Organize sua empresa como uma pelada de várzea e corra rumo aos lucros
Marco Roza *
Colunista do UOL, em São Paulo
"Somente a crença em si mesmo proporciona ao indivíduo a autoconfiança para caminhar em direção ao desconhecido e persuadir outros a irem aonde ninguém esteve antes", nos ensina Charles Handy, em "A nova linguagem da administração e suas implicações para os líderes.
Mas... Sempre tem um "mas" e acrescenta: "Todavia, precisa ser combinada com uma dúvida razoável, a humildade de aceitar que às vezes podemos estar errados, que outros também têm ideias e que ouvir é tão importante quanto falar".
Falar é fácil, diriam nossos amiguinhos e amiguinhas de infância, fazer é que são elas. Ou como me ajudou a recordar o jornalista e escritor Wagner Carelli, em nossas agradáveis reflexões semanais, talvez fosse adequado resgatar a maneira como as crianças planejam e executam seus projetos.
"Ao recordar nossas atividades na infância descobrimos que quase não há diferença entre os projetos e a sua realização. Quando decidíamos que a atividade seria uma partida de futebol, já saímos com a bola na mão em direção ao campinho mais próximo e no meio do caminho já montávamos nossa equipe", me ensina Wagner Carelli.
Resgatar experiências lúdicas
O próprio jogo acontecia sob o véu lúdico que lhe deu origem. "E jogávamos pra valer, aprendíamos palavrões novos, mas nunca perdíamos a alegria e a certeza de que nosso time era melhor do que o adversário", lembra Carelli que, como ele mesmo confessa, foi um péssimo jogador de pelada.
Voltemos a Charles Handy e à autoconfiança do empreendedor que deve ser viral o suficiente para contagiar seus associados rumo ao desconhecido. O desconhecido talvez intimide a maioria dos mortais que ainda não tem o viés empreendedor porque ainda não se percebe radicalmente vinculada à própria realidade.
Em nossas profundezas pulsam todas as possibilidades futuras e que nem sempre são percebidas porque as diluímos no nosso dia a dia. E na insegurança que essa dúvida atroz nos condena, acabamos por nos tornar reféns de outros líderes empresariais, mais determinados que a gente, e que nos fazem trabalhar para eles, em troca de um salário nem sempre adequado às nossas necessidades.
Se aprendermos a confiar em nossa visão intuitiva a respeito do potencial do negócio que estamos montando e enfrentarmos com lucidez e ludicamente nossos medos, conduziremos nossa empresa seguindo a energia, determinação e alegria com as quais Wagner Carelli participava das peladas na sua infância.
Escalação do time
A escalação do time respeitava afinidades pessoais entre o "dono do time" e a capacidade do jogador escolhido de não fazer um papel muito feio em campo. É assim até hoje. Basta aproveitarmos as festas de fim de ano nas empresas e caso improvisem um jogo de futebol, preste atenção como se montam os times.
Mas o mais importante, o time era montado e desmontado em todas as oportunidades que as crianças tinham tempo para um joguinho. Ou mesmo ao longo da partida, quando se descartavam ou escalavam jogadores. E a seleção natural se impunha. A ponto de Wagner Carelli ter se percebido como um péssimo jogador de futebol.
Durante a partida, a cada ataque bem-sucedido do time adversário, recebíamos uma avaliação clara e objetiva de nosso desempenho. Gol é gol e não se discute. Tem tanto vigor quanto uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Mas se realiza dentro de uma dinâmica que um gol adversário pode ser compensado (enquanto a partida durar) com um gol de nosso time.
E os gritos e palavrões nos obrigavam a ouvir com clareza as críticas de nossa torcida e dos jogadores do nosso próprio time e da mesma maneira nos ajudava a perceber a determinação ou o pânico de nossos adversários.
No movimento do time rumo ao gol adversário, ainda crianças, já assimilávamos e incorporávamos as críticas e os novos pontos de vista estratégicos de nosso time e dos palpiteiros na borda do campo à nossa arrancada rumo ao gol.
Terminada a partida, vencedores e vencidos já saiam para as próximas brincadeiras, mas mantinham a memória do desempenho individual de cada um dos jogadores que participaram do evento.
Como empreendedores ainda estamos lá naqueles campinhos de várzea. Não temos medo do desconhecido porque acreditamos, de verdade, que estamos preparados para vencer nossa partida. E, apesar de não sermos mais crianças, o que nos distinguirá da nossa concorrência é tocar a empresa como se organizássemos uma brincadeira pra valer.
Com uma equipe que escolhemos a dedo mas sem medo de escalar ou descartar os jogadores em função do desempenho do time. Contando a cada dia, os gols que fazemos nos adversários. E avaliando, em tempo real, porque sofremos essa ou aquela derrota pontual.
E nos mantermos sempre preparados para na próxima oportunidade reorganizar melhor a equipe, correr os riscos que se espera da nossa liderança e avançar rumo ao mercado para consolidar um campeonato a nosso favor.
O sábio Wagner Carelli é corintiano.