Bolsonaro nos EUA: o que muda com o apoio de Trump à entrada do Brasil na OCDE?
Depois da reunião entre os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump na tarde de terça-feira (19), o Brasil pode ter avançado na direção de um objetivo que persegue desde 2017: ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mas o que exatamente o Brasil pode ganhar caso esse objetivo seja atingido? E quais os custos envolvidos?
Após uma reunião reservada no Salão Oval e um almoço de trabalho, Trump e Bolsonaro deram declarações à imprensa no jardim da Casa Branca. "Eu estou apoiando os esforços deles (do Brasil) para ingressar (na OCDE)", disse o presidente norte-americano, sem entrar em detalhes.
A organização, atualmente com 36 países, é um fórum internacional que promove políticas públicas, realiza estudos e auxilia no desenvolvimento de seus membros, fomentando ações voltadas para a estabilidade financeira e fortalecer a economia global. Foi criada em 1960, por 18 países europeus mais EUA e Canadá. Além de incluir vários dos países mais desenvolvidos do mundo, o grupo abriu suas portas para nações em desenvolvimento como México, Chile e Turquia. Brasil, Índia e China têm status de parceiros-chaves.
Em um comunicado conjunto divulgado na noite de terça, ficou claro que Trump havia reconhecido que o Brasil têm adotado medidas para adequar-se aos padrões exigidos pela OCDE. Em troca, o governo brasileiro concordou em mudar sua categorização na Organização Mundial de Comércio (OMC).
"O presidente Trump saudou os atuais esforços do Brasil no campo das reformas econômicas, melhores práticas e marcos regulatórios", diz um trecho do documento. Trump também "manifestou seu apoio para que o Brasil inicie o processo de acessão com vistas a tornar-se membro pleno da OCDE".
O Brasil apresentou um pedido formal para ingressar na OCDE em 2017, durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).
A expectativa era de que o pedido fosse atendido rapidamente, mas as negociações emperraram. Um dos entraves seria justamente a posição do governo dos EUA: além do Brasil, há hoje outros cinco países pleiteando a entrada na organização, e Washington considera que a entrada em massa de todos eles descaracterizaria a organização. Argentina, Peru, Croácia, Bulgária e Romênia desejam fazer parte da organização.
Antes de Michel Temer, durante os governos dos petistas Lula e Dilma Rousseff, o país não pleiteava o ingresso na organização. Apesar disso, o Brasil já trabalha com a OCDE em diversos temas desde a década de 1990.
Para além do apoio ao pleito brasileiro na OCDE, os dois países também firmaram uma série de compromissos comerciais. Bolsonaro concordou em abrir uma cota anual de 750 mil toneladas de trigo norte-americano com tarifa zero - hoje, a importação do grão dos EUA sofre uma taxa de 10%. A medida pode irritar o governo da Argentina, hoje o principal vendedor de trigo para o Brasil. Em troca, os EUA concordaram em reavaliar em breve barreiras que hoje são impostas à carne brasileira.
Abaixo, a reportagem da BBC News Brasil lista um aspecto desfavorável ao Brasil no acordo com Trump, e uma possível vantagem caso o país venha a integrar a OCDE.
Uma perda: mudança de status na OMC
No fim da manhã, o ministro da Economia brasileiro, Paulo Guedes, disse que o Representante Comercial dos EUA, Robert Lighthizer, fez uma outra demanda para apoiar o pleito brasileiro na OCDE.
Segundo Guedes, Lighthizer foi "um pouco duro" na reunião sobre questões comerciais: ele pediu que o Brasil deixasse a lista de países autoproclamados "em desenvolvimento" na Organização Mundial de Comércio, a OMC.
Cabe a cada país considerar-se "em desenvolvimento" ou não na OMC - e quem o faz consegue algumas vantagens. Por exemplo, um prazo maior (de 2 para 10 anos) para se adaptar a acordos feitos dentro do órgão. Na prática, países como a Turquia e a Coreia do Sul se consideram "em desenvolvimento" na OMC.
No começo da noite, o comunicado conjunto emitido pelos governos do Brasil e dos EUA informou que Bolsonaro tinha concordado com a mudança de status na OMC.
"De maneira proporcional ao seu status de líder global, o Presidente Bolsonaro concordou que o Brasil começará a abrir mão do tratamento especial e diferenciado nas negociações da Organização Mundial do Comércio, em linha com a proposta dos Estados Unidos. O Presidente Bolsonaro agradeceu o Presidente Trump e o povo norte-americano por sua hospitalidade."
Leonardo Trevisan é doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) em SP. Segundo ele, os EUA estão hoje tentando realizar uma reforma na Organização Mundial de Comércio - e, na negociação de terça-feira, conseguiram a anuência do Brasil para atingir parte de seus objetivos.
Possível ganho: mais investimentos
De acordo com Leonardo Trevisan, ingressar na OCDE representa uma espécie de "selo" de confiabilidade para os países.
Vários fundos de investimentos estrangeiros possuem regras internas que dificultam a aplicação de recursos em países que não são membros deste grupo, por exemplo. Por isso, a entrada no "clube dos países ricos" pode significar novas oportunidades de negócios e a possibilidade de obter empréstimos a juros mais baixos, por exemplo.
Segundo Leonardo Trevisan, o ingresso na OCDE pode também melhorar as estatísticas que são produzidas sobre o Brasil - o que, por sua vez, tende a elevar a confiabilidade do país. Isto porque a OCDE faz uma série de checagens do que é produzido em seus países membros.
Mas essa interpretação não é unânime. Para o economista Fábio Silveira, sócio-diretor da MacroSector Consultores, o "selo" de membro do clube dos ricos não necessariamente se traduziria em benefícios práticos.
Ele contesta a ideia repetida pelo governo desde a solicitação de adesão, em 2017, de que a participação na OCDE aumentaria a confiança internacional e ajudaria a trazer novos negócios para o país. "O investidor olha para o crescimento, para o risco país", afirma. "Ele quer saber se a Reforma da Previdência vai acontecer de fato", acrescenta.
O acesso mais fácil a empréstimos - outra suposta vantagem da condição de membro -, está bastante condicionado à avaliação das agências de rating (como S&P, Fitch e Moody's) diz o economista. E as instituições observam indicadores concretos, como a trajetória da dívida pública, para conceder ou não grau de investimento a determinado país.
No caso do Brasil, este ano será o sexto ano consecutivo que o governo terá deficit primário - ou seja, que fechará as contas no vermelho. Por causa disso, a trajetória da dívida pública seguirá crescente. Sem interrupção da tendência, a nota de crédito do Brasil correria o risco de novo rebaixamento. Nesse cenário, a adesão à OCDE seria irrelevante.
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