Como o juro alto está atraindo capital estrangeiro para a Bolsa?
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Juros altos geralmente prejudicam a Bolsa de Valores: as empresas pagam mais caro para investir em seu crescimento e, na outra ponta, o consumidor fica com menor acesso ao crédito, o que pode afetar o lucro das companhias.
Mas este ano temos visto um movimento contrário: desde o início de 2025, a taxa Selic já passou de 12,25% para 14,25% anuais e, ao mesmo tempo, o Ibovespa avançou 9,78%.
O que está acontecendo?
A explicação está no dólar. A moeda americana tem perdido valor desde que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tomou posse em janeiro e iniciou uma guerra comercial de tarifas. "Em 2024, a economia americana estava atraindo investimentos, com as big techs, as criptomoedas. Mas toda essa bonança de fluxo para os EUA está sendo revertida e faz o dólar se depreciar internacionalmente", explica Fernando Siqueira, diretor de "research" da Eleven Financial.
A onda tarifária de Trump também atrapalha a economia americana. Tanto é que o Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) diminuiu esta semana as projeções para o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) real dos Estados Unidos para 2025, 2026 e 2027 na comparação com as estimativas divulgadas após a reunião de política monetária de dezembro."O mercado entendeu com isso que mercados emergentes como o nosso podem ser a saída", explica Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos.
Impacto do tarifaço de Trump. A guerra de tarifas também pode causar inflação por lá e isso afasta os investidores no mercado dos EUA. "Há um aumento das incertezas quanto aos reais impactos das políticas da nova administração Trump e vemos também o mercado antecipando uma redução no lucro esperado das empresas. Então, o investidor busca alternativas além dos Estados Unidos", explica Gabriela Joubert, estrategista-chefe do banco Inter.
Com isso, o capital estrangeiro tem ido para a China, para a Europa e para mercados emergentes, como o Brasil. Desde o início de janeiro, a entrada de dinheiro estrangeiro está positiva em R$ 13,16 bilhões, direcionados a investimentos no segmento de ações listadas da B3. No ano passado, ao contrário, o saldo de investimento ficou negativo em R$ 32,1 bilhões.
Essa entrada de dinheiro faz o real se valorizar. No ano, o dólar já caiu de R$ 6,208 para R$ 5,662 (conforme a Ptax, a cotação de referência do Banco Central, de 2 de janeiro a 20 de março).
Outro fator que trouxe estrangeiros para cá foi a saída da Cosan (CSAN3) da Vale (VALE3). Em janeiro, a Cosan vendeu sua participação na mineradora, zerando seu investimento na companhia. A operação levantou cerca de R$ 9 bilhões e boa parte disso foi adquirida por estrangeiros.
E como os juros influenciam?
Investidores apostam no carry trade. É aí que os juros entram beneficiando a conta toda: investidores investem no Brasil para aproveitar os juros altos, aplicando na renda fixa. Muitos fazem o chamado "carry trade", ao emprestar dinheiro a juro baixo em países como o Japão e depois investem aqui, ganhando com o diferencial das taxas.
E isso faz o dólar cair ainda mais em relação ao real. "Quando o dólar cai e o real se valoriza, o investidor estrangeiro que já estava posicionado no Brasil ganha de duas formas: na valorização dos ativos locais (como ações na Bolsa) e na valorização do real frente ao dólar. Ou seja, ele também recebe um retorno extra ao converter seus ganhos de reais para dólares", explica Fernando Bresciani, analista de investimentos do Andbank.
A expectativa de ganhos com a Bolsa também atrai mais gente. "Em cenários onde há forte entrada de dólares no país (o que ajuda a valorizar o real), pode haver menor pressão inflacionária, o que pode levar o Banco Central a reduzir os juros", diz o executivo do Andbank. Na próxima reunião, em maio, o Banco Central já divulgou que a alta será menor. Nas próximas, o mercado já espera por cortes.
Ou seja, comprar ações agora é adquirir ativos com preço baixo, já que a Selic pode cair. Essa queda faria o preço das ações aumentar, com a maior perspectiva de ganhos das companhias listadas, já que as empresas teriam menos gastos com juros de dívidas e mais recursos para investimento.
O dólar vai continuar caindo em relação ao real?
A possibilidade é de cair mais um pouco. É o que diz Bresciani. "Mas isso vai variar conforme as contas públicas forem sendo divulgadas e a inflação também. Pode acontecer algum repique", diz ele. Luciano Costa, economista-chefe da Monte Bravo, concorda. "A tendência é cair mais porque o fluxo estrangeiro deve continuar. Mas nos próximos meses vai haver a discussão da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. Se as compensações ficarem abaixo do que o governo espera, isso pode ser um fator de deterioração da situação fiscal e pode atingir o câmbio", completa Costa.
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