turma era composta por 180 cadetes, sendo que 20 eram mulheres. Ao final, apenas 100 deles se formaram, e apenas 11 eram do sexo feminino.
Ao final do quarto ano de formação, escolheu seguir na aviação de caça, uma das três alternativas para quem conclui o curso. As outras duas alternativas seriam a aviação de transporte e de asas rotativas (helicópteros).
A aviação de caça costuma ser a mais disputada. Apenas os pilotos com o melhor desempenho durante a formação conseguem uma vaga no curso de formação específico. E foi assim com a major.
Sonho de infância
Carla diz que sempre quis voar um caça desde criança, e que também foi influenciada pelo filme "Top Gun". Seu esforço lhe rendeu a conquista desse sonho, abrindo caminho para que outras garotas pudessem sonhar.
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Quero receberEla foi a primeira mulher a voar o avião ALX A-29 Super Tucano durante sua formação na Base Aérea de Natal (RN). O modelo é fabricado pela Embraer, e, embora seja considerado um caça, também é um avião de ataque ao solo.
Nos anos seguintes, ela foi para a Base Aérea de Boa Vista (RR), ainda voando o A-29. Ali, ficou três anos realizando missões na fronteira, até ir para a Base Aérea de Santa Cruz, no Rio de Janeiro.
Na capital fluminense, novamente foi a primeira mulher a conquistar um outro marco. Dessa vez, a comandar um caça de primeira linha da FAB, o AMX A-1, no ano de 2011. Ficou ali por três anos e meio.
Até que, em 2014, foi convidada pelo então comandante da FAB, o tenente-brigadeiro Juniti Saito, para ocupar o cargo de ajudante de ordens em Brasília. Permaneceu na função até 2015, quando o militar se aposentou.
Dilma e o avião presidencial
Enquanto atuava na cúpula da FAB, a major integrava o GTE (Grupo de Transporte Especial), responsável pelo transporte de autoridades no Brasil. Ali, se especializou no comando do VC-99, um Embraer Legacy.
No ano de 2015, a então presidente Dilma Rousseff disse ter preferência pela indicação de mulheres pelas Forças Armadas para compor o seu quadro de ajudantes de ordens. Esses militares são considerados assistentes ou secretários pessoais dos presidentes ou outros militares em elevada posição hierárquica.
Com isso, o nome de Carla foi indicado pela FAB para ocupar o posto. Foi nesse período que ela iniciou o curso de especialização para pilotar o VC-1 Santos Dumont, uma aeronave Airbus A319 de uso exclusivo da Presidência da República.
Em 2016, com a saída de Dilma Rousseff do poder, acabou não conseguindo levar a presidente em um voo. Apenas no fim daquele ano é que teve a oportunidade de decolar no VC-1 com um presidente a bordo, no caso, Michel Temer.
Ela permaneceu no comando do avião presidencial no GTE até 2021, durante a gestão Bolsonaro, de onde foi transferida para o Comae (Comando de Operações Aeroespaciais), também em Brasília.
Enquanto concedia essa entrevista, ela cuidava de sua primeira filha, recém-nascida, ainda no hospital. Veja a seguir um resumo dos principais pontos da conversa com a major:
Incentivando outras mulheres
UOL: Embora a FAB aceite pessoas do sexo feminino em seus quadros desde a década de 1980, passaram-se quase 30 anos até uma mulher pilotar um caça pela primeira vez. Por que acredita que houve todo esse espaço de tempo?
Major Carla Alexandre Borges: A carreira militar é, tradicionalmente, masculina. A força física é diferente, mas não quer dizer que nós não temos como fazer as mesmas funções.
A FAB não tem uma história tão longeva em comparação com outras forças aéreas do mundo. Mas, quando a Aeronáutica do Brasil abriu a chance para uma mulher se tornar aviadora, permitiu que ela atuasse em todos os ramos da aviação, e não só no transporte, por exemplo, como ocorreu em alguns países.
Ainda é preciso observar o interesse do público feminino. Na Academia da Força Aérea, a maior parte das intendentes são mulheres, pois são áreas onde há mais interesse por parte delas.
E o tratamento é igual para todas as pessoas, tanto homens quanto mulheres.
UOL: Qual foi a sensação de ser a primeira mulher a pilotar um caça na FAB?
Major Carla Alexandre Borges: Eu, desde pequena, sonhava com isso. É mais uma realização pessoal. Eu sempre quis ser piloto de caça, e tudo o que passei foram etapas da conquista de um sonho.
Ser da primeira turma gera um pouco de receio, pois não tem ninguém que foi na frente abrindo a porta para você. Mas, depois, a gente vê que a acaba incentivando outras a seguirem o mesmo caminho.
Na AFA, outras meninas acabavam procurando a gente para falar sobre como era o nosso dia a dia, por exemplo.
UOL: Acredita que está sendo um exemplo para outras pessoas que queiram ingressar na carreira?
Major Carla Alexandre Borges: A minha turma, por ser a primeira de mulheres aviadoras, teve muita responsabilidade. Íamos mostrar se ia dar certo ou não. Seríamos o termômetro do sim ou do não na instituição. Tudo o que a gente fizesse, de bom ou de ruim, iria repercutir, e seria usado como exemplo.
Algumas colegas de turma foram mães mais tarde, se dedicaram muito à carreira por mais tempo. Outras, por sua vez, foram mães mais cedo, e já voltaram a voar.
UOL: Que tipos de desafios encontra no cotidiano?
Major Carla Alexandre Borges: Geralmente, quando a gente chega em uma unidade nova, com quem nunca trabalhou com mulheres, as pessoas se questionam se daríamos conta do trabalho. Já tive de ouvir comentários de que só consegui me formar por ser mulher, que acabaram "pegando leve".
Junto a isso, alguns exigiam mais de nós do que dos outros, às vezes, justamente para ver se aguentávamos o tranco. Mas, na média, fomos tratadas com igualdade.
Quando entramos na AFA, o comandante do órgão, inclusive, reuniu os oficiais para dizer que não queria tratamento diferenciado.
Hoje, estamos quebrando esse paradigma de "não sei como é que é trabalhar com mulheres" que ainda existe, já que a maioria dos órgãos continua sendo formada por homens.
Acho que sempre vai ter uma pessoa ou outra que vai tratar com um pouco de diferença, mas pode ser também inveja da pessoa que queria estar no nosso lugar [diz aos risos].
Não acredito que esse tratamento vá acabar, mas vai diminuir ao ponto de existir uma convivência tolerável.
UOL: Já precisou colocar alguém no seu devido lugar?
Major Carla Alexandre Borges: Sim, e independentemente do posto. Não vou abaixar a cabeça seja para quem for, mas faço isso de maneira respeitosa. É difícil as pessoas te atacarem de frente, são mais os comentários que a gente escuta por aí.
Ao final, eu acabo não levando levo muito a sério esses comportamentos.
UOL: Como foi trabalhar com três presidentes (Dilma, Temer e Bolsonaro)?
Major Carla Alexandre Borges: Sempre fui muito bem tratada por todos os presidentes. Tive um relacionamento respeitoso com todos. Cada um tem um temperamento diferente, mas sempre foram muito respeitosos comigo.
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