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Como ataques a refinarias na Arábia Saudita afetam o mercado de petróleo e a tensão entre EUA e Irã

16/09/2019 12h52

Os ataques de drones a duas das principais instalações petrolíferas da Arábia Saudita, maior exportador de petróleo do mundo, acirraram a tensão na região do Oriente Médio.

O incidente, ocorrido no último sábado, provocou uma redução de 5% na produção mundial de petróleo, o que fez o preço do barril disparar no mercado internacional, atingindo a maior alta em uma sessão desde a Guerra do Golfo, em 1991.

Os rebeldes houthis do Iêmen reivindicaram a autoria do atentado, que seria uma resposta aos ataques da coalizão liderada pela Arábia Saudita contra eles.

Mas os Estados Unidos, que apoiam os sauditas, insistem que o Irã, aliado do grupo rebelde, está por trás da ofensiva.

Os iranianos negam, por sua vez, qualquer envolvimento no episódio.

O fato é que o ataque desestabilizou ainda mais a região do Golfo, revelando a vulnerabilidade de instalações petrolíferas de importância vital para a economia global.

E, consequentemente, acelerou a escalada da tensão entre o Irã e os Estados Unidos.

Entenda o xadrez geopolítico por trás do conflito e o possível impacto para os consumidores da alta do petróleo.

Por que os houthis atacariam a Arábia Saudita?

O Iêmen, país que fica ao sul da Arábia Saudita, vive uma guerra civil violenta desde 2015.

O conflito tem suas raízes na Primavera Árabe, de 2011, quando uma revolta popular forçou o então presidente iemenita, Ali Abdullah Saleh, a deixar o poder nas mãos do vice, Abdrabbuh Mansour Hadi.

Ao contrário do que se supunha, a transição política não levou à estabilidade e, ao final de 2014, os rebeldes xiitas houthis tomaram a capital, Saná, forçando Hadi a se exilar.

Alarmada com a ascensão do grupo rebelde, que acreditava ser apoiado militarmente pelo Irã, país majoritariamente xiita, a Arábia Saudita liderou uma coalizão de oito nações árabes, principalmente sunitas, contra os houthis, com o objetivo declarado de restaurar o governo de Hadi.

E foi assim que o conflito escalou dramaticamente em março de 2015.

As tropas da coalizão - que contam com o apoio de Estados Unidos, Reino Unido e França - lançam ataques aéreos quase todos os dias no Iêmen, enquanto os houthis disparam com frequência mísseis contra a Arábia Saudita.

A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que o conflito já matou pelo menos 7.290 civis e deixou 80% da população - 24 milhões de pessoas - à mercê de assistência ou proteção humanitária, incluindo 10 milhões que dependem do fornecimento de alimentos para sobreviver.

O porta-voz militar dos houthis, Yahya Sarea, afirmou no sábado que as operações contra alvos sauditas "aumentariam e seriam mais agressivas do que antes, enquanto as agressões e bloqueios continuarem".

EUA x Irã

Os sauditas vêm realizando ataques aéreos contra os rebeldes houthis no Iêmen - com o apoio dos EUA - há algum tempo. Mas seus adversários só demonstraram agora sua real capacidade de revidar.

De acordo com o jornalista Jonathan Marcus, correspondente da BBC, o episódio reacende inevitavelmente o debate sobre até que ponto o Irã está fornecendo tecnologia e assistência aos houthis.

"O Irã tem laços fortes com os houthis e não há dúvida de que tenha tido um papel importante no desenvolvimento da capacidade de ataque de longo alcance do Iêmen, seja por meio de drones armados ou mísseis", avalia.

E, dado o clima já bastante turbulento no Golfo, o episódio serviu para aumentar ainda mais as tensões na região.

Apesar das trocas de acusações entre os países, ainda não há muitos detalhes sobre os ataques que, de acordo com as autoridades sauditas, atingiram duas instalações petrolíferas em Abqaiq e Khurais, no oeste do país.

"De certa forma, porém, os detalhes precisos não importam. O dano diplomático já foi feito. Os EUA e os sauditas são inimigos implacáveis do Irã", destaca o correspondente.

Jonathan Marcus afirma que o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, foi rápido em apontar o dedo responsabilizando o Irã pelos ataques, mas ele fez isso aparentemente antes de haver qualquer informação de inteligência clara disponível.

Várias horas depois, fontes americanas indicaram que houve cerca de 17 pontos de impacto do ataque, todos sugerindo que vieram do norte ou noroeste - ou seja, mais provavelmente do Irã ou do Iraque, do que do Iêmen.

O ministro das Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif, classificou as acusações dos EUA como mentiras.

"Depois do fracasso da política de 'pressão máxima', o secretário Pompeo muda para 'mentira máxima'", escreveu no Twitter, fazendo referência à "campanha de pressão máxima", declarada pelo governo Trump contra Teerã - uma série de medidas diplomáticas e sanções econômicas adotadas desde que os EUA abandonaram o acordo nuclear histórico, assinado por Barack Obama, entre o Irã e potências mundiais.

