Todos a Bordo

Todos a Bordo

Reportagem

'Luto para que ninguém passe por isso': Os 15 anos da queda do voo AF447

No dia 1º de junho completam-se 15 anos da queda do voo 447, da Air France. Até hoje, familiares brigam na Justiça para que as empresas envolvidas sejam condenadas criminalmente pelo acidente.

O voo

O voo AF447 decolou no começo da noite do aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, com destino ao aeroporto Charles de Gaulle, em Paris (França). O avião era um Airbus A330.

A bordo estavam 228 pessoas. Entre os passageiros, 61 eram franceses, 58 eram brasileiros e 28 eram alemães, além,, ainda, de nove italianos, dois espanhóis, um argentino e cidadãos de outras nacionalidades.

Por volta das 22h33, os pilotos realizam seu último contato com o órgão de controle de tráfego aéreo brasileiro. Aproximadamente às 23h14, ainda no horário de Brasília, o avião saiu da área de cobertura via radar.

Na manhã do dia seguinte, devido à falta de contato e de visualização do AF447, a FAB (Força Aérea Brasileira) iniciou buscas pela aeronave. Na tarde do dia 2 de junho, o então ministro da Defesa, Nelson Jobim, anunciou a descoberta dos primeiros destroços do avião, mas a informação foi desmentida pela Aeronáutica.

Airbus A330 de matrícula F-GZCP: Aeronave caiu no dia 1º de junho de 2009 quando fazia voo entre o Rio de Janeiro e Paris (França)
Airbus A330 de matrícula F-GZCP: Aeronave caiu no dia 1º de junho de 2009 quando fazia voo entre o Rio de Janeiro e Paris (França) Imagem: Pawel Kierzkowski, via Wikimedia Commons

Apenas em 6 de junho é que os destroços do avião foram encontrados, em uma área de difícil acesso. Pouco depois do acidente, a empresa anunciou que mudaria o código do voo AF447, e, hoje, o voo da Air France que decola do Rio de Janeiro com destino a Paris é identificado como AF443, e tem sido realizado por um Boeing 777.

Momentos finais na cabine

O avião passava por uma região com uma forte tempestade. Os tubos de Pitot, que são usados na medição da velocidade do avião, acabaram congelados, resultando em problemas que levaram à desconexão do piloto automático.

Continua após a publicidade

O piloto Pierre-Cedric Bonin era quem comandava a aeronave naquele momento. O outro piloto era David Robert. Após alguns instantes, sem entender o que ocorria, Bonin resolve acionar o comandante Marc Dubois. Ele havia saído da cabine para dormir pouco antes.

A falha ocasionada pelo tubo de Pitot causa uma inconsistência na leitura das velocidades pelo computador do avião. Diante desse cenário, por segurança, o piloto automático é desligado para que o avião seja comandado manualmente, evitando uma falha devido a um possível erro dos sistemas do avião.

O piloto que comandava a aeronave teria optado por subir o nariz do avião diante desse cenário. Com isso, o alarme de perda de sustentação apitou na cabine, indicando que o avião poderia perder sua capacidade de se manter em voo.

Nessas situações, o ideal é baixar o nariz da aeronave. Menos de dois minutos após o início dos problemas, o comandante da aeronave entrou na cabine, mas, mesmo sendo mais experiente, ele não conseguiu recuperar o voo.

Pitot - O tubo de Pitot tem um orifício voltado contra o vento para captar a pressão de impacto do ar. Essa pressão é enviada para o velocímetro e indica a velocidade do avião em relação ao ar. Com a obstrução do tubo de Pitot, os pilotos da Air France ficaram sem informações essenciais para o voo. A incoerência dos dados também desativou o piloto automático. Os pilotos não conseguiram lidar com a situação e o avião perdeu altitude até cair no Oceano Atlântico.
Pitot - O tubo de Pitot tem um orifício voltado contra o vento para captar a pressão de impacto do ar. Essa pressão é enviada para o velocímetro e indica a velocidade do avião em relação ao ar. Com a obstrução do tubo de Pitot, os pilotos da Air France ficaram sem informações essenciais para o voo. A incoerência dos dados também desativou o piloto automático. Os pilotos não conseguiram lidar com a situação e o avião perdeu altitude até cair no Oceano Atlântico. Imagem: Getty Images/iStockphoto/Brasil2

Após a queda

Embora parte dos destroços da aeronave tenham sido encontrados nos dias seguintes à queda, os gravadores de voo demoraram quase dois anos até serem localizados. Popularmente chamados de caixas pretas, apenas em maio de 2011 eles foram localizados no fundo do mar.

