Crie uma empresa flexível para ser competitivo
Marco Roza *
Do UOL, em São Paulo
Você pode até tentar criar uma nova empresa como a Microsoft ou o Google ou colocar um X no final das suas iniciais para tentar repetir Eike Batista. Vai perder tempo e dinheiro, mas vai descobrir que o melhor custo-eficiência é apostar em nichos ainda não percebidos ou mal aproveitados pela concorrência.
E, paralelamente, poderá se envolver e estimular ações e atitudes de seus parceiros que convirjam para seu objetivo.
Aparentemente é fácil sugerir, mas colocar em prática a determinação de um projeto requer flexibilidade para interagir e respeitar parceiros ao longo de anos, talvez décadas; energia para que suas ideias sejam assimiladas e colocadas em prática pelo conjunto de seus parceiros, sem conflitar com suas motivações básicas e muitas vezes se dar por feliz se seus aliados assumirem suas principais bandeiras e criarem uma onda que o arrasta para seus objetivos.
Hoje, o mercado brasileiro está cheio de novas oportunidades para se criar projetos para cuidar de idosos; faltam creches de qualidade para crianças; existe demanda para se investir em ambientes de convivência em línguas estrangeiras; podem se criar pequenos escritórios de arquitetura e de engenharia para otimizar obras residenciais ou modernizar as residências que cresceram sem nenhum tipo de planejamento nas periferias.
Ou ainda, é possível estabelecer acordos com os grandes fabricantes de tintas e acrescentar cores às casas das comunidades, que avançaram apenas até o tijolo e o reboco, mas que pararam aí.
Contudo, cada um desses projetos (e muitos outros) só carregará sua marca se você se preparar para o longo prazo e se manter tensionado, indagador, conversador e propagandista de si mesmo, todos os dias e horas a partir do momento em que decidir que o projeto é parte integrante de sua vida e ao mesmo tempo conseguir contagiar de vida todo o seu projeto, desde a concepção até a manutenção do mesmo em operação.
Ou seja, adotar atitudes paralelas de gerenciamento, em vez de se prender à clássica postura linear e sequencial de fazer apenas uma coisa por vez. Se inspire na alma feminina, nos compositores e nos donos de restaurantes e aprenda a se tornar multifuncional, em tempo real, sem perder a curiosidade e a empatia com sua cadeia produtiva, ou seja, seus fornecedores, colaboradores e clientes finais.
Difícil? Muito. Por isso, algumas empresas dão certo e outras viram estatísticas de insucesso dois ou quatro anos depois de abertas.
Desempenho na mudança
Estar preparado para mudança permanente significa que o empreendedor está sempre disposto a adotar novas experiências gerenciais. Desde que tenha sempre consciência que existe uma diferença essencial entre a mudança que agrega valor e a mudança aleatória, que simula ocupação e que só é realmente percebida como erro quando o balanço anual registra prejuízo.
Portanto, o primeiro cuidado a se adotar é criar mecanismos que ajudem o novo empresário a confirmar os ganhos de cada inovação e, ao mesmo tempo, se manter determinado a suspendê-las quando se confirmam que as novas práticas gerenciais o colocaram num beco sem saída, refletidos em balanços negativos, aumento do endividamento e, principalmente, perda dos clientes arduamente conquistados.
O perigo de se manter a empresa num beco sem saída são os acertos do passado se cristalizarem no ego do principal executivo. Que cria, em muitas empresas, um alinhamento gerencial rígido que impede a organização de absorver, através de seus principais aliados, empregados e clientes finais os sinais de mudanças que o mercado emite, constantemente. E de graça.
Ouvir em paralelo
A dificuldade em administrar em paralelo, que aprenderíamos se conseguíssemos imitar as manifestações vitais da natureza, das mulheres e dos compositores de sinfonias deve-se ao fato de não conseguirmos, também, ouvir em paralelo.
Geralmente, depois da consolidação de nossas vidas profissionais só ouvimos o que nos interessa e que se ajusta aos nossos hábitos. Para um empreendedor é um perigo enorme se manter surdo às várias nuances que o mercado e seus potenciais consumidores estão lhe entregando de graça todos os dias e em todas as interações.
Por exemplo, a Microsoft custou para ouvir o Google. O Google custou para ouvir o Facebook, que não ouviu a tempo mas que acabou pagando US$ 1 bilhão pelo Instagram.
Hoje, por exemplo, as lojas e principais redes de varejo não ouvem em paralelo o clamor de seus consumidores contra juros embutidos nas compras que só se confirmam através das obrigatórias dez prestações.
