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Sem ajustes na Previdência, situação dos estados é 'dramática', diz governador do PT

Wellington Dias (PT), governador do Piauí - Kleyton Amorim/UOL
Wellington Dias (PT), governador do Piauí Imagem: Kleyton Amorim/UOL

Mariana Schreiber

Da BBC News Brasil em Brasília

29/04/2019 13h54

Enquanto parlamentares do PT, entre eles a deputada federal e presidente do partido, Gleisi Hoffmann, refutam a urgência de reformar a Previdência, governadores petistas tentam negociar em Brasília uma proposta que resolva o rombo bilionário nas contas dos estados.

À frente da articulação, o governador do Piauí, Wellington Dias, tem ido quase toda a semana a Brasília para encontros com outros governadores, a equipe econômica do governo de Jair Boslonaro (PSL) e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do Senado, David Alcolumbre (DEM-AP).

Em entrevista à BBC News Brasil no intervalo entre uma reunião e outra, Dias reconhece que, sem medidas para solucionar o déficit na Previdência, a situação do país e dos estados é "dramática".

A posição contrasta com o discurso de Gleisi, que diz que a reforma tributária deveria vir antes e orienta o partido a rejeitar a "integralidade" da proposta de Bolsonaro.

"Na alegria ou na dor, vamos ter que adotar medidas (para equilibrar a Previdência). Nós já temos hoje algo como 12 estados em situação de desequilíbrio. Estou falando em não poder sustentar seu sistema de saúde, não poder viabilizar seu sistema de segurança", disse Dias à reportagem.

Os rombos dos estados com a aposentadoria de seus servidores somaram R$ 77,8 bilhões em 2017, segundo levantamento que acaba de ser divulgado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). A estimativa é que já tenha subido para cerca de R$ 86 bilhões ao ano, nota o petista.

No Piauí, o déficit está na casa de R$ 1 bilhão, o que equivale a 9% da receita líquida do estado e quase o dobro do orçamento previsto para a Polícia Militar (R$ 568 milhões em 2019). Por isso, ao tomar posse para seu quarto mandato de governador, o petista afirmou que "o equilíbrio financeiro e da Previdência são os maiores desafios" da sua gestão.

Hoje, parece difícil de acreditar, mas Dias afirma que alguns parlamentares do seu partido e de outras siglas de esquerda, como PCdoB, PDT e PSB, poderiam votar a favor de mudanças na Previdência se a proposta do governo passar por ajustes e vier atrelada a outras medidas de socorro aos estados.

Equilíbrio distante

Sem base firme no Congresso, o governo Bolsonaro pode ter na articulação com os governadores um apoio importante para tentar reunir os votos necessários para mudar as regras da Previdência. O PT governa também Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte --todos com as contas no vermelho.

Por enquanto, porém, o próprio Dias reconhece que o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem resistido aos termos propostos pelos estados.

Junto a outros governadores, ele tenta convencer o governo e o Congresso Nacional a criar um fundo provisório de mais de R$ 1 trilhão para cobrir o rombo presente nas contas da Previdência da União e dos estados.

As receitas viriam da recuperação de impostos sonegados, da exploração de novos campos de petróleo e da taxação de lucros e dividendos.

O argumento é que a reforma da Previdência equilibrará o regime no futuro, mas não terá impacto imediato no rombo causado pelas aposentadorias já concedidas. Na estimativa de Dias, mesmo com a reforma, as contas da aposentadoria em seu estado só devem se equilibrar entre 2028 e 2030.

Em troca da criação desse fundo, os governadores ajudariam a conseguir votos dos parlamentares das bancadas de seus estados para aprovar mudanças nas regras de aposentadoria.

"Do ponto de vista do país e dos estados, queremos um olhar para um problema real, de hoje. Só faz sentido você ter todo um esforço do Congresso Nacional para uma reforma se ela cuidar de um equilíbrio atuarial para o futuro da Previdência e solucionar também o acumulado de déficit no passado", argumenta.

"O déficit gerado pelo desequilíbrio do passado coloca numa situação dramática o país e também os estados", reforça.

