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Em Sichuan, as cabeças de coelho deliciam os 'gourmets'

28/12/2016 15h23

Chengdu, China, 28 dez 2016 (AFP) - Os pequenos crânios, com suas grandes órbitas e seus incisivos proeminentes, rangem sob os dedos dos comensais que sorvem seu interior. Onipresente nos restaurantes de Sichuan, a cabeça de coelho é tão popular que esta província chinesa precisa importá-las.

"Se um sichuanês passa um dia sem comer um prato picante, fica insatisfeito. E a cabeça de coelho é condimentada como deveria. Nos deixa loucos!", sorri Ma, uma jovem sentada em uma mesa com amigos. "O melhor é a língua, macia e saborosa", acrescenta.

No "Shuangliu Laoma Tutou" ("Cabeças de coelho à moda da mamãe"), um estabelecimento renomado de Chengdu, a capital da grande província do sudoeste da China, dezenas de clientes abrem ao meio com suas mãos cobertas com luvas os crânios impregnados de molho, sorvem com avidez os cérebros e mordiscam as bochechas, com grunhidos de prazer.

A gastronomia chinesa valoriza todas as partes dos bichos - pescoços e bicos de pato, pés de galinha, cabeças e vísceras de qualquer animal - que os ocidentais costumam descartar.

Segundo a federação chinesa de cunicultura, no país se consome cerca de 500 milhões de cabeças de coelho por ano, entre 200 e 300 milhões delas em Sichuan.

O coelho é particularmente apreciado nesta província, que durante muito tempo viveu isolada por trás de suas montanhas, onde a cabeça dos lagomorfos é uma especialidade emblemática.

"Meus amigos de outras províncias não entendem que se pode comer. De qualquer forma, eles não aguentam a pimenta. Não como nós!", ressalta a diretora do restaurante, Wang Min.

É verdade que este prato é dificilmente exportado. Apesar de que recentemente foram abertos alguns restaurantes especializados em Pequim e em outras cidades grandes, eles provocam mais curiosidade do que qualquer outra coisa.

"Muita gente fora de nossa província não se atreve a prová-lo, ficam assutados com o aspecto das cabeças!", diz à AFP Rong Lipeng, vice-presidente da Hage, número um de produtos de coelho na China.

"Roer e mordiscar"Na cozinha sichuanesa, os manjares são muito particulares. "Em Sichuan gostamos muito das tripas bem condimentadas, das cabeças de pato picantes", conta Fuchsia Dunlop, especialista em gastronomia chinesa radicada em Londres.

Dunlop ressalta também o caráter lúdico das cabeças de coelho: "Os sichuaneses adoram batalhar com sua comida, ter que arrancar e chupar os ossos, utilizar dedos e dentes para puxar a carne, isso é parte do prazer", explica.

"É verdade, adoramos roer e mordiscar", confirma Rong Lipeng. "Uma vez que as cabeças estão cozidas em salmoura, pode-se mordiscá-las por muito tempo, e o paladar é invadido por sabores fortes", se entusiasma.

A preparação das pequenas cabeças é realizada seguindo uma receita que garante o máximo de sabor.

"Primeiro, temos que dessangrar os coelhos", e depois "marinar" as cabeças em um caldo picante durante horas, indica o chef do "Shuangliu Laoma Tutou", Yin Dingjun.

Quando cai a noite nas ruas do centro de Chengdu, numerosas barracas oferecem cabeças de coelho, que os transeuntes comem em pé, acompanhadas de cerveja e raviólis.

"É uma iguaria ideal para os aperitivos ou os jantares nos mercados noturnos, que são uma verdadeira tradição aqui", observa Rong.

Sua empresa, Hage, vende mais de oito milhões de cabeças de coelho por ano, tendo registrado um grande aumento nos últimos anos.

Ante uma enorme demanda local, os criadouros não são suficientes, de modo que 20% das cabeças comercializadas pela Hage são importadas congeladas da Europa, principalmente da Itália e França.

Na China, a criação de coelhos sempre esteve orientada para a produção de pelo e pele, e por isso é necessário recorrer às raças francesas, "reputadas pelo sabor da sua carne", indica Fabien Coisne, da empresa francesa Hycole, associada com a Hage.

Em 2014, a França exportou para a China 166 toneladas de carne e miúdos de coelhos, no valor de 487.000 euros, segundo dados do Ministério das Finanças francês.

O montante ainda está, porém, muito longe dos 170 milhões de dólares em pés de galinha que os Estados Unidos exportaram para a China nesse mesmo ano.