O governo Trump diz ver impressões digitais dos iranianos em toda a ofensiva estratégica dos houthis contra a infraestrutura de petróleo da Arábia Saudita.

"A questão agora é o que eles vão fazer a respeito disso, ou talvez o que eles podem fazer? E a resposta pode ser: não muito", diz o correspondente.

'Guerra por procuração'

Segundo Jonathan Marcus, os EUA estão firmes do lado da Árabia Saudita, apesar da crescente impopularidade da guerra do Iêmen no Capitólio, onde há uma sensação cada vez maior de que os ataques aéreos da coalização saudita não fazem sentido, servindo apenas para transformar um país já empobrecido em uma zona de catástrofe humanitária.

O jornalista destaca, no entanto, um aspecto curioso revelado pelos recentes ataques. Apesar do apoio do governo Trump aos sauditas e toda sua ênfase na "pressão máxima", Washington está, na realidade, enviando sinais muito contraditórios para Teerã.

"Afinal, Trump parece disposto a aceitar se encontrar com o presidente do Irã (Hassan Rouhani), em paralelo à realização da sessão de debates da Assembleia-Geral da ONU (no fim deste mês, em Nova York), e acabou de demitir John Bolton, seu conselheiro nacional de segurança, a figura mais associada à ideia de 'mudança de regime' (pela força) em Teerã", explica.

Já o Irã, junto a seus aliados houthis, está conduzindo uma guerra clássica "dos fracos contra os fortes".

"Uma 'guerra híbrida', como é conhecida nos livros de estratégia. Está adotando muitas táticas do manual russo - o uso da negação; de representantes (uma alusão à 'guerra por procuração', conflito em que os países se utilizam de terceiros como intermediários, de forma a não lutar diretamente entre si); de operações cibernéticas e guerra de informação."

"Teerã sabe que Trump, apesar de toda a sua fanfarronice e imprevisibilidade, quer tirar os EUA dos emaranhados militares e não entrar em novos. Isso dá aos iranianos a capacidade de aplicar sua própria 'pressão máxima'", analisa.

Há, no entanto, o risco de que um erro de cálculo possa levar a um conflito em larga escala, o que nenhuma das partes realmente deseja.

Preços do petróleo dispararam

Após os ataques, o preço do petróleo chegou a subir quase 20%, alcançando a maior alta em uma sessão desde a Guerra do Golfo, em 1991.

O barril de petróleo do tipo Brent, referência internacional, atingiu a cotação de US$ 71,95.

A alta foi contida um pouco depois que Trump autorizou a liberação de reservas estratégicas dos EUA se for necessário.

Qual será o impacto no abastecimento?

A Arábia Saudita é o maior exportador de petróleo do mundo, despachando diariamente mais de sete milhões de barris. O estoque de petróleo já extraído estava em cerca de 188 milhões de barris, segundo dados de junho.

Os ataques atingiram a maior instalação de processamento de petróleo do planeta, assim como um campo de petróleo próximo, ambos operados pela estatal saudita Aramco.

Juntos, eles são responsáveis por cerca de 50% da produção de petróleo da Arábia Saudita. Pode levar semanas até que as instalações consigam restabelecer completamente sua operação.

"Os danos às instalações de Abqaiq e Khurais parecem ser extensos, e pode levar semanas até que o fornecimento de petróleo seja normalizado", avalia Abhishek Kumar, chefe de análises da Interfax Energy, em Londres.

Apesar de ter dado poucos detalhes sobre o ataque, o Ministério da Energia saudita afirmou que parte da queda na produção seria compensada com as reservas da companhia.

O preço do combustível vai aumentar?

De acordo com a repórter Katie Prescott, da BBC Business, ainda é muito cedo para saber se a alta do petróleo vai ter impacto no preço dos combustíveis.

"No curto prazo, depende muito de quanto tempo durar a alta - e qualquer aumento levaria semanas para chegar aos preços da gasolina", diz ela.

Por enquanto, os investidores estão atentos a novas declarações da Aramco e a qualquer reação política aos acontecimentos.

O especialista em política energética internacional Nick Butler lembra que houve situações de natureza semelhante nos últimos tempos e elas não tiveram um efeito de longo prazo no preço do petróleo.

"O mercado se ajustou sem pestanejar nos últimos dois anos ao corte de mais de dois milhões de barris por dia na produção da Venezuela e do Irã, por razões políticas", diz ele.

No entanto, se os ataques com drones provocarem tensões mais amplas na região, os aumentos de preços poderão ser mais duradouros.

Aneeka Gupta, estrategista de commodities da Wisdom Tree, também acredita que a alta do preço do petróleo não vai ter um impacto imediato para os consumidores.

Mas se a interrupção na produção durar mais de seis semanas, avalia ela, os preços do petróleo poderão atingir chegar a até US$ 75 por barril.