IPCA
0,83 Abr.2024
Topo

Por que queda na renda e alta desigualdade travam melhora do Brasil no IDH em 2018

Queda da renda durante a recessão e a desigualdade social impedem avanço maior do desenvolvimento humano do Brasil - Tânia Rêgo/Agência Brasil
Queda da renda durante a recessão e a desigualdade social impedem avanço maior do desenvolvimento humano do Brasil Imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil

09/12/2019 18h21

De 2017 para 2018, o Brasil caiu da 78ª para a 79ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) nesta segunda-feira (9/12).

Na lista anunciada pela ONU, que compara os índices de 189 países e territórios reconhecidos, o IDH do Brasil ficou praticamente estável, subindo, de 0,760 em 2017 para 0,761 em 2018.

O IDH varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, melhor é a situação de um país. Em 2019, a Noruega manteve a liderança mundial com pontuação de 0,954. Na última posição entre os 184 países analisados está mais uma vez o Níger (0,377).

Mas, afinal, o que o IDH diz, na prática, sobre a vida da população de cada país? E, se o indicador do Brasil subiu um pouco em 2018, porque ele caiu no ranking mundial, em vez de continuar avançando como vinha fazendo nas últimas décadas?

A BBC News Brasil analisou o relatório para explicar o que os indicadores do IDH apontam sobre a realidade recente do país. Lembrando que o retrato divulgado hoje é anual, referente a 2018, ano da gestão do presidente Michel Temer: ainda não reflete, portanto, nenhuma medida do governo do presidente Jair Bolsonaro.

O que o IDH analisa sobre um país?

Publicado pela primeira vez em 1990, o Índice de Desenvolvimento Humano foi criado como um contraponto ao Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas os aspectos econômicos do desenvolvimento de um país.

Aos poucos, o IDH tornou-se referência mundial em medida de bem-estar da população, valorizando a importância das condições de desenvolvimento dos seres humanos para medir a prosperidade.

Mas quando se fala em bem-estar, é preciso deixar claro do que trata o indicador. A ONU não mede, por exemplo, se as pessoas são mais felizes em determinado lugar, ou se uma democracia é mais forte que a outra, ou aponta quais os melhores lugares do mundo para se viver.

É uma medida bem técnica, que analisa três fatores principais: a saúde da população, pela expectativa de vida quando as pessoas nascem; o acesso ao conhecimento, pelo número médio de anos de estudo que as pessoas recebem durante a vida; e o padrão de vida, medido pela renda e pelo poder de compra.

Para poderem ser comparados internacionalmente, o Pnud se baseia em dados ONU e do Banco Mundial.

E é importante destacar que, dos anos 1990 para cá, desde que esse indicador passou a ser publicado anualmente, o Brasil melhorou muito.

Entre 1990 e 2018, o índice do Brasil aumentou de 0,613 para 0,761, alta de 24,2%.

Com essa colocação, o Brasil continua no grupo que a ONU considera o dos países que têm alto desenvolvimento humano, mesmo patamar da Colômbia, por exemplo, e com indicadores acima da média para a região da América Latina e Caribe.

Na América do Sul, o Brasil é o 4º país com maior IDH. Chile, Argentina e Uruguai aparecem na frente.

O que fez o Brasil piorar no ranking em 2018?

Escolaridade - Tânia Rêgo/Agência Brasil - Tânia Rêgo/Agência Brasil
Expectativa de anos de estudo passou de 15,2 para 15,4 em 2018, enquanto a escolaridade média foi de 7,2 para 7,8
Imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Segundo o novo documento da ONU, a esperança média de vida dos brasileiros ao nascer estava em 75,7 anos em 2018, contra 73,9 em 2013 - um ganho de quase dois anos, que mostra que o país continuou avançando nesse aspecto.

Já a expectativa de anos de estudo passou de 15,2 para 15,4 no período, enquanto a escolaridade média evoluiu de 7,2 anos para 7,8.

O retrocesso ficou mais evidente no indicador que mede a renda média anual do brasileiro. Em uma das medidas que compõem o IDH, a renda nacional bruta per capita, que estima a renda média ajustada ao poder de compra de cada país, o Brasil registrou em 2018 US$ 14.068, nível próximo ao que era em 2012.

Em 2015, início da recessão econômica, tal indicador era de US$ 14.490. Em 1990, era de US$ 10.082.

Vale explicar que a ONU utiliza o dólar internacional em paridade de poder de compra para estimar a renda nos países, fazendo uma comparação entre preços de produtos e serviços em diferentes países e nos Estados Unidos - é uma medição considerada mais adequada para comparar o bem-estar em diferentes países e não representa a mesma cotação do dólar americano.

Outro número analisado no relatório que dá uma ideia de como a situação econômica piorou durante a crise é o percentual da força de trabalho maior de 15 anos que está procurando emprego, mas não está trabalhando em atividade remunerada e nem de forma autônoma.

Em 2018, tal percentual de desempregados foi de 12,5%, um pouco menor que os 12,8% de 2017, mas bem maiores do que eram antes da crise. Passaram de de 6,7% em 2014 para 11,6% em 2016.

