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O ano do Solana: como criptoativo desacreditado teve alta de 1.000%

Em 2020, a Tesla tornou-se a montadora de carros mais valiosa do mundo. Isso apesar de ter vendas que representam menos de 2% do volume de automóveis vendidos pelos líderes do setor, Volkswagen e Toyota.

Na época, o mercado já precificava um futuro- que três anos depois continua um tanto distante-onde os carros elétricos, que na época só representavam 2,5% dos novos automóveis, dominariam as estradas, tendo a Tesla como líder dessa revolução.

No mundo dos criptoativos, o mesmo fenômeno predomina, porém, de forma ainda mais intensa. Com uma indústria tão incipiente, os fundamentos pouco importam; o que "faz preço" são as narrativas, e como investidor de criptoativos, você aposta em uma revolução tecnológica que, no momento, é ameaçada por uma longa lista de dúvidas e incertezas.

Criptoativo do ano

No ano de 2023, nenhum protocolo foi tão beneficiado por uma mudança de narrativa como a blockchain Solana. O seu token, SOL, era negociado a pouco mais de US$10 na virada do ano passado. Quase doze meses depois, no dia do Natal, o mesmo token registrava preço de US$125; uma alta de mais de 1000% em 12 meses.

Esses retornos não são incomuns no mercado de criptoativos, mas essa escalada para um retorno de quatro dígitos fez do SOL o token mais performante entre as "mega caps" (protocolos com grande valor de mercado) em 2023.

Solana, a resposta do venture capital ao Ethereum

Para os que não conhecem bem o protocolo, eis uma breve introdução: o Solana é uma plataforma de contratos inteligentes. Ou seja, é um ambiente digital onde pessoas e entidades prestam serviços uns aos outros mediante pagamento denominado no seu token nativo, o SOL.

O Solana foi criado para rivalizar com o Ethereum, o mais antigo e líder consolidado em quase todos os KPIs que medem o desenvolvimento desses ecossistemas.

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Diferente do Ethereum—que foi criado de forma "orgânica" por meio de um ICO (a sigla para oferta de moedas inicial em inglês) onde qualquer investidor poderia participar enviando bitcoins para um endereço específico e depois receber uma quantia predeterminada do seu token (ETH) através de um contrato inteligente—o Solana foi financiado por uma metodologia tradicional do mercado financeiro, com fundos de venture capital, investidores privados e parcerias estratégicas.

De certa forma, o Solana surgiu em 2017 como uma resposta do mundo tradicional de investimentos e startups ao surgimento do Ethereum. Além de buscar financiamento de forma diferente, o Solana se diferenciou do Ethereum através das suas prioridades

Enquanto o Ethereum se recusou a abrir mão da característica essencial do mundo das criptomoedas, a descentralização, os criadores do Solana não hesitaram em implementar barreiras de entrada proibitivas para validadores que buscavam participar da futura rede. Esse trade off foi feito para garantir uma maior capacidade de processamento de transações cobrando taxas menores.

Hoje, é possível validar transações no Ethereum com um Playstation 4 hackeado (modelo lançado em 2013). Para participar do mesmo processo no Solana, você precisará de um servidor ou workstation que, aqui no Brasil, deve custar em torno R$ 50.000 ou mais.

De forma resumida e simplificada, tanto o seu método de financiamento como os seus requerimentos para validadores favoreceram grandes fundos, empresas e investidores ao detrimento do grande público nativo das blockchains.

Um semestre de grandes desafios

Em janeiro de 2023, tudo indicava que essa tinha sido a aposta errada. A rede caiu mais de dez posições no ranking de valor de mercado; da quinta mais valiosa para a décima sexta. O bear market já tinha se instalado, mas a perda de 95% do seu valor indicava que algo além das condições macroeconômicas debelava o preço do seu token.

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Um desses fatores foi a implosão da FTX, corretora que se tornou insolvente no final do ano passado. A queda da FTX abalou o mercado como um todo, mas imprimiu efeito ainda mais devastador sobre o preço do SOL. A Alameda Research, braço de trading da FTX, foi um dos investidores iniciais do Solana.

Agora insolvente, a FTX, que detinha 50 milhões de tokens SOL, já estava planejando a liquidação dos ativos para honrar os seus credores. Além da ameaça de uma venda súbita de dezenas de milhares de tokens no mercado, a queda da FTX—ou, melhor, da figura enigmática que era o seu fundador, Sam Bankman-Fried—também maculou a imagem do protocolo, já que Sam era o padrinho mais vocal e visível do projeto.

