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Steve Bannon: governo Bolsonaro precisa de 'uma só voz' e Mourão se tornou 'dissonante'

Ricardo Senra - @ricksenra - Da BBC News Brasil em Washington

18/03/2019 14h48

Nos bastidores da viagem da comitiva presidencial brasileira aos Estados Unidos, líderes conservadores e empresários que orbitam em torno de Jair Bolsonaro tentam minimizar a influência do vice Hamilton Mourão no governo.

Ao lado do professor e guru conservador Olavo de Carvalho, uma das vozes mais fortes na tentativa de isolar Mourão é a de Steve Bannon, estrategista-chefe afastado do governo Donald Trump e atual articulador de uma onda de líderes populistas de direita pelo mundo.

Após se sentar ao lado do presidente brasileiro em um jantar na residência oficial do embaixador do Brasil em Washington, neste domingo, Bannon conversou por telefone com a BBC News Brasil e afirmou que há uma "clara preocupação" entre os apoiadores de Bolsonaro sobre a influência do vice no governo.

"Há muitos membros do governo que estão questionando o 'timing' do vice-presidente e seus posicionamentos nestes primeiros 100 dias", afirmou, enquanto classificava Jair Bolsonaro como um "homem incrivelmente carismático, que reúne poder de ação e de reflexão muito fortes".

"Isso não significa que exista uma divisão dentro do governo, mas ele (Mourão) se tornou uma voz dissonante e isso é perigoso. Há um nível relevante de frustração pelo fato de ele estar desalinhado com o programa do presidente Bolsonaro."

A visita da comitiva brasileira será concluída nesta terça-feira, 19.

https://twitter.com/jairbolsonaro/status/1107431853554888704

As críticas dos conservadores americanos ecoam as de Olavo de Carvalho, que vem sendo bastante duro em seus ataques ao vice-presidente.

Para o brasileiro radicado há décadas nos EUA, o vice-presidente tem "mentalidade golpista" e "uma vaidade monstruosa". Após se encontrar com Bannon no sábado e no domingo, Olavo classificou ainda o general Mourão como um "estúpido".

Na opinião de outros presentes no jantar e ouvidos pela BBC News Brasil, Mourão teria se tornado uma presença "nociva" que "conspira contra o presidente" e teria agido para se aproveitar de "um grande vácuo" durante os períodos de internação e afastamento médico do capitão reformado.

Procurado, o vice-presidente não comentou as críticas recebidas nos EUA até a publicação desta reportagem.

Descompasso com Bolsonaro

Os principais eixos de tensão seriam declarações recentes do vice-presidente que contradizem ou suavizam posições de Bolsonaro.

Enquanto Bolsonaro estava internado no hospital Albert Einstein, em fevereiro, Mourão recebeu representantes da CUT (Central Única dos Trabalhadores) para discutir a reforma da Previdência, o que irritou o presidente - cuja retórica é intensamente pautada por críticas à central sindical e seu alinhamento histórico com o PT.

O presidente já havia ficado incomodado semanas antes, quando o então deputado - e desafeto - Jean Wyllys anunciou que não tomaria posse do novo mandato e deixaria o Brasil por conta de ameaças. "Quem ameaça parlamentar está cometendo um crime contra a democracia. Uma das coisas mais importantes é você ter sua opinião e ter liberdade para expressar sua opinião", disse Mourão após o episódio.

Enquanto Bolsonaro gerava polêmica após tuitar "grande dia", em aparente referência à saída do psolista, Mourão ia na contramão. "Os parlamentares estão ali, eleitos pelo voto, representam cidadãos que votaram neles. Quer você goste, quer você não gosta das ideias do cara, você ouve. Se gostou bate palma, se não gostou, paciência", disse.

Um dos filhos do presidente, o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PSC), negou, em seguida, que o tuíte do pai tivesse sido uma ironia com o caso de Wyllys.

Mais críticas em Washington

Para uma figura próxima ao presidente, Mourão "não ajudou a trazer nenhum voto" e "sempre atrapalhou, desde a eleição". Ele se referia a frases polêmicas do então candidato à Vice-presidência, como uma menção a "branqueamento da raça" e críticas ao 13º salário.

Questionado sobre por quê teria sido convidado para eventos com o presidente e as razões sobre sua influência no novo governo brasileiro, Bannon afirmou à BBC News Brasil que "afinidades falam muito alto".

"Eu sou um grande apoiador de Olavo, a quem considero brilhante, do ministro Araújo, que vem fazendo um tremendo trabalho, e do ministro Guedes, que é uma autoridade econômica importante. E sei que o governo brasileiro tem um interesse muito grande no movimento que defendo e no resgate dos valores judaico-cristãos no ocidente."

Questionado sobre um suposto afastamento do presidente Trump, Bannon negou discordâncias. "Não temos nos falado enquanto as investigações [sobre um suposto conluio com russos durante as eleições] estiverem em andamento. Mas não há distanciamento. Estou com 100% de acordo com ele e acredito que ele se reelegerá em 2020 com mais facilidade do que [se elegeu] em 2016."

Tensão com o chanceler

As relações exteriores estariam no centro da discórdia entre apoiadores de Bolsonaro e o vice-presidente.

Nas palavras de um dos convidados do jantar na embaixada, Mourão "quer de toda forma assumir a política internacional brasileira", o que reforça a tensão estabelecida entre o vice e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araujo, indicado ao governo por Olavo de Carvalho.