"O que não tem contribuído para o aumento do IDH no Brasil é a parte econômica, porque tem havido uma estagnação desde 2014, 2015. Esperando que a melhora da educação e da saúde se mantenha no futuro, a partir do momento em que a economia se recupere, o IDH do Brasil pode vir a crescer mais rapidamente", disse à BBC News Brasil o economista português Pedro Conceição, diretor do escritório da ONU que produz o relatório.

Conceição considera positivo, porém, o fato de o Brasil seguir em uma trajetória de melhora. "Embora o IDH esteja crescendo pouco nos últimos anos, continua a aumentar."

Por que a desigualdade faz o Brasil menos desenvolvido

O relatório da ONU destaca que, quando ajustado pela desigualdade, o IDH do Brasil cai 24,5%. Como a desigualdade brasileira está entre as mais altas do mundo, esse ajuste derruba o país em 23 posições no ranking, para 0,574.

Colômbia e México, quando analisados na mesma comparação, apresentam perdas do IDH por desigualdade de 23,1% e 22,5%, respectivamente. Na média, tal perda nos países de alto desenvolvimento é de 17,9% e, na América Latina e Caribe, 22,3%.

A parcela dos 10% mais ricos do Brasil concentra cerca de 42% da renda total do país, segundo o relatório.

O documento alerta que no mundo todo, embora os países estejam alcançando ganhos substanciais nos níveis básicos de saúde, educação e padrão de vida, as necessidades de muitas pessoas permanecem não atendidas e, paralelamente, uma próxima geração de desigualdades se inicia, colocando os ricos à frente no desenvolvimento.

A desigualdade é nociva ao desenvolvimento de um país porque, segundo explica a ONU, as condições de partida podem determinar os avanços que uma pessoa consegue alcançar ao longo de sua vida.

"As desigualdades no desenvolvimento humano ferem as sociedades e enfraquecem a coesão social e a confiança das pessoas no governo, nas instituições e umas nas outras. As desigualdades ferem também as economias, impedindo que as pessoas alcancem seu potencial no trabalho e na vida".

Falando da desigualdade global, o relatório cita o exemplo de duas crianças nascidas nos anos 2000, uma em um país com altíssimos níveis de desenvolvimento humano, e outra em um país com baixos níveis de IDH.

A primeira, no exemplo do Pnud, tem mais de 50% de chances de chegar a se matricular no ensino superior: mais da metade dos jovens nos 20 anos em países de alto desenvolvimento humano estão no ensino superior. Em contraste, a segunda tem muito menos probabilidade de permanecer viva.

Cerca de 17% das crianças nascidas em países de baixo desenvolvimento humano nos anos 2000 terão morrido antes de completar 20 anos, em comparação a 1% das crianças em países muito desenvolvidos.

A ONU também destaca que medidas para promover o desenvolvimento na primeira infância, fase fundamental para o potencial das capacidades humanas, tem papel importante para garantir boas condições de partida, logo nos primeiros anos de vida das pessoas.

"As desigualdades nem sempre refletem um mundo injusto. Algumas são provavelmente inevitáveis, como as desigualdades de se desenvolver e criar uma nova tecnologia. Mas quando esses caminhos desiguais têm muito pouco a ver com recompensar talento, esforço ou risco empreendedor, a desigualdade pode ofender o senso de justiça das pessoas e ser uma afronta à dignidade humana", explica o documento, citando injustiças nas áreas de saúde, educação e respeito aos direitos humanos.

Mais políticas para reduzir desigualdades

Em um momento em que se alastram protestos em diversas partes do mundo - dos Coletes Amarelos na França, passando pelos estudantes em Hong Kong, às manifestações em série por países sul-americanos -, o relatório da ONU chama atenção para a necessidade de novas políticas públicas contra as desigualdades.

Ressaltando que as diferenças de oportunidades começam desde antes do nascimento, o documento defende que os governos invistam mais "na aprendizagem, saúde e nutrição das crianças pequenas" para garantir maior igualdade de condições desde a primeira infância.

A ONU também conclama os governos a regular mercados com políticas que garantam "competição saudável", além de proteger os diretos dos trabalhadores.

"Os países com uma força de trabalho mais produtiva tendem a ter uma concentração mais baixa de riqueza no topo, viabilizada, por exemplo, por políticas que apoiam sindicatos mais fortes, estabelecem o salário mínimo certo, criam um caminho da economia informal para a formal, investem em proteção social e atraem mulheres para os locais de trabalho", diz o documento.

Outro ponto importante para a ONU é que os países direcionem sua política fiscal (recolhimento de tributos e gastos públicos) para a redução das desigualdades.

"A tributação não pode ser vista por si só (ou seja, como mera finalidade de arrecadação), mas deve fazer parte de um sistema de políticas, incluindo gastos públicos em saúde, educação e (para incentivar) alternativas a um estilo de vida com uso intensivo de carbono", aponta o documento.

Nesse campo, a organização também destaca a "importância de novos princípios para a tributação internacional", tendo em vista o avanço da digitalização e dos riscos que isso representa para a evasão fiscal (manipulação para pagar menos imposto).