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O que dizem os dois lados do debate sobre cobrar mais impostos dos mais ricos

A eleição presidencial dos EUA neste ano deve ter como um dos temas centrais proposta de taxar grandes fortunas - Getty Images e BBC
A eleição presidencial dos EUA neste ano deve ter como um dos temas centrais proposta de taxar grandes fortunas Imagem: Getty Images e BBC

16/01/2020 17h13

Multimilionários como Jeff Bezos, Bill Gates e Mark Zuckerberg se tornaram símbolos de sucesso empresarial e empreendedorismo.

Mas para quem tem um olhar crítico sobre concentração de renda, as fortunas gigantescas deles mostram que o capitalismo falha ao não distribuir a riqueza de maneira mais equilibrada entre as populações.

Um quarto dos multimilionários do mundo vive nos Estados Unidos, segundo relatório da Weatlh-X.

Quem defende impostos mais altos sobre riqueza argumenta que o número de milionários nos EUA está crescendo enquanto 40 milhões de americanos dependem de benefícios sociais para comprar comida.

Esse é um dos temas mais debatidos entre os pré-candidatos à eleição presidencial dos EUA, marcada para novembro.

No Brasil, a ideia de taxar riqueza também foi discutida na eleição presidencial de 2018, com dois candidatos apresentando como plataforma reduzir impostos dos mais pobres e aumentar os que recaem sobre os mais ricos.

Ciro Gomes (PDT) defendeu aumentar impostos para os mais ricos, recriando o Imposto de Renda sobre lucros e dividendos e alterando alíquotas do imposto sobre herança e doações.

E Fernando Haddad (PT) propôs taxar os chamados "super-ricos", pessoas que ganham entre 40 e 60 salários mínimos mensais, uma faixa de renda que vai de R$ 41,5 mil a R$ 62,3 mil.

Já a equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro (sem partido desde que deixou o PSL, pelo qual se elegeu) comentou no final do ano passado sobre a possibilidade de tributar heranças que estão no exterior, mas não deu detalhes.

Nos EUA, os pré-candidatos democratas à Presidência Bernie Sanders e Elizabeth Warren defendem criar um imposto sobre riqueza e usar esse dinheiro para gastos sociais em saúde, educação e infraestrutura.

Opositores da medida temem que ela impacte negativamente o nível de emprego e gere fuga de capitais do país.

O que é imposto sobre riqueza?

Também chamado de imposto sobre o patrimônio, ele recai sobre todos os ativos de uma pessoa, não apenas suas receitas.

Ou seja, é cobrado de ações na bolsa, iates, propriedades, joias e tudo aquilo que integra a fortuna de alguém.

Na Europa, na década de 1990, 12 países utilizaram esse tipo de imposto. Mas, atualmente, apenas quatro mantêm essa taxação: Noruega, Suíça, Espanha e Bélgica.

E, na América Latina, três países cobram imposto sobre riqueza (que não é o mesmo que tributos mais específicos, como imposto sobre herança e propriedade): Uruguai, Argentina e Colômbia.

A BBC News reúne aqui a visão de dois especialistas com opiniões completamente distintas sobre se um país deve ou não taxar riqueza.

Chris Edwards: 'Multimilionários são força que alavanca bem-estar econômico'

Chris Edwards - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

(Diretor de Estudos de Políticas Tributárias do Instituto Cato, em Washington D.C., EUA)

BBC News - Qual a sua opinião sobre as propostas de imposto sobre riqueza?

Edwards - Não creio que seja produtivo taxar as pessoas ricas ou os multimilionários com um imposto sobre riqueza. Elas já pagam impostos altos.

Uma confusão que os políticos de esquerda fazem é pensar que os americanos ricos têm suas riquezas em barras de ouro escondidas sob o colchão.

Se olharmos os dados, a maior parte dos ativos dessas pessoas são investidos em negócios. Por exemplo, Jeff Bezos, da Amazon, gera crescimento econômico ao criar milhares de emprego.

Criar um imposto sobre a fortuna dos ricos significa taxar negócios que geram produção e postos de trabalho.

BBC News - Mas os impostos corporativos dos EUA são baixos, chegam apenas a 21%...

Edwards - Isso não é pouco. Entre os países que integram a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os impostos corporativos são, em média, de 25%.

Nos Estados Unidos, além dos impostos federais, há os tributos estaduais que somam cerca de 10%.

BBC News - Então, o senhor não concorda que taxar riqueza seja uma forma de reduzir a desigualdade?