A contaminação causada pela implosão da FTX e a queda da máscara do seu CEO vieram na esteira de rumores que culpavam grandes investidores envolvidos nas rodadas exclusivas de financiamento de "despejarem" as suas posições com grandes lucros no final do ano anterior, deixando os pequenos investidores de SOL para arcarem com as consequências.

Mesmo assim, nem todos os problemas do Solana poderiam ser atribuídos a fatores externos. A rede sofreu uma série de quedas durante 2022 e no início de 2023, que limitaram ou incapacitaram completamente transações durante períodos que, em algumas ocasiões, duravam várias horas.

Por último, em junho, a Securities and Exchange Commission (reguladora análoga à nossa Comissão de Valores Mobiliários) classificou, em um processo que mirava a exchange americana Coinbase, o SOL como um dos tokens que a reguladora entende ser um valor mobiliário não registrado. Curiosamente, o Ethereum não figurava na mesma lista.

Anatoly e a volta por cima

Essa conjuntura desafiadora suprimiu o preço do SOL durante os primeiros três trimestres do ano. Porém, em outubro, o preço do token embarcou em uma épica trajetória de alta.

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Isso ocorreu em parte porque, no plano de fundo, o principal fundador da rede, Anatoly Yakovenko, continuava a rebater críticas e polinar com o seu otimismo a mídia especializada em criptoativos.

É difícil quantificar o impacto de Anatoly (ou "Toly", como ele é conhecido entre os investidores de cripto), mas basta dizer que ele é um ativo inestimável para o protocolo. A minha impressão é que a sua dedicação, humildade, e carisma, juntos ao seu conhecimento técnico e imagem pé no chão foram aos poucos vencendo o pessimismo que pairava sobre o Solana.

Com as interrupções na funcionalidade da rede entrando no retrovisor após uma série de ajustes técnicos, Toly deslocou o foco do mercado para o lançamento de um novo cliente (software com papel integral nas blockchains) chamado Fire Dancer, previsto para segunda metade de 2024, que promete tornar a rede ainda mais resiliente e performante.

Além dos avanços tecnológicos realizados e prometidos, foram anunciadas uma série de parcerias com grandes nomes do mundo de processamento de pagamentos e varejo como Visa, Mastercard, Shopify, entre outros.

Concomitantemente, a atividade na rede começou a se recuperar. Uma atualização conhecida como "state compression" barateou o custo do armazenamento de dados que, entre outros benefícios, preparou o terreno para a ressuscitação do seu mercado de NFTs (tokens não fungíveis).

Um série implacável de altas

No último trimestre do ano, o TVL (valor total depositado na rede) começou a decolar, alcançando 5,1 bilhões, uma alta de 1114,29% em relação ao TVL de $418,7 milhões registrado em janeiro. Em novembro, o Solana superou o Ethereum tanto em endereços ativos diários como em transações diárias.

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Esses usuários que voltaram para rede se depararam com um ecossistema descomplicado e barato, formando um forte contraste com o ambiente fragmentado e caro do Ethereum.

Entre outubro e o final de dezembro, o preço do Solana começou a refletir a melhoria de sentimento entre investidores. Foi uma trajetória de alta incansável, pontuada por um rally de Papai Noel de seis dias consecutivos de velas verdes que levou o preço do token de US$ 70 para mais de US$ 120.

Para os investidores do Solana no Twitter, o clima era de festa, já entre os investidores do Ethereum dominava uma mistura de descrença e desespero à medida que a rede rival consagrava 2023 como o ano em que Solana ressurgiu das cinzas.

De olho no futuro

As dúvidas em torno de como a liquidação dos tokens da FTX devem afetar o preço do Token permanecem, mas o otimismo generalizado que instalou deve gerar demanda o suficiente para reduzir o impacto que essa pressão vendedora deve imprimir sobre o preço do SOL.

Também resta a questão de classificação pela SEC como um valor mobiliário não registrado, mas muitos outros criptoativos estão no mesmo barco e a SEC aparenta estar mais enfraquecida frente ao mercado de criptoativos após a série de derrotas que foram registradas em tribunais dos EUA em 2023.

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Olhando para o futuro, o rally natalino parece ter perdido ímpeto com a passagem do feriado, mas as perspectivas do Solana continuam promissoras à medida que investidores vislumbram um ano que pode consagrar uma série de narrativas positivas para o mercado de criptoativos.

Será 2024 o ano em que o Solana faz jus ao seu apelido de "assassino de Ethereum"? É mais provável que o token de ambas as redes registrem grandes altas, mas a competição entre a simplicidade integrada e taxas baratas do Solana e a descentralização, escala e modularidade do Ethereum deve ser um dos principais assuntos discutidos por investidores de cripto em 2024.

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