O descompasso entre os dois ficou claro no fim de fevereiro, durante a visita de ambos à fronteira da Venezuela com a Colômbia, quando o vice-presidente contradisse o chanceler ao propor um diálogo direto com o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, - uma possibilidade que Araújo vinha rejeitando veementemente.

O porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros, interveio na época para reverter comentários sobre um eventual desprestígio do ministro.

"O general Mourão e o ministro Ernesto, ao coparticiparem do evento, ao contrário de um enfraquecimento, fazem uma demonstração do Estado brasileiro de suporte ao Grupo de Lima neste processo de tentativa de solução que está ocorrendo na Venezuela", declarou à imprensa.

O próximo episódio desta queda de braço deve ser a nomeação do novo embaixador do Brasil em Washington, que traz dois candidatos na dianteira. O primeiro é o diplomata Nestor Forster, amigo de Olavo e apoiado pelo chanceler. Em segundo lugar, vem o consultor e advogado Murillo de Aragão, da consultoria Arko Advice, que é apoiado por militares, liderados pelo general Mourão.

Segundo interlocutores, Forster é, neste momento, o favorito.

"Mourão tenta influenciar os militares contra a agenda de Jair Bolsonaro e criar uma ideia de que há um racha no governo", afirma um membro da comitiva. "Basta olhar para qualquer questão recente. Venezuela, CUT, Israel, aborto, Jean Wyllys. É só escolher. Mourão sistematicamente e consistentemente mina o presidente publicamente."

Os adeptos desta opinião têm aproveitado a visita presidencial aos EUA para tentar resgatar aos conservadores civis um protagonismo que teria sido perdido em Brasília para os militares com a ascensão do vice-presidente enquando o Bolsonaro se dividia em idas e vindas ao hospital.

O principal interlocutor entre este discurso e o presidente é o deputado federal Eduardo Bolsonaro, representante importante das ideias dos conservadores e do mercado no Palácio do Planalto.

'Revolução'

Líderes conservadores e empresários presentes na agenda oficial da viagem aos EUA tentam construir a ideia de que Mourão "se tornou um problema porque não entende o significado da revolução Bolsonaro".

O termo vem sendo trabalhado nos últimos dias e reflete dois eixos importanetes da retórica bolsonarista: de um lado, valores cristãos e morais como a família tradicional e a oposição ao aborto; de outro, a diminuição drástica do Estado, estímulo ao comércio e a parcerias bilaterais - capitaneados na figura de Paulo Guedes.

Ao escolher os Estados Unidos como destino da primeira viagem presidencial de seu mandato, Bolsonaro tenta materializar sua afinidade com Trump - o brasileiro gosta da alcunha "Trump dos trópicos", dada por alguns veículos internacionais - e reforçar um alinhamento ideloógico com os americanos em contraposição aos governos anteriores.

Nesta segunda-feira, a principal missão da comitiva presidencial será convencer empresários e investidores dos EUA de que a reforma da Previdência será entregue nos próximos meses - algo que o antecessor, Michel Temer, prometeu mas não entregou.

Também está prevista a assinatura de um acordo de salvaguardas tecnológicas para o uso comercial da base espacial de Alcântara pelos americanos - também uma negociação iniciada pelo último presidente, sem conclusão definitiva.

Durante a manhã, em visita não informada pela agenda oficial, Bolsonaro e sua comitiva de ministros visitou a sede da CIA, a agência americana de inteligência. Segundo porta-vozes, o objetivo foi discutir o combate ao crime organizado e ao narcotráfico, "bem como a necessidade de fortalecer ações da área de inteligência que abrangem Ministério da Justiça e Segurança Pública, Gabinete de Segurança Institucional, entre outros órgãos".

'Ideologia nefasta'

De outro lado, o eixo ideológico conservador deverá ser reforçado em nota conjunta dos presidentes do Brasil e EUA, na terça-feira. No jantar de domingo, na residência oficial do embaixador brasileiro, Bolsonaro deu o tom que deve conduzir sua retórica a uma plateia formada pelos ministros da economia, Paulo Guedes; da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro; da Agricultura, Tereza Cristina; de Minas e Energia, Bento Albuquerque; de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes; e do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno.

"O que sempre sonhei foi libertar o Brasil da ideologia nefasta de esquerda. Um dos grandes inspiradores meus está aqui à minha direita, o professor Olavo de Carvalho", afirmou, sob sorrisos do professor e de Steve Bannon, que se sentava à sua esquerda.

No discurso, o presidente disse querer "o Brasil grande, como o presidente Trump quer os Estados Unidos grandes".

"Nós sabemos que quando a diplomacia não dá muito certo, a retaguarda tem as forças armadas. O caminho é sempre o mesmo, parece que estamos em lados opostos, mas estamos do mesmo lado", continuou, antes de ser aplaudido pelos demais convidados, entre os quais Chris Buskirk, editor do site American Greatness; Mary Anastasia O'Grady, colunista do jornal Wall Street Journal; David Shedd, pesquisador visitante da Fundação Heritage; Matt Schlapp, presidente da União Conservadora Americana; Roger Kimball, editor da revista New Criterion e Walter Russell Mead, colunista do Wall Street Journal.

Na noite desta segunda, Bolsonaro tem novo jantar, desta vez com empresários. Entre os convidados estão Jane Fraser, CEO para a América Latina do Citigroup; Gary Spulak, presidente da Embraer nos Estados Unidos; Donna Hrinak, presidente para a América Latina da Boeing; Chris Padilla, vice-presidente da IBM, entre outros.

O esperado encontro com o presidente Donald Trump está marcado para esta terça-feira, na Casa Branca.

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