Trégua entre Airbus e Boeing esconde um rival comum: a China
Paris, 20 Jun 2021 (AFP) - O duopólio Airbus-Boeing teria que abrir espaço para o recém-chegado Comac? A ascensão da China no estratégico setor aeronáutico, no qual representa o principal mercado mundial, leva europeus e americanos a se fecharem.
Estados Unidos e a União Europeia suspenderam, na terça-feira (15), por cinco anos as taxas alfandegárias impostas no contexto do conflito sobre os subsídios aos seus fabricantes de aviões.
Segundo o presidente americano Joe Biden, trata-se de "trabalhar juntos para rebater e contra-atacar as práticas não comerciais da China no setor (aeronáutico), que concedem às empresas chinesas uma vantagem desleal".
A China se esforça para destacar sua empresa nacional de aviões Comac (Commercial Aircraft Corporation of China), que está desenvolvendo um C919, destinado a competir com o A320 e o B737.
Depois de quatro anos de testes de voo, o Comac espera conseguir este ano a aprovação do C919 na China, a tempo para comemorar o centenário da criação do Partido Comunista Chinês.
O avião recebeu entre US$ 49 bilhões e US$ 72 bilhões em subsídios públicos para seu desenvolvimento, muito mais que os auxílios recebidos pela Airbus e Boeing, segundo os cálculos de Scott Kennedy, especialista da China no CSIS (Centro Internacional de Estudos Estratégicos).
Para Richard Aboulafia, especialista em aeronáutica do Teal Group, "o verdadeiro problema é que a China manipula o mercado, fazendo com que Airbus e Boeing se enfrentem um contra o outro, e condiciona seus pedidos a transferências de tecnologia".
O tráfego aéreo chinês, que disparou e se recuperou da crise sanitária mais rápido que outras regiões, ficará ainda mais sólido. A Boeing estima que o mercado chinês durante os próximos 20 anos precisará de 9.360 aviões, o que equivale a 20% das necessidades de aviões novos no mundo.
Uma oportunidade para os Airbus A320 e o 737 MAX da Boeing, embora este último ainda não tenha obtido autorização da China para voltar a voar em seu território.
Paciência estratégica
Até o momento, Pequim não pode dispensar a Boeing ou a Airbus, mas sua ideia é poder fazer isso no futuro.
"A indústria aeronáutica é ao mesmo tempo um instrumento de crescimento e uma ferramenta diplomática e comercial que lhes permite ter uma política externa muito completa nos mercados externos", observa Michel Merluzeau, do gabinete especializado AIR. Na sua opinião, "os chineses têm as habilidades tecnológicas e industriais para produzir um avião, não há dúvida".
"Os chineses têm ambição, mas são muito razoáveis, sabem que isso leva tempo", afirmou à AFP. "Não planejam enfrentar a Airbus e Boeing em 2025".
O C919 depende da cooperação com fabricantes europeus e americanos: dos 82 principais fabricantes de equipamentos do avião, 14 são chineses, dos quais sete são associações de empresas com uma empresa estrangeira, explica Kennedy.
As asas e a fuselagem são chinesas, mas as companhias nacionais ainda não dominam os motores ou a "aviônica" (a aplicação da eletrônica à aviação) e o Comac sofre com sua organização burocrática. Mas tudo vai acontecer, afirma Michel Merluzeau.
"Eles preparam sua indústria para responder às necessidades nacionais. Serão produtos de qualidade inferior, mas ao menos serão nacionais", declara à AFP Richard Aboulafia.
Seu avião é mais pesado, consome mais combustível e, portanto, fazê-lo funcionar custará mais.
Sob o impulso do governo, o Comac possui 815 encomendas de seu C919, quase todas de empresas chinesas. Entretanto, a maioria são apenas intenções, já que a primeira a fazer um pedido oficial de cinco aviões foi a China Eastern Airlines, em março.
O professor da universidade aeronáutica de Beihang em Pequim, Huang Jun, não acredita "que (o C919) vai mudar as coisas" em relação aos fabricantes de aviões ocidentais, mas contribuirá para o surgimento de um "modelo ABC Airbus, Boeing e Comac". "Simplesmente esperamos poder nos unir a este mercado e ocupar um lugar".
Os diretores-gerais da Boeing e da Airbus se preparam para isso. O Comac "se tornará progressivamente um ator digno deste nome", estimou recentemente o presidente do fabricante europeu, Guillaume Faury. "Portanto, provavelmente passaremos de um duopólio para um 'triopólio', ao menos nos monocorredores, até o final da década".
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