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Não me contrataram no banco porque eu era gorda, diz estudante de direito

Chrislayne Mansano foi rejeitada de vaga em um banco por estar acima do peso - Arquivo pessoal
Chrislayne Mansano foi rejeitada de vaga em um banco por estar acima do peso Imagem: Arquivo pessoal

Ricardo Marchesan

Do UOL, em São Paulo

27/01/2015 06h00

Quando tinha 19 anos, a estudante de direito Chrislayne Mansano, 24, se candidatou a uma vaga de representante de vendas em um banco de Ourinhos, a 378 km de São Paulo.

Ela passou pelas duas primeiras etapas do processo, mas, na entrevista presencial, ouviu da gerente que fazia a seleção que, apesar de suprir as necessidades intelectuais do cargo, ela não tinha a aparência correta.

"Perguntei: 'Como assim?', e ela me disse: 'Acho que está me entendendo, você está fora dos padrões para trabalhar em um banco'", conta.

Para Chrislayne Mansano, ficou óbvio que o seu peso -com 1,73 m, pesava 136 kg na época- foi o fator que a impediu de conseguir a vaga. "Ela foi clara, não teve o que esconder. Fui embora e fiquei três dias sem sair de casa".

Hoje ela diz pesar em torno de 100 kg, não participou de outros processos de seleção e trabalha na empresa do pai, como vendedora.

"A lei brasileira protege o trabalhador de qualquer tipo de discriminação, seja na seleção, durante o exercício ou no desligamento", afirma Adriana Calvo, professora de direito do trabalho da FGV (Fundação Getúlio Vargas) do Rio de Janeiro. Pessoas obesas têm os mesmos direitos de deficientes, por exemplo.

A aparência de um candidato não pode pesar na seleção. Anúncios de emprego não podem fazer referência a sexo, idade, cor ou situação familiar para determinar um perfil do candidato.

"A única exceção é quando a função notoriamente exigir isso, seja por causa de uma lei, convenção coletiva ou estudo científico que comprove essa necessidade", diz a advogada.

Comprovar a discriminação na hora da seleção é difícil

Ainda que existam casos na Justiça de condenações a empresas que praticaram discriminação contra funcionários acima do peso, Adriana Calvo afirma que isso é mais difícil de ser comprovado quando acontece na admissão: "o recrutador não diz ao candidato o motivo real da rejeição. Costuma arranjar alguma desculpa".

Carolina Mascarenhas, 30, é veterinária formada em 2011 pela Unesp. Atualmente, trabalha em um hospital para animais na capital paulista, mas custou para arranjar emprego e diz que foi rejeitada em seleções por estar acima do peso. Ela tem 1,69 m e 152 kg.

"Foram quatro seleções diferentes. No contato por telefone ou por e-mail, disseram que estavam impressionados com meu currículo, que a entrevista seria apenas para formalizar uma contratação", conta. "Mas quando ficaram frente a frente, desconversaram e disseram que iriam entrar em contato ou que eu não tinha o perfil que procuravam".

Adriana Calvo afirma que o Ministério Público pode analisar o perfil dos funcionários de uma empresa para perceber a discriminação. "O Ministério pode constatar uma discriminação indireta, quando vê que há poucos funcionários com determinada característica, como negros, mulheres ou obesos. Mas é muito difícil", diz.

Para o candidato que se sinta discriminado durante a seleção, Adriana Calvo recomenda que arranje provas para embasar isso, como gravar a conversa em que é dado o motivo para a não contratação, ainda que ela mesma duvide. "Qual profissional de RH vai falar uma coisa dessas?"

Candidatos em concursos públicos são discriminados por causa do peso

Se em empresas privadas a discriminação contra pessoas obesas durante a seleção pode ser mais difícil de detectar, no setor público muitas vezes elas são declaradas.

Em 2013, 39 professores aprovados em concurso público para a educação básica no Estado de São Paulo foram considerados inaptos nas perícias por causa de obesidade. No ano passado, o mesmo motivo foi alegado para rejeitar um professor de química aprovado em 5º lugar em concurso em Aguaí (SP).

Segundo Adriana Calvo, casos assim também são discriminatórios. "Isso é ilegal e hipócrita. Como o poder público pode exigir exames discriminatórios, quando nem a iniciativa privada costuma fazer isso?".