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Guerras e conflitos podem acabar com a ética das empresas

09/03/2017 16h00

Paris, 9 Mar 2017 (AFP) - As guerras e os conflitos são um grave obstáculo para o funcionamento de uma empresa ou de uma multinacional, que, para sobreviver, podem perder seus pontos de referência éticos e realizar práticas questionáveis.

O grupo francês LafargeHolcim (de material de construção) admitiu no começo de março ter recorrido a acertos "inaceitáveis" em 2013 e 2014 na Síria para manter em atividade sua companhia de cimento em Jalabiya, até que ela fosse apreendida pelo grupo Estado Islâmico. Concretamente, a empresa recorreu ao financiamento de grupos armados.

A história recente está repleta de escândalos de empresas que entregaram dinheiro a facções e atiçaram guerras e enfrentamentos.

Companhias de bananas pagaram a milícias paramilitares na Colômbia nos anos 1990 e 2000. Grupos do ramo de joias alimentaram durante anos o tráfico de "diamantes de sangue" feito por grupos rebeldes na Libéria e na República Democrática do Congo.

Fabricantes de smartphones são regularmente acusados de comprar minerais raros extraídos de minas controladas por organizações armadas na África.

- Meros discursos amáveis - "Uma empresa que trabalha na zona de guerra ou de pós-conflito, querendo ou não, se transforma em parte econômica envolvida em um ambiente militar", opina Bertrand Monnet, professor de gestão de riscos criminais na escola de negócios Edhec. "E nem sempre é capaz de enfrentar os desafios que isso implica".

Os grandes grupos adotam códigos deontológicos, mas costumam ser "meros discursos amáveis", afirma Cécile Renouard, filosofa e economista, professora na Escola de Minas, que classifica esses códigos de "insuficientes".

Os "princípios de ação" ditados por Lafarge são neste aspecto muito ambíguos, segundo ela. "A empresa diz que quer ser líder mundial em seu setor e contribuir a que o mundo seja melhor, mas a busca permanente do resultado econômico e financeiro entra em colisão com o desejo de considerar o contexto local".

"Em situação de guerra, as multinacionais decidem geralmente retirar-se do país", afirma Alexandre Hollander, presidente de Amarante, uma sociedade especializada em segurança.

É o caso do grupo petroleiro francês Total, que deixou a Síria em 2011. O também francês Air Liquide suspendeu recentemente sua atividade em uma fábrica do leste da Ucrânia, onde os separatistas pró-russos decidiram tomar o controle das empresas.

- Diferentes conceitos de corrupção - Essas práticas são polêmicas já que "o conceito de corrupção não é sistematicamente igual para um russo, um turco ou um libanês", disse Alexandre Hollander.

"Quando já se está envolvido no esquema, é complicado retirar-se. Primeiro se dá dois galões de gasolina, depois 1.000 dólares e depois 100.000, já não é mais o valor que conta", explica.

Procurados pela AFP, dois grandes grupos que operam na Bolsa de Paris, com inserção no exterior e que preferem manter o anonimato, garantiram que supervisionam as questões de segurança ao mais alto nível.

"A Lafarge, uma empresa de envergadura internacional, não deveria ser mais cuidadosa?", questiona Marie-Laure Guislain da associação Sherpa, que processou a companhia por "financiamento do terrorismo".

A França acaba de adotar uma lei sobre a obrigação de vigilância das multinacionais que "pode ter realmente efeitos" nesse tipo de caso, segundo Guislain.