Acordo volta a ser discutido na próxima semana

Diante da resistência de Guedes e da desarticulação do governo Bolsonaro, governadores e Congresso negociam diretamente um acordo. Em fevereiro, por exemplo, Maia visitou Teresina para discutir com Dias o apoio da bancada do Piauí. Um novo encontro entre governadores e os presidentes do Senado e da Câmara está previsto para a próxima semana, no dia 8.

A expectativa é que os governantes estaduais detalhem sua proposta e os votos que trariam em caso de acordo.

Dias sugere a criação de um novo sistema de cobrança para recuperar parte dos R$ 3,7 trilhões em impostos devidos à União. A estimativa é que, excluídos os "papéis podres" (dívidas de empresas quebradas que jamais serão recuperadas), é possível levantar R$ 800 bilhões.

"Precisamos de um sistema de cobrança mais eficiente, um casamento entre as procuradorias, a área tributária dos estados e da União, junto com especialistas do Banco do Brasil, criação de call center, acesso ao Sisbacen (Sistema de Informações Banco Central)", detalha.

O governador estima que outros R$ 300 bilhões podem vir do compartilhamento com estados de receitas obtidas pela União com leilão de novos campos de petróleo, proposta que conta com a simpatia de Paulo Guedes.

Já a recriação da taxa sobre lucros e dividendos distribuídos pelas empresas a acionistas, imposto extinto no governo Fernando Henrique, renderia mais R$ 500 bilhões em dez anos, segundo Dias.

Aqui, porém, não há acordo com o governo, que prefere compensar a perda desta cobrança com a redução do imposto de renda para pessoas físicas. Uma das promessas de campanha de Bolsonaro é não elevar a carga tributária.

Pontos polêmicos e negociáveis da reforma

O eventual apoio de governadores petistas está condicionado à exclusão de alguns pontos da reforma, como alterações no Benefício de Prestação Continuada (BPC) --pago a idosos em situação de miséria-- e na aposentadoria rural, além da criação de um regime de capitalização. São itens que também geram resistência da maioria do Congresso hoje.

Por outro lado, Dias reconhece a necessidade de fixar idades mínimas para aposentadoria --na sua avaliação, poderia ser de 65 anos para homens e 60 anos para mulheres, com regras diferenciadas para professores e policiais. O governo concorda com essas exceções, mas defende o mínimo de 62 anos para as demais trabalhadoras.

O próprio Bolsonaro já se mostrou reticente à fixação de uma idade mínima geral citando a expectativa de vida mais baixa no Piauí em comparação com outras regiões do país. O governador petista, porém, destaca que seu estado "tem uma expectativa de vida já muito próxima da nacional".

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a esperança de sobrevida dos brasileiros que atingem 60 anos (dado mais adequado para o debate de Previdência) hoje está, em média, em 22,4 anos, contra 19,8 anos no Piauí.

Dias admite também a necessidade de aumentar as alíquotas previdenciárias. Seu estado já elevou de 11% para 14% a cobrança sobre os servidores, com contrapartida de taxa patronal de 28%.

O ex-presidente Michel Temer tentou, sem sucesso, elevar a alíquota dos servidores federais também para 14%.

A proposta de Bolsonaro é criar alíquotas proporcionais à remuneração, variando de 7,5% para o servidor que recebe salário mínimo a 22% para quem recebe R$ 39 mil ou mais --medida que tem impacto positivo para a distribuição de renda.

Para Dias, taxas mais altas se justificam enquanto houver desequilíbrio no regime de aposentadorias. "Defendemos que é possível uma alíquota complementar, enquanto houver déficit, no limite de 8 pontos percentuais acima da alíquota normal. Se a alíquota normal é 14%, pode ir até 22%."

Neste domingo, governadores dos sete estados do Sul e Sudeste --São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Rio de Janeiro-- assinaram uma carta em apoio à reforma.

"Atualizar a Previdência brasileira será o primeiro passo no conjunto de reformas necessárias para assegurar a estabilidade fiscal da União, de estados e municípios. E consolidar um novo pacto federativo que garantirá redistribuição de recursos para o cumprimento das responsabilidades sociais, especialmente na saúde, educação, habitação popular, segurança pública e assistência social", diz trecho do documento.

O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), no entanto, manifestou a oposição a alguns pontos da proposta, como alteração do BPC, da aposentadoria rural e criação do regime de capitalização.