Edwards - A maior parte da riqueza nos EUA é gerada pela inovação de multimilionários como Bezos e Gates, e por pessoas que criam novos negócios que as tornam ricas, mas que também beneficiam a todos.

Esse não é o problema. O problema é a entrega de cargos a familiares e amigos, não a riqueza gerada pelo mercado.

BBC News - Mas alguns multimilionários são favoráveis a criar um imposto sobre riqueza, como o megainvestidor Warren Buffett...

Edwards - Eles estão equivocados. É preciso olhar para a experiência de outros países. Nos anos 90, mais de uma dezena de países europeus que tinham imposto sobre riqueza, como França, Suécia e outros, não têm mais esse tipo de tributo.

Os que eles descobriram é que os ricos transferiam suas fortunas a outros países, escondiam ativos e faziam lobby para conseguir isenções.

BBC News - E como resolver, então, o problema da desigualdade?

Há certas brechas legais que podem ser eliminadas. Eu eliminaria as isenções tributárias, mas não subiria as taxas cobradas em impostos.

Emmanuel Sáez: O imposto sobre riqueza é uma poderosa ferramenta para diminuir a desigualdade

Emmanuel Sáez - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

(Professor de Economia da Universidade da Califórnia, Berkeley, e integrante da equipe que assessora a pré-candidata à Presidência dos EUA Elizabeth Warren)

BBC News - O imposto sobre riqueza foi descartado há vários anos na França porque não foi arrecadado o dinheiro que se esperava. Além disso, os franceses mais ricos transferiram seus recursos para outros países para escapar da tributação. Se esse imposto não funcionou na França, porque funcionaria nos EUA?

Sáez - Na Europa, foi fácil fugir do imposto sobre riqueza, simplesmente transferindo o dinheiro para outro países.

Um parisiense rico que se mudou para Londres não precisou pagar esse tributo. Mas, nos Estados Unidos, há um sistema diferente, baseado na nacionalidade. Se você é americano, tem que pagar imposto nos EUA independentemente de onde vive.

Por outro lado, na Europa isso não existe e era fácil colocar o dinheiro em contas no exterior, como em bancos suíços, e não pagar imposto sobre riqueza. E as autoridades francesas não tinham poder para forçar a Suíça a entregar essa informação financeira.

Já nos EUA, há regulações em vigor que forçam qualquer instituição financeira no exterior a informar às autoridades americanas sobre transações de seus cidadãos.

BBC News - É mais difícil esconder dinheiro hoje em dia?

Sim.

BBC News - Mas, com as revelações do escândalo Panama Papers, ficou evidente há muitas brechas legais que permitem ocultar fortunas.

Sáez - A questão dos paraísos fiscais não foi solucionada. Na Europa, há um nível de elisão fiscal muito significativo, mas isso está mudando. Pelo menos para os americanos é mais difícil abrir contas no exterior, porque isso expõe os bancos a pagar multas muito altas se não cumprirem a lei dos EUA.

A questão é que, se houver boas regulações, é possível lutar contra a elisão fiscal e a evasão de divisas de maneira efetiva.

BBC News - No Reino Unido, alguns políticos dizem que os multimilionários não deveriam existir. Essa mesma ideia está surgindo nos EUA?

Sáez - É possível enxergar isso de duas maneiras. Primeiro, os multimilionários deveriam pagar, pelo menos, o mesmo que o restante da população em relação às suas receitas. Isso não acontece na prática, porque eles driblam os impostos sobre as receitas, fazendo crescer sua fortuna dentro da empresa.

E os impostos corporativos têm sido reduzidos significativamente com a reforma do presidente Donald Trump. O imposto sobre a riqueza é a ferramenta mais poderosa para restaurar a progressividade impositiva e para aumentar a cobrança tributária dos que estão no topo.

BBC News - Mas isso não vai contra o a ideia do 'sonho americano'?

Saéz - Isso é verdade desde a época de Ronald Reagan, mas a maioria das pessoas se esquece de que um sistema de tributação progressivo é uma invenção dos Estados Unidos.

BBC News - Progressivo significa que os ricos pagam mais, proporcionalmente, que os que têm menos recursos?

Sáez - Correto. Desde o experimento econômico de Ronald Reagan em 1980, temos visto um aumento da desigualdade. O crescimento econômico não alcança os 50% da população que têm menos recursos. Por isso, não seria surpreendente que, nos próximos anos, os Estados Unidos vivam uma revolução impositiva.