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O que a Venezuela tem a ver com os valores recordes da moeda virtual bitcoin?

Rick Bowmer/AFP
Imagem: Rick Bowmer/AFP

Daniel García Marco

10/01/2017 11h52

O valor da moeda digital bitcoin só cresce - e uma das causas disso é a crise na Venezuela. O aumento da demanda na China e a depreciação de sua moeda, o yuan, em 2016 são a principal razão de a moeda virtual ter superado o patamar dos US$ 1 mil por unidade pela primeira vez em três anos.

Mas, segundo analistas, a inflação na Venezuela, a desvalorização do bolívar e o mercado de câmbio paralelo no país também tiveram sua parte nessa valorização.

Hoje, bitcoins são aceitos como pagamento por vários bens e serviços pela internet --de tudo, desde transferências internacionais de dinheiro até pagamento de resgate de dados hackeados-- e, em alguns poucos locais, também presencialmente.

Ainda é usado como um refúgio monetário para se proteger de variações cambiais e uma forma anônima de movimentar dinheiro em todo o mundo, já que as informações de transações são criptografadas e as identidades de seus usuários são protegidas.

Em 2016, foi a moeda de maior valorização do planeta, com um aumento de 125% --seu valor era de US$ 435 no início do ano passad--, um crescimento que é basicamente resultado da maior procura por ela.

Vários fatores explicam o bom desempenho do bitcoin, diz à BBC Mundo David Moskowitz, fundador da Coin Republic, uma rede de corretagem de Cingapura especializada na moeda.

"O aumento desde novembro poderia ser por causa da redução pelo governo da Índia do dinheiro vivo em circulação no país, do controle sobre capitais na Venezuela e dos rumores de ações similares em outros países."

Na China, onde ocorrem a maioria das transações com bitcoin, por exemplo, a moeda permite aos cidadãos contornar leis locais que limitam a quantia de yuans usadas em pelos chineses em suas transações.

Kevin Charles, gerente-geral da Surbitcoin, corretora dessa moeda virtual na Venezuela, destaca que os cidadãos deste país, assim como os chineses, também apostam cada vez mais no bitcoin. "Sem dúvida alguma, a situação na Venezuela faz os benefícios do bitcoin ecoarem internacionalmente, e existe uma demanda cada vez maior pela moeda."

Mineração

Atualmente, há cerca de 15 milhões de bitcoins em circulação, com um valor estimado de US$ 16 bilhões (R$ 52,5 bilhões). Como toda moeda, seu valor é determinado pelo número de pessoas dispostas a trocá-las entre si e usá-la para pagar por bens e serviços.

O sistema teria sido criado por um empreendedor australiano chamado Craig Wright. Por anos, ele teria se mantido anônimo sob o pseudônimo de Satoshi Sakamoto. Mas, no início do ano passado, revelou sua identidade à BBC e às revistas The Economist e GQ, fornecendo provas técnicas ao usar reservas dessa moeda que notoriamente pertenciam ao criador do bitcoin.

Mas de onde vêm os bitcoins? Enquanto com as moedas convencionais um governo decide quanto dinheiro imprimir e quando e como distribuí-lo, o bitcoin não é emitido por uma autoridade central. Eles são "emitidos" pela própria rede de usuários de bitcoin.

Há algumas formas de se obter a moeda, muito semelhantes ao que ocorre com o ouro --não por acaso, muitos países, entre eles os Estados Unidos, a tratam do ponto de vista regulatório como uma commodity e não como uma moeda.

Assim como o ouro, é possível conseguir bitcoins usando dinheiro físico, comprando-os por meio de casas de câmbio especializadas ou diretamente de outros usuários. Ou vendendo produtos e serviços e sendo pago com a moeda digital.

Mas, quem tem capital disponível pode investir em outra possibilidade, a de obter bitcoins por meio de uma atividade conhecida como "mineração".

Os mineradores, neste caso, são pessoas equipadas com computadores potentes, capazes de realizar cálculos e processos específicos ligados ao protocolo do bitcoin. São esses "mineradores", espalhados pelo mundo, que processam as transações e garantem a segurança da rede. Pelos serviços, os mineradores são recompensados com bitcoins.

Há empresas mineradoras --e é possível investir nelas--, com poderosos computadores capazes de realizar bilhões de cálculos por segundo e que possuem seus próprios data-centers para mineração.

Elas têm um gasto alto com manutenção e energia elétrica, por isso quase sempre estão situadas em países com menor custo de energia, manutenção e mão de obra barata --como é o caso da Venezuela.

"A mineração de moedas digitais é uma atividade em constante crescimento no país", diz Charles à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC. "Na Venezuela, existe uma comunidade grande e madura em torno das moedas digitais, o que tem permitido que venezuelanos com dinheiro se aventurem a investir em equipes de mineração."

Ainda que o fornecimento de eletricidade seja instável na Venezuela, a energia elétrica é muito barata no país por ser subsidiada pelo governo socialista de Nicolás Maduro. "O custo da eletricidade é uma grande vantagem, até mesmo em relação à China", diz Jonathan Chester, fundador da Bitwage, uma empresa americana de pagamentos internacionais que intermedia o intercâmbio de bitcoins.

Chester acredita que, como o baixo preço da eletricidade barateia a mineração, a Venezuela pode "se tornar um centro de bitcoins" com o tempo. "A isso, se soma a situação econômica pela qual passa o país, e o resultado é uma oportunidade interessante de lucro fácil."

O especialista acrescenta que o bitcoin ainda é uma forma de se proteger de uma inflação tão alta quanto a venezuelana.

O que fazer com bitcoins?

Uma vez obtidos os bitcoins, eles podem ser trocados por bolívares ou dólares, que são usados para comprar produtos básicos atualmente escassos no país. Além disso, o mercado paralelo de dólar, o mais usado para câmbio no país, torna especialmente interessante a aquisição de bitcoins - e, consequentemente, de dólares - muito demandados por conta da desvalorização do bolívar.

Hoje, compra-se um dólar por mais de 3 mil bolívares nesse mercado negro. Segundo analistas, o bitcoin pode superar a marca histórica de US$ 1.216,70, alcançada em 2013.

Chester garante que a moeda opera mais como um bem de valor --como o ouro-- do que como uma divisa. "Mas a transação é mais fácil. Você não compra nada online com ouro."

E isso é uma vantagem para os venezuelanos, que, com o bitcoin, geram lucro e ainda o usam para conseguir, no exterior, por meio da internet, produtos que não encontram nas estantes do seu país.