Não dão atenção paralela também à mudança repentina de humor entre a venda (e compra) e a execução de eventuais dívidas repassadas a empresas de cobrança terceirizadas.
O pior, os lojistas se tornaram cúmplices das financeiras e entraram na onda de oferta de crédito inconsequente, sem fazer o ajuste que se mostrará necessário de ajudar seus clientes a consumir responsavelmente.
Quem ouvir esse apelo que se materializa através de inadimplência ou até mesmo de falência pessoal poderá posicionar sua marca e empresa que crescerá impulsionada por essa necessidade mais do que tangível de se consumir sem perder o controle das próprias finanças. Que é a condição essencial, que o mercado já sinaliza, mas quem ouve?, de consolidar o consumo responsável sem perder a dignidade jamais.
Aprenda a ser multifuncional com o movimento dos redemoinhos
Os momentos de reflexão mais intensos de um empreendedor geralmente acontecem quando acorda e se prepara para o novo dia à frente. É possível que se repita, ao longo de sua higiene pessoal, o contato mesmo que despercebido com os redemoinhos que cria na banheira ou na pia.
Por instantes, vê-se emergir aparentemente do nada um redemoinho que se mantém por segundos e desaparece quando se reduz o fluxo de água da torneira.
E, se quisermos repeti-lo, vamos precisar de um ajuste cuidadoso até que o redemoinho emerja novamente nos mostrando o que Helene Shulman descreve como a analogia mais adequada para um sistema que se auto-organiza como as formas de vida mais simples que nos rodeiam, no seu livro "Living at the Edge of Chaos", que poderíamos traduzir como "Vivendo na Margem do Caos".
"Para aproveitarmos essa analogia e tentarmos entender as formas mais simples de auto-organização da vida biológica teríamos que imaginar que o redemoinho aprende a aprender, e gradualmente avança até a torneira que é sua fonte de energia e controla o fluxo. Assim, o redemoinho teria evoluído até conseguir um gerenciamento automático do fluxo de água que seria necessário para prolongar sua existência", relata a autora.
Com a leitura do livro aprendemos também que os seres vivos, como um redemoinho que evoluiu, conseguem emergir e se manter à margem do caos porque se auto-organizariam em redes paralelas e não lineares, como acontece com os computadores e com o modelo gerencial de muitas empresas.
Poderíamos usar outra analogia para tentar traduzir o que são redes paralelas. Seria o que popularmente chamamos de "um por todos e todos por um", como se cada gota do redemoinho se esforçasse para acessar e gerenciar o fluxo da torneira, respeitando uma hierarquia natural que estabelecesse com as demais gotas.
Além dos redemoinhos que nós acidentalmente criamos pela manhã vemos formas complexas de organização em enxames de abelhas, no voo sincronizado dos pássaros ou nos deslocamentos dos cardumes.
E se esses acontecimentos nos impressionam é porque intuitivamente percebemos a dificuldade de se criar uma organização em que todas as partes se comportariam harmoniosamente, respeitando o que gostaríamos ser nossos propósitos empresariais.
É aí nos "nossos propósitos empresariais", quando organizamos a empresa que é absolutamente dependente de um modelo gerencial vinculado à nossa autoridade absoluta como donos, que geralmente perdemos a oportunidade de criar uma organização viva, pulsante e lucrativa ao longo dos anos.
Nos modelos de gerenciamento linear que estamos acostumados a adotar, sequenciamos as ações. Mesmo diante da necessidade inadiável de um grande cliente, na maioria das vezes temos como respostas prontas que precisamos analisar o problema; em seguida agregar talentos para resolvê-lo e apresentar soluções que terão que ser previamente testadas.
Quando qualquer dona de casa nos seus afazeres domésticos age simultaneamente, através de inputs constantes, para consolidar a solução de três ou mais níveis de problemas diferentes e chega ao fim do dia exausta mas mantendo a casa organizada, as crianças na escola e ainda encontra tempo para a convivência emocional com toda a família.
Esse tipo de organização paralela, que resolve vários problemas em vários níveis, simultaneamente, ocorre também nos restaurantes e na composição e execução de uma sinfonia ou de uma ópera.
Talvez sem a eficiência de um organismo vivo, mas são exemplos que deveriam inspirar o novo empreendedor que pretenda criar uma empresa que teria, acreditamos, melhores chances de sobreviver ao longo dos anos e que se manteria competitiva e, principalmente, lucrativa.