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Apagão deixa venezuelanos mergulhados no caos

08/03/2019 16h27

Caracas, 8 Mar 2019 (AFP) - Margarita concluiu nesta sexta-feira (8) que chegou a hora de deixar a Venezuela após ver seu negócio ser arrasado por ladrões que aproveitaram a escuridão e o caos em que ficou mergulhado quase todo o país desde a quinta por causa de um apagão.

"Disse ao meu marido que decidi partir, pensava nisso há anos, mas chegou a hora", disse à AFP Margarita Jardín, com o semblante marcado de tanto chorar em meio à bagunça em seu pequeno comércio de impressão e fotocópias em Bello Campo, no leste de Caracas.

A salvo das câmeras de segurança e sem vigilância no setor, o assaltantes abriram um buraco e levaram computador, três impressoras, caixa registradora, ponto de pagamento eletrônico - vital pela falta de dinheiro em espécie - e guloseimas. Em meio à grave crise econômica, será difícil reerguer o negócio familiar iniciado há 20 anos, admite a mulher de 41 anos.

"Não quero deixar meu país, mas o que faço, não se pode viver nesta apatia", acrescentou esta professora de arquitetura de uma universidade pública, onde seu salário não chega a 10 dólares.

Vinte e dois dos 23 estados do país sofrem um apagão desde as 16H50 locais de quinta-feira (17H50 de Brasília), que o governo do presidente Nicolás Maduro atribuiu a um sacerdote da oposição e aos Estados Unidos em seu empenho para tirar do poder o presidente socialista.

Embora os cortes de luz sejam frequentes no país que detém as maiores reservas de petróleo do mundo, trata-se do pior apagão que a Venezuela sofre em meio à deterioração da infraestrutura elétrica.

- "Outro dia de atraso" -A emergência derrubou os serviços de internet, o transporte público, o abastecimento de água (amplos setores dependem de bombas elétricas para alimentar seus tanques devido aos racionamentos) e de gasolina, pelo que o governo suspendeu a jornada de trabalho e as aulas.

Depois de mais de 21 horas de suspensão da energia elétrica, sindicatos de profissionais da saúde também reportaram dificuldades para atender pacientes nos hospitais.

Sem comunicação e com os celulares mudos, um grupo de moradores de Los Palos Grandes, em Caracas, madrugou para fazer fila e recarregar seus aparelhos em um painel solar em uma praça pública.

"Passamos a noite com velas, meus familiares estão em casa porque não conseguiram nem trabalhar, nem estudar", contou à AFP Alexis Zabala, de 62 anos, incrédulo sobre a versão de uma sabotagem.

"É mentira, eles (o governo) sempre buscam em quem jogar a culpa. A razão é o mal estado da rede, a falta de manutenção e de investimento", afirmou o aposentado de 62 anos.

"Tomara que não aconteça nada grave, mas isto está muito estranho", afirmou o funcionário de um hotel, abrindo espaço para suspeitas.

As ruas da capital estão parcialmente vazias, pois o metrô parou de circular e a frota de ônibus - já afetada pela falta de peças - ficou 90% parada nesta sexta-feira, segundo dirigentes do setor.

Entre os pedestres, havia muitos rostos cabisbaixos, enquanto nos cruzamentos não havia sinal da polícia.

"É um dia perdido para todo o país; outro dia de atraso", declarou à AFP Carlos, enquanto aguardava em vão por clientes para levar em sua motocicleta. Seu colega, Jonathan, tinha uma preocupação adicional.

"Estou rezando para que o pouquinho que a gente tem na geladeira não descongele, porque aí sim estamos ferrados", acrescentou.

- Sem dinheiro até para as velas -Judi Bello foi ao local onde trabalha como vigia em um banco público só para não faltar, pois a instituição não abriu as portas. Teve que pegar três ônibus e acabar com o pouco dinheiro que tinha.

"Vou voltar andando, não tenho mais dinheiro. Vim sem comer porque deixei o que tinha para meus filhos", confidenciou Judi à AFP, preparando-se para uma caminhada de seis horas.

A mulher, de 42 anos, tem que se virar com um salário mínimo que só dá para comprar dois quilos de carne e em breve despedirá a filha de 18 anos, que vai emigrar para o Peru, para se somar aos 2,7 milhões de venezuelanos que, segundo a ONU, deixaram o país desde 2015 devido à pior crise da história moderna da Venezuela.

Ela ficará com o filho de 13 anos, ainda convalescente de uma facada que levou no coração que, conta, sofreu de um menino de 10 anos para levar seu chinelo. Ele sobreviveu, conta, graças a remédios doados por uma fundação. "Não tenho nem sequer para comprar velas, estão muito caras", disse.

Enquanto técnicos da estatal elétrica tentam resolver a crise na hidrelétrica Guri, a maior do pais, Margarita embala a pouca mercadoria que os ladrões deixaram. E dentro de pouco, as malas com as quais vai tentar a sorte em "algum país latino-americano".

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