Continua após a publicidade

Nesse tempo, diversas operações para busca dos destroços e das vítimas foram realizadas. Entre maio e junho de 2011, mais 103 corpos de vítimas foram recuperados do oceano.

Após esse período, a França anunciou que 73 corpos permaneceriam no fundo do mar, não sendo resgatados.

Destroços do Airbus A330 que realizava o voo AF447, da Air France: Caixas pretas só foram localizadas quase dois anos após a tragédia
Destroços do Airbus A330 que realizava o voo AF447, da Air France: Caixas pretas só foram localizadas quase dois anos após a tragédia Imagem: Força Aérea Brasileira

O avião

A aeronave do voo era um Airbus A330-203, que havia entrado em serviço em 2005. A bordo, estavam 228 pessoas, sendo 216 passageiros e 12 tripulantes (nove comissários e três pilotos).

A aeronave havia chegado ao Rio de Janeiro no dia anterior à queda. Naquele momento, o comandante relatou que um dos botões de seleção dos rádios na cabine estava com problema, o que foi resolvido antes da decolagem.

Continua após a publicidade

O modelo A330 tem capacidade para levar até 406 pessoas a bordo, dependendo da configuração escolhida pela empresa aérea. Ele pode voar a uma distância de até 15 mil km e decolar pesando até 251 toneladas.

Ele tem as seguintes dimensões: Comprimento de 58,8 metros, largura de 5,64 metros, envergadura (distância de ponta a ponta da asa) de 64 metros e altura de 17,4 metros.

Familiares revoltados

Em abril de 2023, a Justiça francesa absolveu a fabricante europeia Airbus e a companhia Air France de possível culpa na queda do AF447. As empresas eram julgadas por homicídio culposo, ou seja, as mortes teriam sido causadas sem intenção.

Familiares de vítimas ouvidos pelo UOL demonstraram indignação com a absolvição. O presidente da Associação dos Familiares de Vítimas do Voo 447 (AFVV447), Nelson Faria Marinho, diz ter se sentido revoltado com a decisão.

"Senti uma revolta muito grande. Passaram a mão na cabeça das empresas. A empresa aérea é francesa. A fabricante da aeronave é francesa. Quem produziu a peça que apresentou problema foi uma companhia francesa. A investigação foi feita por um órgão francês. O julgamento foi feito na França. É a raposa cuidando do galinheiro".

Continua após a publicidade

Faria perdeu o filho, Nelson Marinho, na tragédia. Ele diz que, mesmo passados 15 anos do acidente, até hoje se empenha em favor da população brasileira e do mundo, para que outra situação como essa nunca mais aconteça.

Isso vai se arrastar pelo resto da minha vida. Perder um filho é dramático. Não dá para traduzir em palavras isso. Luto para que ninguém passe por isso
Nelson Faria Marinho, presidente da Associação dos Familiares de Vítimas do Voo 447

Outros familiares de vítimas do voo ouvidos pelo UOL não quiseram vir a público no momento no qual a tragédia completa 15 anos. Uma das justificativas é a lembrança do ocorrido e a sensação de impunidade após tanto tempo.

Em nota, a Air France prestou condolências aos familiares. "A Air France sempre se lembrará das vítimas deste terrível acidente, e expressa suas mais profundas condolências a todos os familiares e entes queridos", diz a empresa em nota.

O UOL entrou em contato com a fabricante Airbus para se manifestar sobre o acidente, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem. Sobre a investigação no Brasil, a Polícia Federal orientou o UOL a procurar a Justiça Federal. A Justiça Federal, por sua vez, nos orientou a procurar a Polícia Federal. O inquérito que investiga o acidente no Brasil está em sigilo.

Por que caiu?

