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Abarrotada de turistas, Ibiza fica inacessível à sua população

13/09/2017 15h23

Ibiza Town, Espanha, 13 Set 2017 (AFP) - Atrás de suas festas loucas, suas praias tranquilas de água azul turquesa ou dos iates de celebridades internacionais em férias, a ilha espanhola de Ibiza esconde uma grave crise de inflação turística que impede a muitos locais encontrar imóveis acessíveis.

Desde a separação de sua esposa há um ano, o endereço de Gabriel Alberto Andrade é uma caminhonete azul metálica. Dentro do carro, se amontoam um sofá-cama, uma televisão e um pequeno fogão a gás. No teto, painéis solares fornecem eletricidade.

"Não é fácil viver em uma caminhonete, mas os aluguéis são uma loucura, não se pode pagar de nenhuma forma", afirma este argentino de 47 anos, que desde o ano 2000 mora nesta ilha do arquipélago das Baleares.

Há nove anos, quando nasceram seus filhos, bastavam 400 euros para alugar uma casa de campo. Agora, pelo mesmo valor, o equivalente a R$ 1.500 no câmbio atual, só pode aspirar a dividir uma moradia.

Meca do turismo de lazer notívago e de praias paradisíacas, este pequeno enclave mediterrâneo vive uma recuperação de visitantes, incentivada pelo declínio de outros destinos mais instáveis, como Egito, Tunísia e Turquia.

Os turistas quase dobraram desde 2010, segundo o Instituto Regional de Estatísticas, passando de 1,7 milhão para 3 milhões em 2016 em um território de apenas 572 quilômetros quadrados e 142 mil habitantes.

Esta grande demanda incentivou o aparecimento de vários imóveis para aluguel por temporada, a maioria irregulares, que provocaram uma forte especulação imobiliária, dificultando encontrar moradia por menos de 600 euros (uns R$ 2.200).

A plataforma cidadã de Afetados pelos Aluguéis em Ibiza denuncia há meses ofertas abusivas: 500 euros ao mês por uma varanda, 300 euros por um colchão sem direito a banheiro ou EUR 2.100 por um trailer diminuto.

- Problemas de contratação -Com renda de 1.400 euros com transporte de mercadorias e vendedor ambulante, Gabriel optou por comprar sua caminhonete por 3.000 euros.

No campo onde a mantém estacionada, ao lado do mercado onde trabalha no dia seguinte, há quatro trailers. Seus ocupantes também optaram pela vida nômade, devido à superinflação imobiliária.

A situação se agrava na alta temporada, quando a população triplica e há grande demanda de mão de obra para o turismo e os serviços básicos.

A dificuldade é tanta que o hospital de Can Misses, em Ibiza, o principal da ilha, teve que habilitar uma construção em desuso para funcionários temporários.

Ali vive Javier Segura, microbiologista de 30 anos. Ele chegou em junho por três meses e se viu obrigado a ficar no hospital após semanas revirando as ofertas nos portais imobiliários.

"Algumas delas eram fraudes e outras eram muito elevadas (...) acima de 2.000 ou 3.000 euros. E as ofertas com preços mais acessíveis, entre 1.000 e 2.000, já estavam todas ocupadas", admitiu.

O próprio setor turístico encontra problemas para contratar mão de obra se não oferece alojamento.

Anos atrás, "em maio recebia 10 ou 12 currículos cada dia para vir trabalhar no verão, hoje em dia chegam um ou dois", conta Joan Riera, proprietário do tradicional restaurante Can Alfredo na cidade de Ibiza, que optou por empregar unicamente pessoal local.

- Declínio turístico -"Pervertemos o sistema", lamenta Lucas Prats, presidente de uma organização de promoção turística. Antes havia "edifícios dedicados a moradias e zonas turísticas, agora o que acontece é que tudo é turístico".

O Parlamento regional das ilhas Baleares aprovou em julho uma lei para proibir os apartamentos de veraneio sem licença e limitar a 623.000 as vagas turísticas no arquipélago, com o objetivo de reduzi-las em 120.000 nos próximos anos.

"Se continuarmos crescendo na mesma linha, chegará um momento em que não seremos um destino competitivo em absoluto. E tampouco será uma zona para viver bem", afirma Vicent Torres, diretor de turismo do governo ibizense.

"Por isso pensamos que temos de decrescer um pouco", acrescentou.

O objetivo é evitar que a população se volte contra uma atividade básica para esta ilha que, antes de se tornar lar do movimento "hippie" e potência turística nos anos 1950, era um território pobre dedicado exclusivamente à pesca e à agricultura.

"Em Ibiza não há exceções: todos vivemos do turismo", assegura Prats. Mas "temos que conseguir fazer com que o turismo e o morador convivam com certa normalidade, sem esquecer que a atividade turística durante alguns meses vai nos provocar alguns inconvenientes".