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Por que o "Financial Times", mais importante jornal econômico do mundo, pede um 'recomeço' para o capitalismo

18/09/2019 16h06Atualizada em 18/09/2019 18h35

O jornal britânico "Financial Times", considerado a "bíblia" do jornalismo econômico, lançou, em sua edição impressa desta quarta-feira (18), uma campanha reivindicando "um recomeço" para o capitalismo, proposta já defendida por alguns dos mais notáveis economistas do mundo.

Mas por quê?

Em carta aos leitores, o diretor de redação do diário, Lionel Barber, diz que o modelo capitalista que conhecemos está "sob pressão".

"O Financial Times acredita no capitalismo de livre iniciativa. É a base para a criação de riqueza que gera empregos, mais dinheiro e mais impostos", escreve Barber.

"O modelo capitalista liberal proporcionou paz, prosperidade e progresso tecnológico nos últimos 50 anos, reduzindo dramaticamente a pobreza e elevando os padrões de vida ao redor do mundo", acrescenta.

"Mas na década seguinte à crise financeira global (2008), esse modelo ficou sob pressão, especialmente em relação à maximização dos lucros e do valor para o acionista. Esses princípios do bom negócio são necessários, mas não suficientes", acrescenta.

Para Barber, a sustentabilidade do capitalismo de livre iniciativa vai depender "de entregar lucro com um propósito. As empresas vão entender que essa combinação serve tanto a seu interesse próprio quanto a seus clientes e funcionários. Sem essa mudança, o remédio tende a ser bem mais amargo".

"O capitalismo de livre iniciativa mostrou uma capacidade notável para se reinventar. Às vezes, como o historiador e político Thomas Babington Macaulay assinalou sabiamente, é necessário reformar para preservar. Hoje, o mundo chegou a esse momento. É tempo para um reinício".

Cenário pós-colapso

A campanha do Financial Times segue na linha de uma proposta já defendida por alguns dos mais notáveis economistas do mundo.

Em livros publicados recentemente, o indiano Raghuram Rajan e o britânico Paul Collier argumentam que o capitalismo deixou de atender às necessidades mais urgentes da população.

Em The Third Pillar: How Markets and the State Leave Community Behind (O Terceiro Pilar: Como Mercados e o Estado deixam a comunidade para trás, em tradução livre), Rajan, que foi presidente do Banco Central da Índia e economista-chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional), lamenta o desaparecimento das comunidades locais diante dos grandes mercados governamentais e de massa.

Já Collier, autor de O futuro do capitalismo: Enfrentando as novas inquietações e professor de economia e políticas públicas na Escola de Governo Blavatnik da Universidade Oxford, no Reino Unido, discorre sobre a tendência da meritocracia de concentrar talento e dinheiro.

Enquanto isso, os efeitos do capitalismo no aumento da desigualdade de renda estão no centro da crítica do economista francês Thomas Piketty.

Em entrevista recente à BBC, Rajan disse que o capitalismo está "sob séria ameaça".

"Acho que o capitalismo está sob séria ameaça porque parou de atender às necessidades das pessoas, e quando isso acontece, muitos se revoltam contra o sistema", afirmou.

Rajan disse que no passado era possível obter um emprego de classe média com "educação modesta".

Mas o cenário mudou após a crise financeira global de 2008 e a austeridade que se seguiu ao colapso dos mercados.

"Agora, se você realmente quer ter uma carreira bem-sucedida, precisa de uma educação realmente boa", disse ele à BBC Radio 4.

"Infelizmente, as próprias comunidades atingidas pelas forças do comércio global e da informação global tendem a ser comunidades com escolas em deterioração, crime em ascensão, doenças, e incapazes de preparar seus integrantes para a economia global", acrescentou.

Para Rajan, o capitalismo está sendo questionado porque não vem oferecendo oportunidades iguais.

Segundo o economista, regimes autoritários surgem "quando se socializam todos os meios de produção".

Já Collier sugeriu, em entrevista à revista semanal britânica New Statesman: "Mova-se para a esquerda na economia e fale a língua do pertencimento".

Segundo ele, o capitalismo não vem atendendo "às nossas gritantes disparidades sociais". Além disso, as elites vivem completamente isoladas do restante da população.

"Perdi a conta das vezes em que me disseram: 'Não só não conheço alguém que votou pelo Brexit, como também não conheço ninguém que conheça alguém que votou pelo Brexit.' Nos Estados Unidos, ouço exatamente o mesmo sobre Trump."

"A elite se afastou do restante da população. A elite vive nessa bolha social e intelectual e não percebeu ou se preocupou com a cisão —e foi presunçosa".

Polêmica

Mas, em um artigo de opinião recente no site da Bloomberg, Noah Smith, professor-assistente da Universidade Stony Brook, nos Estados Unidos, afirmou que "a questão realmente importante não é se o capitalismo está quebrado, mas o que deve ser feito para consertar o sistema econômico".

"Os sistemas econômicos são construções complexas que evoluem com o tempo —até mesmo um grupo muito inteligente de pessoas cometerá erros enormes se tentarem criar algo totalmente diferente. E a implementação de mudanças sociais radicais nunca é fácil— as revoluções tendem a ser violentas e caóticas, e as pessoas que acabam no poder geralmente são as que mais se preocupam em preservar sua dominação, em vez de garantir o bem-estar material das pessoas que elas governam", escreveu ele.

Na opinião de Smith, "em vez disso, parece extremamente provável que a abordagem mais bem-sucedida seja modificar o sistema atual— reformar e não revoltar-se contra ele. Qualquer que seja o resultado, será uma economia mista, onde os papéis do governo e do setor privado são alterados para abordar as questões mais prementes", concluiu.