Gravador de voo, também chamado de caixa preta, do voo AF447: Dispositivo só foi encontrado em 2011
Gravador de voo, também chamado de caixa preta, do voo AF447: Dispositivo só foi encontrado em 2011 Imagem: BEA
Continua após a publicidade

A investigação foi feita pelo BEA (Escritório de Investigações e Análises para Segurança da Aviação Civil). O órgão francês, responsável por analisar o acidente, concluiu que uma série de falhas, tanto pelo fator humano quanto técnico, causaram a queda.

Entre eles, se destacam:

  • O tubo de Pitot ficou obstruído por cristais de gelo. Com isso, houve inconsistências nas medições das velocidades, levando o piloto automático a ser desengatado automaticamente.
  • Esse tipo de falha, em altitude de cruzeiro e em meio a uma turbulência, não foi adequadamente gerenciada pelos pilotos que estavam no comando.
  • A aeronave perdeu sua sustentação, e não foram realizadas manobras adequadas para sair dessa situação.

Após a tragédia, uma série de recomendações foram feitas para garantir a segurança na aviação. Entre elas, estão:

  • A instalação de localizadores subaquáticos nas caixas pretas dos aviões que realizam voos comerciais sobre áreas marítimas para facilitar nas buscas em caso de acidentes.
  • Melhorar o treinamento de pilotagem manual para os pilotos estarem mais preparados para enfrentarem situações como as encontradas no voo.
  • Aprimoramento no sistema de controle de tráfego aéreo, em particular, entre o Brasil e Senegal, país responsável pelo monitoramento da área para onde o avião da Air France estava se dirigindo após sair do controle brasileiro.
  • Treinamentos em simuladores precisam ser mais fieis a situações fora do normal, incluindo o uso de fatores surpresa para trabalhar o lado emocional dos pilotos.

Na sequência do acidente, a empresa aérea acelerou a troca do modelo de tubo de Pitot que enfrentou problemas durante o voo por outro. Como há mais de um desses tubos no avião, alguns deles foram trocados por de outro fabricante.

Continua após a publicidade

Histórico

Veja a cronologia dos principais fatos envolvendo o acidente e a investigação (os horários são aproximados):

  • 31/05/2009 - O voo decola às 19h30 do aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, rumo a Paris (França).
  • 31/05/2009 - O avião cai no oceano Atlântico em águas internacionais por volta das 23h.
  • 1º/06/2009 - O desaparecimento do avião foi confirmado às 8h.
  • 02/06/2009 - Primeiros objetos que seriam do avião são avistados no mar, e o então ministro da Defesa, Nelson Jobim, confirmou que o avião caiu no oceano Atlântico.
  • 06/06/2009 - Os primeiros destroços do avião começam a ser encontrados.
  • 18/06/2009 - Entre a descoberta dos destroços e o dia 18 de junho, 50 corpos foram resgatados.
  • 24/05/2009 - Fim da terceira missão em busca dos destroços do avião.
  • 25/03/2011 - Início da quarta missão de busca dos restos da aeronave.
  • 02/04/2011 - Os destroços são encontrados a uma profundidade de cerca de 3.900 metros
  • 1º/05/2011 a 03/05/2011 - Gravadores de voo são encontrados e recuperados.
  • 03/06/2011 - Fim de nova missão que recuperou os corpos de outras 103 vítimas.
  • 05/07/2012 - Relatório final da investigação é divulgado, responsabilizando, principalmente, falha técnica e os pilotos pelo acidente.
  • 1º/06/2014 - Repercute a notícia de que a associação AFVV447 pedirá ao Ministério Público Federal do Brasil passe a investigar o acidente.
  • 29/08/2019 - Justiça francesa arquiva processo contra Airbus e Air France sem culpar as empresas. Ministério Público francês recorre da decisão.
  • 12/05/2021 - Arquivamento é anulado e caso volta a ser julgado.
  • 17/04/2023 - Nova sentença absolve a fabricante e a operadora do voo na esfera criminal, embora tenha reconhecido a responsabilidade civil das duas.
  • 26/04/2023 - Ministério Público da França recorre da absolvição.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

Só para assinantes