Os segredos que as microcasas escondem
Um fenômeno curioso tem se espalhado por diversas partes do mundo. As microcasas têm sido destaque na imprensa e contam com dezenas de páginas nas redes sociais, que atraem milhões de seguidores.
Embora não haja números exatos de quantas destas moradias já estão em uso, elas ganharam popularidade a partir da crise econômica de 2008 --basta observar, por exemplo, a proliferação de fabricantes de residências minimalistas.
Com origem nos EUA, o movimento das microcasas também eclodiu no Canadá, na Austrália e no Reino Unido.
Estes empreendimentos são promovidos como uma resposta à crise habitacional nos EUA --uma alternativa oportuna às moradias tradicionais e hipotecas. No entanto, quando comecei a mergulhar neste universo, descobri que há muitas complexidades e contradições que cercam esses pequenos espaços.
Eu visitei residências, participei de feiras dedicadas a esses empreendimentos, passei um tempo em uma comunidade de microcasas e entrevistei dezenas de pessoas que vivem nelas.
Minha pesquisa me levou a todos os cantos dos EUA --de um "puxadinho" convertido, espremido entre duas casas de tamanho médio em Staten Island, em Nova York, a uma comunidade na Flórida repleta de casinhas fofas e coloridas, localizada apropriadamente na mesma rua da Disney World.
Aqui estão três aspectos que descobri ao longo desta jornada:
1. O sonho da casa própria
A geração dos millennials tem um relacionamento complicado com a casa própria. Muitas vezes eles até querem comprar um imóvel, mas simplesmente não têm condições de repetir o que seus pais fizeram, e são conhecidos como "geração do aluguel".
Todos os millennials entrevistados que viviam em microcasas queriam ter moradias maiores no futuro. Eles viam o estilo de vida minimalista como uma forma de ser proprietário de algo agora e ser capaz de economizar ao mesmo tempo. Vários casais jovens planejavam se mudar quando tivessem filhos, vendendo ou alugando a microcasa.
Mas ver essas casas como uma opção de moradia temporária, a ser abandonada à medida que a vida progride, pode não ser tão simples na prática.
Além do desafio óbvio de poupar o suficiente para comprar um espaço maior, não é fácil vender uma microcasa, uma vez que esse tipo de empreendimento costuma desvalorizar. E como elas não estão vinculadas ao terreno, há muitas vezes uma incógnita em relação à sua viabilidade no longo prazo.
2. 'Sem chão'
As microcasas costumam ser construídas sobre rodas, como uma forma de contornar as regulamentações governamentais a respeito do tamanho mínimo para moradia habitável. Isso geralmente faz com que seus moradores sintam que não estão devidamente instalados.
Quando fiquei hospedada em uma microcasa, me lembro de ter a sensação que estava sobre rodas e de sentir um ligeiro balanço quando pulava da escada que dava acesso à cama.
Como uma entrevistada que vive com o companheiro e o filho pequeno em uma terra privada na zona rural de Washington me disse: "Parece que não há raízes; parece que estamos distantes da terra porque há rodas embaixo de nós... É um lembrete constante... você está em um uma situação frágil de moradia."
A maioria dos moradores com quem conversei ansiava por ter uma fundação sólida no futuro. Conheci uma millennial que usou a poupança da universidade para construir uma microcasa lindamente customizada, mas se sentiu tão "sem chão" após um ano vivendo sobre rodas que estava tentando vender.
Isso sugere que as normas para construção civil precisarão ser flexibilizadas para permitir que microcasas tenham fundações. Alguns lugares já tomaram a dianteira neste processo --um exemplo é Spur, no Texas, que mudou suas leis de habitação com a intenção expressa de atrair moradores em face à população em declínio. Spur está se lançando como a primeira cidade americana simpática às microcasas.
De uma maneira mais ampla, no entanto, os aspectos legais em torno das microcasas ainda são complicados. Eles continuam a restringir o potencial desse estilo de vida tanto nos EUA quanto em outros países.
No Reino Unido, por exemplo, pode haver problemas com leis de planejamento urbano que exigem que todas as residências novas tenham mais de um espaço para cama. No sudoeste da Inglaterra, a Câmara Municipal de Bristol anulou recentemente essa regra para permitir que várias microcasas fossem construídas no jardim dos fundos de uma casa geminada, considerando que era necessário ajudar a aliviar a crise imobiliária local.
3. Microcasa não é microconsumo
As microcasas são frequentemente apresentadas como uma opção de moradia mais sustentável. Elas são certamente um possível freio na demanda por casas maiores e no alto consumo de energia, materiais de construção e assim por diante. No entanto, reduzir o impacto ambiental se tornando minimalista não é tão simples como alguns pensam.
Deparei-me com várias famílias que estavam usando depósitos externos para guardar itens que não cabiam dentro casa. Um "segredo sujo", como classificou um entrevistado. Outra moradora explicou que decidiu não se desfazer dos objetos da sua casa anterior, para o caso de mudar de ideia a respeito do estilo de vida minimalista.
Mais da metade dos meus entrevistados tinha a mentalidade do "para entrar um, tem que sair outro" - ou seja, jogavam fora ou doavam um item para abrir espaço para algo novo.
Como me disse uma mulher de quase 40 anos, que vive em uma casa de última geração em um estacionamento para trailers na zona rural de New Hampshire, nos EUA: "Sou viciada em TJ Maxx (rede de lojas de departamento com preços mais acessíveis). Ainda saio a cada dois meses e compro um monte de coisas, depois chego em casa e decido do que vou me desfazer".
Independentemente de como o estilo de vida minimalista é vendido por seus entusiastas, a sustentabilidade não foi um fator importante para a maioria dos participantes do meu estudo. Na verdade, se mostrou quase uma reflexão tardia. Parece que é preciso mais do que mudar o tamanho de uma casa para mudar a mentalidade das pessoas que vivem lá dentro.
*Este artigo, de autoria de Megan Carras, da Universidade de St Andrews, na Escócia, foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas "The Conversation" e republicado aqui sob uma licença Creative Commons.
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